"Um pequeno passo para o homem,
um grande salto para a humanidade"
Mário Persona (*)
Colaborador
Eu era pequeno
para um tão grande passo. Não que pretendesse conquistar
a Lua, mas aos dezesseis anos rumava para os Estados Unidos em um Boeing
707. Era o ano de 1972 e os jovens que lotavam o avião gastariam
os próximos seis meses estudando e aprendendo a viver em um ambiente
estranho. Para combater o tédio da viagem, alguém começou
uma guerra de travesseiros. O professor que nos acompanhava, cochilava
na primeira poltrona, alheio ao pandemônio armado no interior da
aeronave.
No aeroporto, o casal que me adotaria
como filho temporário soltou uma rajada de inglês. "What?",
lati. Logo comigo, que só dominava o "the book is on the table".
Ao chegarmos em casa, a "mother" apontou para o quarto e disse:
"You will sleep with our fifteen year old son". Eu entendia "sleep"
e sabia contar até "fifteen", mas faltei na aula do "son".
Em minha tradução mais otimista aquilo significava "filha".
Até conhecer George.
Numa época em que o espanhol
ainda não era a língua falada nos EUA, fui acometido de um
verdadeiro pânico por não poder me comunicar. Por não
compreender o ambiente, minha reação natural foi de odiar
o país. Mas à medida que meu vocabulário aumentava,
meu sarcasmo crítico diminuía. E minha bexiga também,
depois que a professora passou a entender meu inglês e a me deixar
sair.
O desconhecido sempre nos parece
hostil. Uma verdadeira Lua de esterilidade. Neil Armstrong estava certo,
quando disse que seu pequeno passo seria um grande passo para a humanidade.
Mesmo que não tivesse dado o passo, só de estar lá
já era grande coisa. Para o bom empreendedor, meio passo basta.
Erra quem tenta saltos impossíveis naquilo que não domina.
A Internet, por exemplo, que tem se mostrado maior que a Lua. Pelo menos
em sua influência na maré da comunicação.
Sei que vamos rir de empreendimentos
que foram capa de revista nos últimos poucos anos. Não daremos
gargalhadas, mas nos lembraremos deles com aquele sorriso caridoso de quem
assiste filmes antigos mostrando gente tentando voar com asas de papelão.
Filmes mudos de homens surdos, que pulavam das pontes sem escutar o meio.
Tentativas tão efêmeras quanto os sucessos de maquiagem que
testemunhamos na infância da Internet.
Assimilar antes - Como eu
culpava os EUA, hoje muitos culpam a Internet por seus próprios
insucessos. Não tentaram assimilar o meio antes de poder dominá-lo.
Não aprenderam a falar sua língua. O networking é
o idioma da Internet, indecifrável para quem não quer sair
do isolamento de uma sociedade pré-entretecida. No judô você
usa o impulso do adversário para derrubá-lo. Na rede você
soma todos os impulsos de seu networking para mover sua empresa,
seu produto e até você.
Adicionamos a capacidade de difusão
por capilaridade em um produto que criamos e funcionou muito bem. A empresa
que adquire o sistema convida seus fornecedores e clientes para serem usuários,
integrando seus processos de compra e venda. Cada parceiro que percebe
o benefício, decide adquirir a solução para fazer
o mesmo com sua própria cadeia de suprimentos. E convida seus fornecedores
e clientes para utilizá-lo. E o ciclo se repete, em uma sucessão
de vínculos. Afinal, até quem chegou só no "the
book is on the table" deveria saber que "Web" significa "teia".
Primeiro compreender o ambiente,
depois tomar uma atitude. Se o professor que nos acompanhava no avião
tivesse agido assim, teria evitado o vexame. Seu cochilo terminou com a
pancada de um travesseiro perdido. Olhou para trás, viu a bagunça
e levantou-se de um salto. Só para cabecear o bagageiro com um estrondo
de fazer inveja ao ribombar das turbinas. Condicionado a anos de sala de
aula, berrou: "Quem fizer bagunça vai pra fora!" O cândido
sorriso no rosto de quase duzentos adolescentes fez o professor perceber
que seria impossível cumprir sua ameaça. Aquele sim, teria
sido um pequeno passo, mas um grande salto.
(*) Mário
Persona é diretor de comunicação da Widesoft,
que desenvolve sistemas para facilitar a gestão da cadeia de suprimentos
via Internet, editor da Widebiz
Week e moderador da lista de debates
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