Crise de identidade
Mário Persona (*)
Colaborador
A notícia
publicada na página de esportes deu um susto. Não nos torcedores
do Corinthians, mas nos profissionais de Internet. A dispensa de um treinador
mostrou como muitos enxergam a Internet. "Não somos uma empresa
da Internet", declarou o vice-presidente do clube. "Somos um clube e necessitamos
de resultados positivos".
A Internet ganhou uma imagem de criança
rica. Que nem imagina de onde sai o dinheiro que tem para gastar. Isso
ocorreu graças à quebradeira das "pontocom", seguida por
demissões nas que restaram. E como desgraça pouca é
bobagem, a retranca da notícia de recessão da economia norte-americana
vem bater no sul-americano Brasil, fechando indústrias e demitindo
mais gente.
Emergente - Mas os investidores
estrangeiros já consideram o Brasil um dos favoritos dentre os mercados
emergentes. Enquanto a Internet passa por uma correção em
sua identidade, retornando ao que sempre deveria ter sido. Para atender
um mercado que vê na Internet um meio, não um fim. Uma ferramenta,
não um videogame.
Para que você comprou seu primeiro
micro? Seja sincero. A desculpa que deu à esposa, "para ajudar na
educação das crianças", não serve. Confesse.
Você comprou por causa dos games. Foram madrugadas inteiras tentando
salvar a mocinha, vencer a corrida, destruir as naves inimigas. Enquanto
seu filho dormia. E sua viúva também.
A moda passou e você parou
de usar um micro para jogar. Veio a Web, e a criança em você
acordou. Outra vez a desculpa foi "para ajudar na educação
das crianças". Mas enquanto seu filho e sua viúva dormiam,
você navegou. A moda passou, e agora você tem o micro, a Internet
e uma crise ensaiando no horizonte. Quando todo mundo precisará
economizar. O que cria mercado para soluções de otimização
de processos, de empresas, do próprio trabalho.
Mais com menos - As empresas
vão precisar fazer mais com menos. Menos recursos, menos gastos
com comunicação, menos gente. Discursos sociais do tipo "as
máquinas vão causar desemprego" podem parecer bonitos, mas
a realidade é nua e crua. Sobrevive quem reduz custos e aumenta
a produtividade. Para quem não aceita mudanças, eficiência
continua sendo palavrão.
Se você é marketeiro,
seu mercado crescerá, dentro e fora da rede. Não para a propaganda
dos desgastados banners, mas para o uso da ferramenta em ações
estratégicas para valorizar a marca. Mais produtivas que simplesmente
"bannear" páginas Web. A Internet ajuda a construir a marca que
sustenta a imagem da empresa. Que é o que permanece e ajuda a manter
mercado em tempos de crise.
Na escassez, as empresas enxugam
seus quadros. Quem fica, procura se reciclar estudando. E quem sai também.
O que cria demanda para o ensino à distância voltado para
o aperfeiçoamento profissional. Mas leia-se aqui educação
que acrescenta recheio ao profissional. Em uma economia de guerra, o que
se busca é competência. Não basta ter um MBA. É
preciso ser um.
Teletrabalho - As relações
de trabalho também mudam. O teletrabalho ajudará empresas
de cinto apertado a trabalhar sem a gordura de empregados pendurados. Um
trabalhador virtual economiza gasolina, tempo e encargos sociais. Oportunidade
para quem sabe se locomover na rede, na busca e execução
de serviços.
Empresas virtualizadas são
mais econômicas, precisam de menos espaço, compram e vendem
com maior eficiência, atingem mercados onde fisicamente não
estão. Sabem gerenciar suas cadeias de suprimentos. Transformar
estoques tangíveis em informações intangíveis.
Reduzir o time-to-market (N.E.: tempo até lançar o
produto no mercado), agilizar a entrega, economizar, otimizar e lucrar.
Alguém precisa continuar construindo a plataforma onde isso acontece.
É este o mercado para profissionais de Internet.
Mas é inegável que
a onda das bolhas pontocom tenha danificado a imagem da Internet.
Um dano difícil de ser reparado. Como o banheiro de um rico empresário,
cliente de um arquiteto que conheci. Azulejos antigos e raros, pintados
à mão, foram importados de Portugal especialmente para o
banheiro da mansão. Apesar do empresário brigar com o azulejista,
este terminou seu trabalho. Mas cuidou para que não sobrasse um
azulejo sequer para reposição.
Meses depois, quando o empresário
ocupou pela primeira vez o trono de seu majestoso banheiro, lembrou-se
imediatamente do azulejista. De propósito, bem na parede diante
da privada, estava assentado um único azulejo de cabeça para
baixo. Enquanto isso, em algum lugar da cidade, o azulejista celebrava
sua vingança.
(*) Mário
Persona é diretor de comunicação da Widesoft,
que desenvolve sistemas para facilitar a gestão da cadeia de suprimentos
via Internet, editor da Widebiz
Week e moderador da lista de debates
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