De comunidades rurais a virtuais
Mário Persona (*)
Colaborador
Comunidade
não é novidade. Em 1977 eu já estudava o assunto.
Resquício da era hippie, as comunidades alternativas brotavam em
fazendas norte-americanas, como a The Farm, de Stephen Gaskin. Velho,
calvo e ex-candidato à presidência dos Estados Unidos pelo
"Outlaw Party", ele continua tocando sua comunidade, lá para as
bandas de Nashville. Mas as bandas de Nashville já não estão
nem aí com ele.
O grupo inovou, quando partiu de São
Francisco num comboio de fumarentos ônibus escolares, e viajou por
todo o país. Até lançar suas âncoras e sementes
de maconha numa fazenda do Tennessee. Sair da cidade para formar uma comunidade
podia parecer um paradoxo. Mas "uma cidade é uma grande comunidade
onde as pessoas ficam solitárias juntas", escreveu Herbert Prochnow.
Estudar o comportamento da The
Farm e de outras comunidades alternativas fazia parte de meu trabalho
de graduação em Arquitetura e Urbanismo. Uma comunidade agrícola
que projetei para ser um assentamento de sem-terra no litoral Sul, usando
tecnologia alternativa. A idéia era inovadora demais para uma época
em que nem os sem-terra tinham sido inventados.
Enfrentei uma banca examinadora perplexa.
Enquanto outros discípulos de Niemeyer expunham seus trabalhos de
vidro e concreto, meus mestres folheavam meu projeto. No formato de revista
em quadrinhos, com páginas mostrando o sorriso desdentado de gente
que plantava bananeira para sobreviver. A princípio não sabiam
se aquilo era sério ou só uma brincadeira. Era sério.
Raspei na nota máxima e o trabalho acabou sendo roubado da biblioteca
por algum entusiasta do verde. Ou do partido contrário.
Vilão e mocinho - Em
1979, recém casados, fomos tentar a vida comunitária no planalto
central. Uma Kombi e duas cabeças repletas de tralhas. Naquela época,
o vilão era o progresso desenfreado. A tecnologia alternativa, o
mocinho acalentado. Viver em comunidade era mudar o mundo pacificamente.
Algo como nevar em pequenos flocos até formar uma geleira. Acreditávamos
conseguir virar a sociedade de cabeça para baixo, e valorizar o
ser humano. Descobrimos que a única coisa que aumenta de valor quando
virado de cabeça para baixo é o número seis.
Mas o assunto comunidade continua
atual. Se antes a tecnologia alternativa estava nos moinhos de vento, coletores
de energia solar ou biodigestores de gás metano, hoje está
na Internet. Se antes eu importava livros, após dias de burocracia
para remeter dólares às livrarias no exterior, hoje tenho
mil bibliotecas de Alexandria em meu notebook. Mas é justamente
aí que começam os problemas.
A Internet colocou informação
demais ao alcance dos mesmos cinco sentidos e um cérebro que meu
bisavô já possuía. Impossível processar tudo.
O biodigestor que projetei transformava um caminhão de lixo em alguns
litros de gás. Se for tirado o lixo da Internet - acreditam alguns
- teremos informação de valor. Um absurdo igual à
frase de Marion Barry, prefeito de Washington: "Tirando os homicídios,
Washington possui uma das menores taxas de criminalidade do país".
Novas comunidades - Há
sistemas que filtram a informação, mas sem a eficiência
do discernimento humano. A solução pode estar nas comunidades
para troca de informação. Formadas para potencializar atributos
individuais e otimizar o trabalho, elas ainda suprem o caráter gregário
do ser humano. Há hoje milhares de pequenas comunidades na Internet,
formadas por afinidade. A forma como a informação é
trocada entre seus membros é humana e sempre contextualizada. O
que torna as coisas mais interessantes.
Comunidade é como sapato.
É preciso encontrar seu número e par. Possui personalidade,
um espelho de seus participantes e chave para reunir iguais. Mas ainda
que o auxílio mútuo ajude a filtrar a informação,
é cada vez mais importante a forma como a informação
é gerada. Racional, para não entupir os filtros. Minha esposa
costuma dizer que basta ler o início e o fim de meus artigos para
saber o que escrevi. Acho que tem razão. Por isso procuro aperfeiçoar
a técnica de escrever. Até atingir o ideal. Criar um início
interessantíssimo e um final surpreendente. E mantê-los o
mais próximo possível um do outro.
(*) Mário
Persona é diretor de comunicação da Widesoft,
que desenvolve sistemas para facilitar a gestão da cadeia de suprimentos
via Internet, editor da Widebiz
Week e moderador da lista de debates
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