Software livre: o sistema operacional
Linux
Apesar
da rápida expansão em todo o mundo, o conceito de programa
livre ainda é bem pouco compreendido pela população,
acostumada à idéia de que se quiser usar, tem de comprar
cada licença de uso, pagar pelas atualizações e depender
da empresa
que criou o produto. Entretanto, desde 1984 Richard Stalmann, criador da
Fundação do Programa Livre (Free Software Foundation), vem
trabalhando para popularizar a idéia de que é viável
uma comunidade de desenvolvedores de programas, espalhada pelo mundo inteiro,
contribuir gratuitamente para o aperfeiçoamento de programas de
computador, que em seguida são livremente distribuídos para
quem quiser usar, sem custos. O exemplo prático mais efetivo do
funcionamento desse conceito começou a ser apresentado em 1991,
quando o finlandês Linus Torvalds criou o kernel (núcleo
de programação) do sistema operacional Linux, a partir do
sistema Unix usado em grande parte dos servidores e computadores de grande
porte.
O Linux foi o tema principal da palestra
ministrada por Paulo Verri Filho, da empresa paranaense Conectiva
Informática, distribuidora do Conectiva Linux em toda a América
Latina. Acompanhado por Carlos Eduardo Mariano, gerente de negócios
da empresa em São Paulo, o palestrante procurou explicar, no Sesc/Santos,
o conceito de programa livre, as vantagens e facilidades do Linux, e principalmente
demonstrar como nas versões mais recentes até a barreira
da dificuldade de instalação por usuários leigos já
foi vencida: "Hoje, com uns seis cliques do mouse o sistema pode ser instalado,
inclusive mantendo o sistema operacional já existente no computador
do usuário".
Paulo explicou que os programas
livres são controlados por uma licença geral pública
(GPL - General Public License) e o conceito compreende a liberdade para
instalar e executar qualquer programa livre, com qualqer proósito
e onde o usuário desejar; liberdade para modificar o código-fonte,
aperfeiçoando o programa; liberdade para redistribuir o programa,
inclusive com as melhorias incorporadas.
Uma das vantagens de não estar
sob o controle de apenas uma empresa é que o programa é analisado
e aperfeiçoado continuamente por uma comundidade de milhares de
desenvolvedores de programas e programadores de todo o mundo. Por exemplo,
o navegador Netscape, quando se tornou programa livre, teve seu tamanho
reduzido em 300%, por meio da eliminação de linhas de programação
desnecessárias e aperfeiçoamentos ou reescrita das demais.
Um exemplo prático ocorreu
durante a produção do filme Titanic. Os produtores compraram
uma estação de trabalho Alpha com Unix, e o aplicativo para
renderização de imagens (geração das imagens
criadas por meio de código de computador) não funcionou.
Instalado outro sistema operacional, também não funcionou.
Testado o Linux, novamente não deu certo. "Mas, por ser o Linux
um programa livre, os desenvolvedores imediatamente modificaram o código-fonte
do sistema, construindo as rotinas necessárias para que o aplicativo
de renderização funcionasse". Se o sistema operacional tivesse
código proprietário, seria preciso esperar que a produtora
desse sistema lançasse uma versão com modificações
que permitissem rodar o aplicativo, o que poderia nunca ocorrer.
Comunidade - Quem participa da
comunidade de desenvolvedores Linux? Todos os interessados: o meio acadêmico,
voluntários, organizações de alta tecnologia, empresas
de informática, distribuições Linux e listas de debates
via correio eletrônico, como as três mantidas pela Conectiva:
Linux-BR,
ISP-BR e LDP-BR.
É tal comunidade que dá
resposta imediata a problemas como os 10 vírus de computador criados
até hoje para atingir equipamentos com Linux. Contra dezenas de
milhares de vírus para outros sistemas operacionais. Aliás,
uma das razões do baixo registro de vírus é a arquitetura
do Linux, derivada do Unix: até mesmo o administrador do sistema,
quando não está exercendo atividades específicas de
administrador, opera o Linux com as restrições de usuário
comum. Assim, caso o computador seja infectado, o vírus tem sua
ação limitada à partição que esse usuário
acessa, sem permissão para destruir arquivos do sistema.
Em termos de segurança, a
Marinha do Brasil testou todos os sistemas operacionais e optou pelo Linux.
Uma das razões é que, por ser programa livre, pode importar
uma chave criptográfica especial de alta segurança e ajustar
o sistema Linux para suportá-la,
facilitando a implementação desse método de segurança.
Uma das vantagens do Linux é
a estabilidade: o computador com Linux pode ficar anos sem ser desligado
e sem que ocorra pane no sistema. Outra é o código "enxuto",
que permite melhor aproveitamento da máquina, e portanto rodar aplicativos
poderosos mesmo em equipamentos mais modestos - o que permite ao usuário
reaproveitar de modo eficiente computadores que já não comportariam
outros sistemas operacionais equivalentes.
Custos - A principal vantagem
do Linux é o preço: ele é gratuito. Uma comparação
entre sistemas operacionais foi apresentada pelo palestrante em Santos:
Comparação: |
Outro sistema: |
Linux |
1 estação + pacote
tipo Office |
R$ 1.439,00
|
R$ 88,00
|
1 servidor + 25 estações
com pacote tipo Office, proxy e banco de dados |
R$ 40.000,00
|
R$ 313,00
|
Custo Total de Propriedade (TCO)
- Fonte: Gardner Group |
US$ 212,00
|
US$ 2,68
|
TCO - 25 estações
(revista Forbes) |
US$ 21.453,00
|
US$ 5.546,70
|
Os custos, no âmbito do Linux,
se referem à aquisição do programa em CD-ROM, manuais
impressos e serviços de apoio. Paulo lembrou, entretanto, que tanto
o sistema Linux como os aplicativos livres e as atualizações
e até os manuais podem ser obtidos gratuitamente, por meio de cópia
a partir da Internet. Aliás, o Linux é o sistema operacional
mais bem documentado: o volume de documentos sobre Linux é quase
três vezes superior à soma dos documentos sobre os demais
sistemas operacionais.
O governo do Rio Grande do Sul está
deixando de gastar R$ 18 milhões em licenças de programas,
ao migrar para o Linux, e parte desse valor (R$ 4,5 milhões) já
é revertida para o serviço de merenda escolar. O palestrante
lembrou também que o Projeto Fust, que visa arrecadar 1% dos valores
auferidos pelas empresas de telecomunicações para desenvolver
um projeto de oferta de computadores, ao usar programas com código
proprietário poderá totalizar 300 mil equipamentos. Se usasse
programas de código livre, permitiria atingir 450 mil equipamentos,
e ainda oferecer treinamento gratuito aos usuários desses computadores.
Curiosamente, e mostrando que os
brasileiros não são favoráveis à pirataria,
a Associação Brasileira de Empresas de Software (Abes) divulga
que 56% dos equipamentos PC no Brasil usam programas pirateados. Entretanto,
74% das cópias do Conectiva Linux em circulação no
Brasil foram adquiridas pelo usuário, embora ele pudesse obtê-as
sem custo pela internet.
Vantagens assim fazem com que já
sejam mais de 30 milhões os usuários de Linux no mundo; 30
a 40% dos usuários alemães de Unix também usam Linux;
pesquisa recente indica que, em 2003, 32% dos computadores da América
Latina já estarão usando Linux. Em 1999, o Linux já
estava presente em 13% dos servidores de rede e foi o 5º sistema mais
uado nos computadores de mesa em todo o mundo. Em 2000, segundo pesquisa
do IDC, o Linux já alcançava 27% dos servidores e passava
para o terceiro lugar.
Compatibilidade - A Borland lançou
recentemente uma ferramenta em Delphi, para desenvolvedores, que permite
portar aplicativos de outros sistemas operacionais para Linux (embora essa
ferramenta seja de código proprietário, com licenças
vendidas aos usuários). A maioria dos programas com código
proprietário já tem alternativa Linux, desenvolvida pela
própria empresa ou pela comunidade Linux. Por exemplo, o pacote
de aplicativos Office para Windows tem versão Linux gratuita que
chega a confundir o usuário, tal a sua semelhança com o produto
da Microsoft: o StarOffice. A interface gráfica em Linux pode inclusive
ser escolhida entre várias opções, uma delas praticamente
igual à do MS Windows.
A Lotus também tem uma suíte
de programas de escritório, há bancos de dados, aplicativos
de CAD, e muitos jogos: o Doom e o Quake, inclusive, rodam com maior velocidade
em Linux.
O sistema Linux é multiusuário,
multitarefa, multiprocessador, multiplataforma (Intel, IA64, Motorola MC68K,
PowerPC, Alpha, MIPS, ARM), oferecendo portabilidade e escalabilidade,
desde assistentes pessoais digitais (PDAs, como os computadores Palm) e
PCs 386 até estações Alpha e /390. Conta ainda com
o padrão Posix de desenvolvimento (AIX, HP-UX, SCO, Solaris etc.).
É interativo com outros sistemas operacionais (Unix, Mac OS, Windows,
Novell), pode ser usado como servidor para FTP, firewall, intranet, Internet,
roteador, clustering, comércio eletrônico) e como terminal
(oferece reinicialização remota, pode ser operado como "terminal
burro" e 327X). Integra-se bem com o programa livre Apache, que é
usado em 60% dos servidores de páginas Web para Internet e intranet
em todo o mundo.
Paulo registra o depoimento de representantes
do Hospital São Camilo, que testaram seus programas hospitalares
com diversos sistemas e verificaram que no Linux rodam cerca de 40% mais
rápido. A Oracle também cita que seu banco de dados roda
mais rápido em Linux que em outros sistemas, inclusive o Unix. E
a Case SulAmerica descobriu que um aplicativo de Dataflex que demorava
10 horas para gerar um relatório, em Linux, no mesmo computador,
processa esse relatório em espantosos 15 minutos!
Clustering é o uso
de diversos computadores, um ao lado do outro, fazendo processamento paralelo
com um mesmo objetivo. Enquanto outros sistemas operacionais sequer controlam
mais de 30 computadores, no Brasil há um caso de 70 equipamentos
Pentium III rodando Linux e no exterior há um sistema Linux controlando
250 máquinas em processamento paralelo.
Paulo Verri contou com dois inesperados
auxiliares, nas explicações mais técnicas aos participantes:
o especialista em segurança Amílcar Brunazo Filho, que vem
denunciando as falhas de segurança nas urnas eletrônicas nacionais
usadas no processo eleitoral, e de Franz Joseph Hildinger, que traduziu
para o português usado no Brasil o programa Opera, de navegação
na Internet. Franz lembrou, por exemplo, que no site Web da revista Info
Exame é possível fazer a cópia de uma aplicação,
Virtual PC, que permite rodar simultaneamente, no mesmo computador, os
sistemas operacionais Linux e Windows.
Empresa - A Conectiva começou
a operar em 1995, e já no ano seguinte oferecia serviços
com programas livres. Em 1997, apresentou a primeira versão do Conectiva
Linux, com 3.000 cópias; em 1998, atingiu 43 mil cópias;
em 1999 pulou para 450 mil cópias e em 2001, já uma empresa
com 300 funcionários e sete filiais, mantém páginas
Web com cerca de 30 mil acessos diários e espera atingir a marca
de 1,2 milhão de cópias distribuídas (vendidas em
CD ou copiadas gratuidamente pela Internet). Se a Conectiva fechasse um
dia, o sistema continuaria disponível e sendo atualizado, pois não
tem dono, ou seja, não há perda para o usuário por
descontinuidade de atualização.
Qual o seu lucro? A Conectiva percebeu
que o novo foco do mercado não é vender o programa, mas prestar
serviços de treinamento, consultoria, O&M e suporte (mesmo assim,
a Conectiva é a única a prestar suporte gratuito por telefone).
A equipe da empresa vem não só aperfeiçoando o kernel
do Linux (especialmente na parte de gerenciamento de memória), como
trabalha em outros projetos: o instalador, Linuxconf, NetFS, drivers
de dispositivo, alta disponibilidade, internacionalização,
USB etc. |