Privacidade no trabalho e Internet
Ronaldo Lemos (*)
Colaborador
As relações
de trabalho sofreram severas modificações com o advento da
Internet. Desde a idéia de homeworking (N.E.: trabalho em
casa) (idéia de que a presença física nas empresas
deixa de ser necessária) até a incorporação
do uso da Internet como ferramenta indispensável no trabalho diário,
muitas coisas servem como exemplos de como os últimos cinco anos
modificaram a vida corporativa.
A expansão do uso e acesso
à Internet no local de trabalho trouxe também algumas preocupações
para as empresas. Nos Estados Unidos, por exemplo, empregadores passaram
a considerar seriamente casos em que a Internet acabava sendo um veículo
para assédio sexual no trabalho, para vazamento de informações
confidenciais ou de propriedade da empresa, ou ainda um fator de perda
de produtividade, em razão de sua utilização para
atividades não-vinculadas diretamente aos objetivos profissionais
da empresa.
Monitoramento - A reação
a essas preocupações foi imediata. Foram implementadas diversas
iniciativas de vigilância e monitoramento das atividades on-line
no ambiente de trabalho. Um estudo recente, publicado em abril do ano passado
pela American
Management Association, apurou que o índice de empresas que
exercem algum tipo de monitoramento sobre seus funcionários saltou
de 45% em 1998 para 74% em 1999. Só o monitoramento de e-mails,
por exemplo, subiu de 27% para 38% no mesmo período.
Para se ter uma idéia, a International
Data Corporation (IDC) estimou que US$
62 milhões são gastos anualmente somente na compra de softwares
de monitoramento. A previsão é de que US$ 561 milhões
sejam gastos até 2005. Isso tem feito com que empresas de alta tecnologia,
como a Raytheon, responsável pela implantação do projeto
Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia) no Brasil, desenvolvam
produtos de olho nesse mercado.
O mais recente é o SilentRunner,
um software projetado para as empresas monitorarem absolutamente
tudo que passa por suas redes, de e-mails a mensagens instantâneas
(do tipo ICQ), em qualquer língua e sem que o usuário tenha
qualquer conhecimento de que está sendo vigiado.
Limites - A questão
passa a ser, então, quais seriam os limites da vigilância
no trabalho. Não estariam as empresas indo longe demais em seu afã
de controlar o uso deturpado da Internet no ambiente de trabalho?
O Direito Brasileiro é incerto
sobre a matéria. A Constituição Federal garante a
inviolabilidade de correspondência e o sigilo de dados. Entretanto,
a interpretação dessas disposições para o caso
concreto não é uma tarefa tão simples, tendo gerado
controvérsias em inúmeras questões.
Uma boa solução parece
ser aquela que se discute atualmente nos Estados Unidos. A idéia
é bastante simples e racional: em princípio, qualquer pessoa
espera que suas comunicações pessoais, como, por exemplo,
e-mails,
sejam privativas. Essa privacidade seria inerente, ainda que o e-mail
utilizado fosse aquele fornecido pela empresa, mas com a indicação
clara de que o mesmo pertence a um único usuário.
Assim, de maneira geral, a privacidade
seria regra também nas empresas. Entretanto, dadas as crescentes
preocupações expostas acima, o empregador poderia notificar
expressamente o funcionário de que suas correspondências ou
atividades on-line estariam sendo monitoradas. Essa notificação
seria um requisito obrigatório para justificar a utilização
de correspondências, mensagens pessoais ou dados sobre o acesso a
sites que não se relacionam com as atividades profissionais como
forma de repreensão ao funcionário.
Outra forma de controle, chamada
de controle afirmativo, que também vem sendo utilizada nos Estados
Unidos, é a divulgação prévia de todos os websites
cujo acesso é permitido, bem como os softwares cujo uso é
permitido, no âmbito de uma determinada empresa. Em conseqüência,
todos os demais sites e softwares não permitidos ficariam
automaticamente proibidos, e a empresa poderia repreender o funcionário
que violasse a regra de trabalho.
Lei NEMA - Está sendo
discutida, inclusive, a aprovação de uma lei específica
nos Estados Unidos tratando desse assunto. A mesma está sendo chamada
de NEMA (Notice of Electronic Monitoring Act), e apesar da resistência
inicial, tudo indica que a mesma voltará a ser discutida ainda nesse
ano (o texto encontra-se disponível clicando aqui).
Assim, mostra-se claro o conflito
entre interesses distintos: a proteção à privacidade
dentro da empresa e o interesse dos empregadores evitarem que o acesso
à Internet seja utilizado de forma contrária aos interesses
da organização corporativa. Enquanto uma solução
jurídica clara não chega ao Brasil, a adoção
de regras de bom-senso, como aquelas apontadas acima, garante, pelo menos,
que os princípios constitucionais não sejam imediatamente
violados.
(*) Ronaldo
Lemos atua na Suchodolski Advogados Associados. |