Posição
do Idec sobre o racionamento de energia elétrica
O racionamento no fornecimento de energia
elétrica proposto pelo governo revela, mais uma vez, que a parte
mais fraca do mercado (o consumidor domiciliar) é quem pagará
pela falta de investimentos e de competência administrativa por parte
do Poder Público. O fornecimento de energia elétrica é
serviço público essencial à vida do cidadão
e, por isso, deveria ser tratado com seriedade pelas autoridades competentes.
A crise energética que estamos
vivenciando no Brasil, da qual um dos desdobramentos é o racionamento
no fornecimento do serviço, demonstra as falhas do modelo adotado,
principalmente no tocante à falta de investimentos no setor de geração,
que vem ocorrendo há muitos anos, e a equivocada política
de privatização de muitas empresas.
O problema não é atual
e é preciso que a sociedade civil se imponha para cobrar do governo
uma implementação eficiente na política energética,
que não proponha soluções relâmpagos, pois os
problemas são estruturais e não serão resolvidos a
curto prazo.
Para entender o problema
A queda nos investimentos em energia
elétrica vem se acelerando a cada ano: na década de 80, a
média dos investimentos foi superior aos US$ 10 bilhões
(em 1987, foram investidos US$ 16 bilhões); na década
de 90, a média foi de aproximadamente US$ 6 bi; no ano de 2000,
os investimentos foram de apenas R$ 3 bilhões (note-se: 3 bilhões
de REAIS!!!).
Assim, enquanto no período de
1980 a 1992, o crescimento da capacidade instalada e do consumo cresciam
quase em paralelo, em 2000, o consumo cresceu 165% e a capacidade instalada
aumentou somente 119%.
Para se compreender toda essa crise,
é necessário destacar que não houve investimento nos
setores de geração e de transmissão de energia elétrica
e, com a entrada em cena dos investidores privados, a situação
se agrava, pois seus interesses se concentram nos setores de distribuição
e comercialização, que são os mais lucrativos e não
implicam em investimentos como na área de geração
e transmissão. Entretanto, considerando que as distribuidoras de
energia elétrica auferem grandes lucros com sua atividade, deveriam
ter sido obrigadas, pelo contrato de concessão, na ocasião
da privatização das empresas públicas, a investir
em linhas de transmissão, o que minimizaria muito a grave situação
que estamos enfrentando hoje.
Assim, o resultado é o que os
consumidores domiciliares vêm assistindo após as privatizações
das empresas distribuidoras de energia elétrica: aumento das tarifas
e baixa qualidade nos serviços, sem uma fiscalização
eficiente por parte do governo para solucionar os problemas. O consumidor
residencial vem pagando pelos custos com os quais as empresas privadas
não querem arcar, apesar de já terem recebido usinas hidrelétricas
prontas para explorarem e investimentos do governo para poderem se instalar
no país.
A nossa capacidade de geração
de energia elétrica não depende da pluviometria, ou seja,
do índice de chuvas, desde que se invista na estrutura e capacidade
de geração a ponto de se contar com adequada margem de segurança
para o abastecimento. As usinas hidrelétricas brasileiras foram
projetadas para armazenarem energia em caso de escassez de chuvas ou de
outros eventos imprevistos.
Consumidor residencial é
quem paga a conta
De acordo com matéria publicada
no jornal O Estado de São Paulo, do dia 1 de abril de 2001, a participação
no consumo nacional do usuário residencial é de apenas
27,6%,
enquanto que o consumo do setor comercial responde por 15,4%,
outros 13,8% dizem respeito a outros tipos de consumidores (rural
etc) e o setor industrial corresponde a 43,2% da participação
nacional. Só a indústria paulista consome 12% da energia
gerada no país.
Isso mostra que o consumo de energia
elétrica no país é determinado pela participação
do setor industrial, titular de cerca de metade do consumo nacional. Entretanto,
este setor paga tarifas muito inferiores às dos consumidores residenciais
e, com o fim do subsídio cruzado, a situação só
tem piorado para as classes de renda mais baixas.
Os consumidores residenciais, após
as privatizações, tiveram aumentos que dependiam da quantidade
consumida mensalmente, sendo que, na média, chegou-se a aumentos
da ordem de 108%. Este percentual é muito superior ao aumento
para as classes de consumo industrial, comercial e outras, cujos reajustes
variaram de 3,15% até 26,57%, dependendo da empresa.
A nova política tarifária,
cuja orientação está bem definida com os dados acima
transcritos, culminou num resultado assustador, segundo o qual o consumidor
de até 30 Kwh, ou seja, o consumidor de baixa renda, sofreu um aumento
real (além da inflação) da ordem de 321,45% como se
pode verificar da tabela abaixo, retirada do Site da ANEEL.
Percebe-se, portanto, que, atualmente,
no Brasil, as residências (mais pobres) estão subsidiando
o alto consumo dos setores comercial e industrial.
De acordo com dados da CSPE - Comissão
de Serviços Públicos de Energia do Estado de São Paulo,
de 8 a 12% das unidades de consumo estadual configuram-se como inadimplentes
num período de até 60 dias após o vencimento da conta.
Considerando- se uma média de 4 pessoas por unidade consumidora,
isso significa um número imenso de cidadãos sujeitos ao corte
do serviço por falta de pagamento.
Poderia haver expressiva queda no consumo
total de energia elétrica, caso os setores comercial e industrial
assumissem maior responsabilidade social no uso desse recurso. De acordo
com Eduardo Moreno, da Associação Brasileira das Empresas
de Serviços de Conservação de Energia (ABESCO), "Se
as indústrias poupassem 10% da energia que consomem, equivaleria
a investimentos de R$ 140 milhões anualmente em geração
e transmissão. É como se criasse uma usina virtual a cada
ano." (O Estado de São Paulo, 1 de abril de 2001).
Conclusão
O consumidor residencial já
vem pagando a conta pelas falhas do novo modelo desenhado para o setor
energético. Para agravar, com o racionamento proposto, pretende-se
que ele tenha uma redução equivalente a 20% sobre
o total de consumo relativo ao mesmo mês do ano anterior, sob pena
de aumento tarifário - a multa é de 5 vezes mais o preço
da tarifa sobre o consumo acima da cota fixada.
É justamente a classe residencial
que, com os altos aumentos de tarifas nos últimos anos, com a perda
dos subsídios cruzados (faixas de descontos) e a ocorrência
de outros fatores, como o desemprego e o arrocho salarial, já vem
reduzindo o seu consumo e aumentando a inadimplência. Segundo o IBGE,
o consumidor residencial reduziu o consumo de energia mensal de 178
para 174 Kwh (dado de janeiro a setembro de 1999). Por sua vez,
a Eletrobrás revelou que, em 2000, que os setores comercial e industrial
tiveram um crescimento de consumo de 7,8 e 6,8%, respectivamente,
enquanto o domiciliar aumentou 2,1%.
Em que pese a justificativa de que
o desenvolvimento econômico do país não pode parar,
é necessário estipular políticas estratégicas
mais eficazes a fim de racionalizar o consumo de energia, mas sem prejudicar
os consumidores residenciais, cuja grande parcela já não
vem consumindo a quantidade que necessita devido ao alto preço das
tarifas, bem como pela inadequação do modo como são
fixados os critérios de baixa renda. A tabela abaixo mostra que
o consumo médio residencial na maioria dos Estados da Região
Nordeste, e também Tocantins, já é baixo:
fonte : Ilumina- Instituto de Desenvolvimento
Estratégico do Setor Elétrico
A proposta do governo é mais
perversa para os consumidores pobres, denominados de baixa renda, que,
aliás têm diferentes definições em cada Estado,
variando, quanto ao consumo, de 120 a 220 Kwh/mês. O governo afirma
que pretende isentar da sobretaxa apenas os que consomem até 50
kwh/mês, que é um consumo extremamente baixo, equivalente
ao que gasta, no máximo, uma geladeira doméstica funcionando
24 horas.
Note-se, ademais, que os consumidores
de baixa renda, apesar de já estarem se sacrificando para consumir
pouca energia, a fim de garantir os descontos na tarifa, estará
obrigado a diminuir ainda mais consumo, sob pena de pagar a multa, contrariando-se,
assim, o seu direito adquirido de se enquadrar no benefício social
de baixa renda.
O IDEC, em outubro de 1998, procedeu
a um teste de consumo de geladeiras e verificou que a geladeira mais econômica
do mercado (300 litros) consumia 24 Kwh/mês e a menos econômica
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Kwh/mês, ou seja, o plano de racionamento por cotas, mantido
o limite de 50kwh/mês para isenção da sobretaxa, é
absurdo e inexeqüível, podendo aumentar a inadimplência
e ampliar a exclusão de milhares de consumidores do acesso a esse
serviço essencial.
Além disso, a referida proposta
é inconstitucional, pois viola os artigos 1º e 3º da Constituição
Federal, que especificam princípios fundamentais, como o respeito
à dignidade da pessoa humana e a redução das desigualdades
sociais e regionais.
Proposta do Idec
Compreendendo a gravidade da situação,
mas exigindo que o consumidor domiciliar não seja penalizado em
caso de desperdício e incentivando o uso racional de energia, o
IDEC propõe:
1- Que não seja aplicada
nenhuma sobretaxa para o consumidor residencial que mantiver consumo igual
ao mesmo mês do ano 2000;
2- Que seja dado um desconto
na tarifa a ser paga em escala proporcional à redução
aos consumidores que reduzirem o consumo de energia;
3- Que não seja aplicada
sobretaxa aos consumidores de baixa renda de acordo com os critérios
de cada empresa e cada região;
4- Sobretaxa de no máximo
50% sobre o excedente da cota para os consumidores domiciliares;
5- Que seja desenvolvida uma
ampla campanha de informação e educação da
população para o consumo racional de energia;
6- Que sejam claramente definidas
e divulgadas as datas de início e término do racionamento,
evitando prorrogações ou adoção dessas medidas
em caráter permanente;
7- Que sejam amplamente divulgadas
as medidas tomadas em relação aos setores industriais, comerciais
e outros, sabidamente responsáveis pela maior parte do consumo nacional
de energia elétrica.
Além disso, o Idec sugere que
os consumidores enviem e-mails às autoridades mencionadas para evitar
que a medida pretendida pelo Governo Federal seja adotada. Clique aqui
para obter a carta preparada pelo Idec
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