Fibrose cística tem seqüenciamento
genético
No dia 12/2, mapeamento para
os brasileiros será apresentado em Curitiba
Em divulgação
simultânea com o National Human Genome Research Institute (NHGRI),
será anunciado no dia 12/2/2001 em Curitiba (PR) o seqüenciamento
genético completo relacionado com a fibrose cística. O anúncio
no Brasil será feito durante videoconferência, das 17h30 às
20h30, no Auditório Guglielmo Marconi, do Setor de Engenharia Elétrica
da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR),
na presença de 100 convidados especiais do médico geneticista
Salmo Raskin, que explicará a relevância dessa conquista.
Ele é o único cientista credenciado nessa videoconferência
fora
do território estadunidense, até agora.
Esse mapeamento genético é
fruto de pesquisa de centenas de pesquisadores de mais de 18 países,
que fazem partte do Human Genome Organization (Hugo). No projeto Genoma
Humano, um dos trabalhos mais importantes é identificar se determinada
doença genética é comum ou não em cada população,
e que tipo de erros genéticos causam certa doença em cada
população. Por causa das diferentes imigrações
dos colonizadores de cada país, os erros genéticos que são
freqüentes, por exemplo, em norte-americanos, podem ser muito diferentes
dos encontrados nos brasileiros.
Um
cientista paranaense, o médico geneticista Salmo Raskin, faz parte
do Projeto Genoma Humano desde o seu início em 1990, e sua contribuição
foi decifrar os erros genéticos que causam a fibrose cística
em brasileiros, uma doença que até então acreditava-se
ser freqüente apenas entre europeus e norte-americanos.
Raskin já pesquisou o genoma
de mais de mil crianças brasileiras com fibrose cística,
nascidas no Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, São
Paulo e Minas Gerais, e já identificou cerca de 90% dos erros que
causam essa doença nos brasileiros.
Método - Para facilitar
o envio de amostras de pacientes com suspeita de fibrose cística
dos mais diversos cantos do País, Raskin desenvolveu uma metodologia
nova, que permite que o exame do genoma seja feito com uma gota de sangue
do paciente. Funciona assim: pinga-se a gota num papel filtro e espera-se
que seque, e então encaminha-se a amostra que traz o DNA intacto
pelo Correio, como uma carta normal, que passa a servir de análise
pelo geneticista Raskin.
Esse método, que facilita
e barateia o exame, foi publicado na revista científica internacional
PCR
Methods and Applications em novembro de 1992, bem no início
do Projeto Genoma Humano. Desde então, Raskin já publicou
dez trabalhos sobre o genoma dos pacientes com fibrose cística no
Brasil em revistas científicas internacionais.
"Encontrei diferenças muito
grandes entre os defeitos nas crianças brasileiras e nas norte-americanas.
Os erros genéticos encontrados nos brasileiros são mais parecidos
com os encontrados nas crianças da Itália, Espanha e Portugal.
Em alguns casos, erros que só existem em certas regiões da
Itália foram detectados em crianças paranaenses e de Santa
Catarina", afirma Raskin.
Conclusões - Os resultados
das pesquisas de Raskin permitem concluir que o mesmo teste genético
que é aplicado para crianças norte-americanas pode não
ser útil para crianças brasileiras. Conjuntos de testes norte-americanos
portanto não poderão ser usados para testes genéticos
no Brasil e em outros países que têm o componente genético
diferente dos norte-americanos. Mais do que isso, existem diferenças
nos erros genéticos mesmo entre nascidos nos diferentes estados
do Brasil.
Outra descoberta de Raskin é
que a fibrose cística era pouco diagnosticada no Brasil, tendo sido
encontrada inclusive em afro-brasileiros, onde a doença é
considerada raríssima. Apesar da doença ser muito rara em
africanos e seus descendentes, Raskin detectou 40 casos da doença
inclusive entre afro-brasileiros, por causa da mistura das raças
no Brasil. Nesse caso, foram os imigrantes europeus que trouxeram o gene
da fibrose cística para dentro da população afro-brasileira.
É portanto, no Brasil, uma doença que atinge todos os grupos
étnicos de todos os Estados.
Incidência - Raskin
também analisou 2.500 recém-nascidos de cinco estados brasileiros,
para saber se a doença é realmente rara aqui no Brasil ou
se é pouco diagnosticada. Os resultados foram surpreendentes e mostraram
que a incidência da doença no Sul do Brasil é de um
caso em cada 7.358 nascidos, e portanto não é rara como se
pensava. Esse resultado confirma que cerca de 70% dos casos no Brasil não
são diagnosticados. Em alguns lugares do País, como no Rio
Grande do Sul, a incidência chega a um em 1587, ou seja, é
até mais freqüente do que na Europa e nos EUA. No Rio Grande
do Sul, uma em cada 20 pessoas é portadora do gene da fibrose cística.
Em média, um em cada 43 brasileiros
do Sul e Sudeste do Brasil tem propensão hereditária a ter
filhos com fibrose cística. Em cada 1.849 casais, um tem chance
de 25% de ter um filho com essa grave doença.
Estado
|
Incidência
da Fibrose Cística
|
Pessoas
Portadoras do Gene da Fibrose Cística
|
RS
|
1 em
1.587
|
1 em
20
|
SC
|
1 em
12.048
|
1 em
56
|
PR
|
1 em
6.803
|
1 em
42
|
SP
|
1 em
32.258
|
1 em
90
|
MG
|
1 em
20.408
|
1 em
72
|
Total
|
1 em
7.358
|
1 em
43
|
Fonte: Laboratório
Genetika
|
Prevenção -
O teste de DNA desenvolvido por Raskin para a população brasileira
pode detectar se essas pessoas têm a propensão hereditária
da fibrose cística, permitindo que elas possam planejar suas vidas
para evitar ter filhos com essa doença.
O teste pode ser feito também
durante a gestação, ou junto com o Teste do Pezinho, no primeiro
dia de vida do bebê, para fazer o diagnóstico o mais cedo
possível e iniciar o tratamento. Essa medida de precaução
pode fazer a diferença entre viver em média 10 anos, que
é o que acontece com as crianças brasileiras, ou 40 anos,
no caso de uma criança portadora norte-americana.
A doença - A
fibrose cística, também conhecida como mucoviscidose ou "doença
do suor salgado", é uma das doenças genéticas mais
freqüentes entre europeus e norte-americanos. Na Europa e nos EUA,
uma criança em cada 2.500 nasce com essa doença, e uma pessoa
em cada 25 nasce com a predisposição genética a ter
filhos com essa doença.
As crianças que nascem com
esse defeito genético têm muita tosse, várias pneumonias,
e não crescem direito por problemas de digestão causados
pela falta de enzimas do pâncreas. Elas têm de tomar remédios
para digestão em todas as refeições, a vida toda,
e têm de fazer fisioterapia para os pulmões várias
vezes ao dia. Mesmo com todos esses cuidados, nos EUA, a metade dos pacientes
morre antes dos 40 anos de idade.
A descoberta dos erros genéticos
em nossa população pode um dia levar à cura da fibrose
cística, e tornar a vida dessas crianças menos salgada. No
Brasil, a fibrose cística é uma doença pouco conhecida,
mesmo entre os médicos, pois pneumonia e desnutrição
são dois dos principais problemas entre a população
infantil brasileira, e assim muitos casos de fibrose passam sem identificação,
confundidos com aquelas doenças. Existem cerca de 2 mil crianças
vivas com fibrose cística diagnosticada no Brasil.
Raskin - Cientista e médico
geneticista, além de pediatra, Salmo Raskin é diretor do
Laboratório
Genetika. É doutorando em genética pela Universidade
Federal do Paraná e professor de Genética do curso de Medicina
da PUC-PR. É também membro titular da
Sociedade Brasileira de Genética Clínica e um dos pioneiros
na aplicação de testes de DNA à Pediatria e à
Neurologia.
Além da pesquisa sobre a fibrose
cística, Raskin vem trabalhando no mapeamento de um gene que, quando
defeituoso, provoca a falta de três hormônios importantes para
o corpo humano: a prolactine (que auxilia no crscimento e funcionamento
das glândulas mamárias), um hormônio que atua no crescimento
e um que estimula a tireóide. O defeito nesse gene pode levar a
problemas como a baixa estatura, até a deficiência mental.
Seu primeiro trabalho foi publicado em 1996, depois de um ano para fazer
o mapeamento de apenas um gene (hoje, essa pesquisa já é
bem mais acelerada). Ao fazer esse trabalho, o médico localizou
uma família com essa deficiência genética, e também
uma mutação desse gene, que levou ao estudo sobre a fibrose.
Nessa segunda fase do estudo, Raskin
aproveitou o mapeamento genético feito por uma equipe canadense
(que havia descoberto o gene situado no cromossomo sete), dando continuidade
a esse estudo no Brasil. Ele observou que, por ser a fibrose causada por
um gene recessivo, muitas pessoas podem ser portadoras da doença
sem que ela nunca se manifeste. Embora uma em cada dez mil crianças
brasileiras tenha a doença, o número de portadores é
bem maior, cerca de um para cada 50 crianças.
O Laboratório Genetika, de
Curitiba, é pioneiro no Brasil na realização de testes
para doenças genéticas por DNA, com testes para cerca de
400 doenças genéticas, e possui uma rede de mais de 1.500
laboratórios credenciados em todo o Brasil. |