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Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 04/14/01 01:07:44
De comunidades rurais a virtuais 

Mário Persona (*)
Colaborador

Comunidade não é novidade. Em 1977 eu já estudava o assunto. Resquício da era hippie, as comunidades alternativas brotavam em fazendas norte-americanas, como a The Farm, de Stephen Gaskin. Velho, calvo e ex-candidato à presidência dos Estados Unidos pelo "Outlaw Party", ele continua tocando sua comunidade, lá para as bandas de Nashville. Mas as bandas de Nashville já não estão nem aí com ele.
O grupo inovou, quando partiu de São Francisco num comboio de fumarentos ônibus escolares, e viajou por todo o país. Até lançar suas âncoras e sementes de maconha numa fazenda do Tennessee. Sair da cidade para formar uma comunidade podia parecer um paradoxo. Mas "uma cidade é uma grande comunidade onde as pessoas ficam solitárias juntas", escreveu Herbert Prochnow. 

Estudar o comportamento da The Farm e de outras comunidades alternativas fazia parte de meu trabalho de graduação em Arquitetura e Urbanismo. Uma comunidade agrícola que projetei para ser um assentamento de sem-terra no litoral Sul, usando tecnologia alternativa. A idéia era inovadora demais para uma época em que nem os sem-terra tinham sido inventados.

Enfrentei uma banca examinadora perplexa. Enquanto outros discípulos de Niemeyer expunham seus trabalhos de vidro e concreto, meus mestres folheavam meu projeto. No formato de revista em quadrinhos, com páginas mostrando o sorriso desdentado de gente que plantava bananeira para sobreviver. A princípio não sabiam se aquilo era sério ou só uma brincadeira. Era sério. Raspei na nota máxima e o trabalho acabou sendo roubado da biblioteca por algum entusiasta do verde. Ou do partido contrário.

Vilão e mocinho - Em 1979, recém casados, fomos tentar a vida comunitária no planalto central. Uma Kombi e duas cabeças repletas de tralhas. Naquela época, o vilão era o progresso desenfreado. A tecnologia alternativa, o mocinho acalentado. Viver em comunidade era mudar o mundo pacificamente. Algo como nevar em pequenos flocos até formar uma geleira. Acreditávamos conseguir virar a sociedade de cabeça para baixo, e valorizar o ser humano. Descobrimos que a única coisa que aumenta de valor quando virado de cabeça para baixo é o número seis. 

Mas o assunto comunidade continua atual. Se antes a tecnologia alternativa estava nos moinhos de vento, coletores de energia solar ou biodigestores de gás metano, hoje está na Internet. Se antes eu importava livros, após dias de burocracia para remeter dólares às livrarias no exterior, hoje tenho mil bibliotecas de Alexandria em meu notebook. Mas é justamente aí que começam os problemas.

A Internet colocou informação demais ao alcance dos mesmos cinco sentidos e um cérebro que meu bisavô já possuía. Impossível processar tudo. O biodigestor que projetei transformava um caminhão de lixo em alguns litros de gás. Se for tirado o lixo da Internet - acreditam alguns - teremos informação de valor. Um absurdo igual à frase de Marion Barry, prefeito de Washington: "Tirando os homicídios, Washington possui uma das menores taxas de criminalidade do país". 

Novas comunidades - Há sistemas que filtram a informação, mas sem a eficiência do discernimento humano. A solução pode estar nas comunidades para troca de informação. Formadas para potencializar atributos individuais e otimizar o trabalho, elas ainda suprem o caráter gregário do ser humano. Há hoje milhares de pequenas comunidades na Internet, formadas por afinidade. A forma como a informação é trocada entre seus membros é humana e sempre contextualizada. O que torna as coisas mais interessantes.

Comunidade é como sapato. É preciso encontrar seu número e par. Possui personalidade, um espelho de seus participantes e chave para reunir iguais. Mas ainda que o auxílio mútuo ajude a filtrar a informação, é cada vez mais importante a forma como a informação é gerada. Racional, para não entupir os filtros. Minha esposa costuma dizer que basta ler o início e o fim de meus artigos para saber o que escrevi. Acho que tem razão. Por isso procuro aperfeiçoar a técnica de escrever. Até atingir o ideal. Criar um início interessantíssimo e um final surpreendente. E mantê-los o mais próximo possível um do outro.

(*) Mário Persona é diretor de comunicação da Widesoft, que desenvolve sistemas para facilitar a gestão da cadeia de suprimentos via Internet, editor da Widebiz Week e moderador da lista de debates Widebiz.