Laços de negócios
Mário Persona (*)
Colaborador
Demanda
nasceu saudável, na Santa Casa da Liberdade Econômica. Era
pequena, pois eram dias de poucas expectativas, mas logo ganhou peso. Sua
quietude inicial levou o pediatra a pensar que Demanda estava reprimida.
De seu berço, ouviu os comentários do médico e ensaiou
sua primeira frase: "Reprimida é a mãe!".
E realmente, constatou-se que a mãe,
dona Livre Iniciativa, trazia seqüelas de seu primeiro casamento.
Uma paixão inconseqüente da juventude, seu ex-marido, Protecionismo,
era muito religioso. Um radical, da seita intervencionista. Apesar de militar
bidestro, preferia ser reservista de mercado, a combater na guerra dos
preços. Era formado em Demagogia na capital da Tchecoslováquia.
Daí o carinhoso apelido que ganhou de Livre Iniciativa: "Praga".
Mas Livre Iniciativa conseguiu se
redimir dos erros dos passado. Casou-se com Mercado e desta união
nasceu a pequena Demanda. Estimulada pela saudável vizinha, dona
Concorrência, Demanda começou a crescer. Mais ainda após
o médico receitar uma dieta rica em alimentos transmundiais, livres
de antiglobalizantes.
Demanda exigia demais da velha Produção,
a cozinheira. Para atendê-la, decidiu modernizar a cozinha. As exigências
da Demanda chegavam à Produção por um link de Internet.
Outro levava os pedidos ao leiteiro, padeiro e verdureiro, seus fornecedores
de confiança. Além das copeiras ERP e SCM, Produção
contratou SRM, apelido do jovem Supplier Relationship Management. Ao contrário
de seu antigo patrão, ela não se preocupava com anglicanismos.
O que importava era a saúde da família.
O eficiente SRM ajudou a Produção
a estreitar seus laços de negócios. Ao invés de qualidade
duvidosa, ou entrega desastrosa, riscos que corria ao comprar de fornecedores
eventuais, Produção preferia confiar nos vínculos
seguros desenvolvidos pelo SRM. Este não apenas ajudava a gerenciar
a capacidade de seus fornecedores, mas até a dos fornecedores destes.
Na gerência - Com as
informações de Demanda e as capacidades de fornecimento chegando
o tempo todo, e sendo integradas às próprias capacidades
e restrições da Produção, era possível
planejar. Desde a receita da papinha, até as quantidades a serem
produzidas. A velha Produção já não precisava
confiar na sorte. Ela gerenciava sua própria sorte.
Produção começou
a enxergar as coisas com outros olhos. Estimular na Demanda um apetite
de mil bocas poderia ser fatal para o fogão, que só tinha
quatro. Trocá-lo, exigiria investimentos que comprometeriam o orçamento
familiar. Algo parecido ela sentiu na própria pele, quando recebeu
um aumento de salário e passou a ganhar menos. Caíra em outra
faixa do imposto de renda, e foi obrigada a deixar um bife a mais para
o Leão.
Ela descobriu também que não
adiantava criar na Demanda o desejo por sopa de mandioca, quando o fornecedor
só tinha batata. Qual nutricionista experiente, Produção
passou a administrar todas as variáveis. E a colocar seu foco cada
vez mais no desenvolvimento de novas receitas e na gestão dos processos
e do relacionamento com seus fornecedores. Até a cozinha foi terceirizada.
Rejuvenescida pelo sucesso, Produção
casou-se com o rico e charmoso Investidor, que viu nela a companhia ideal
para realizar seus sonhos. Ela havia criado, com os fornecedores, uma rede
colaborativa tão eficiente, que chegou a demolir a despensa. Já
não precisava mais manter estoques. E podia desfilar na sociedade
com o novo nome dado pelo marido: Lucratividade.
A ex-cozinheira agora tinha tempo
para assistir a alegre Demanda crescer. Ou discutir com Livre Iniciativa
e Mercado a expansão da família. É certo que a mão
que balançava o berço era a do Mercado. Poderosa, mas invisível
de tão sutil. Mas Lucratividade não se preocupava nem um
pouco com isso. Com as informações que tinha de Mercado,
jamais teria surpresas desagradáveis.
A nova vida fez Lucratividade mudar.
Enquanto a Demanda crescia, Lucratividade engordava. Regime, só
o que havia feito nos processos da casa. Quanto a si mesma, nem pensar.
Investidor não gostava das magras. Se havia algo que o deixava feliz,
era poder abraçar uma Lucratividade cada vez maior.
(*) Mário
Persona é diretor de comunicação da Widesoft,
que desenvolve sistemas para facilitar a gestão da cadeia de suprimentos
via Internet, editor da Widebiz
Week e moderador da lista de debates
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