Clique aqui para voltar à página inicial  http://www.novomilenio.inf.br/ano01/0101d005.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 01/23/01 22:02:32
Spam - a pá de cal do marketing

Mário Persona (*)
Colaborador

Recebi um spam. "Propaganda não solicitada enviada por e-mail", pela definição mais simplista. Ele invadiu minha privacidade. Entulhou minha caixa de e-mails. Ofereceu algo que não me interessa, que nunca quis e jamais precisei. Nem vou comprar.
Não me interprete mal. Não pertenço a nenhuma seita Internetista, lutando pela pureza acadêmica da Web. Também já fiz meu spamzinho no passado. Há alguns anos, quando descobri a Internet. Quando o e-mail prometia muito mais do que mera publicidade. Na abertura da novela da Globo, até as bailarinas chegavam pelo e-mail. E ninguém reclamava.

Naquela época, eu enviava mensagens a endereços que encontrava na rede. Mas logo percebi que aquilo cheirava a marginalidade. E fui procurar formas mais inteligentes de marketing, o que toda empresa séria deveria fazer. Antes que sua marca vá para a lixeira, onde guardo as mensagens de spam que recebo.

Concordo que há muito chilique em torno da privacidade na Web. Gente que se arrepia só de ver seu sacro endereço de e-mail violado. Mas spam é algo tão antigo quanto a venda de cadastro. Se não fosse, como a propaganda impressa chegaria até mim? Empresas de marketing direto despejam a papelada pelo Correio, tentando parecer que me conhecem pessoalmente. Ontem recebi um envelope endereçado ao "Amario Persona".

Prostituição cadastral - Se na Internet é politicamente correto publicar declarações de respeito à privacidade, fora dela a prostituição cadastral corre solta. E dá-lhe propaganda não solicitada. Aliás, a expressão "não solicitada" é muito vaga. De todos os telefonemas de empresas que recebo, não me lembro de ter solicitado algum. E quando solicito, nem ligam.

Se você assina uma revista, tem cartão de crédito ou compra por crediário, seu endereço está na sarjeta. Disponível em qualquer ponto de tráfico de cadastros. Jornais e revistas impressos não sobrevivem apenas com a venda de assinaturas, exemplares de banca e espaço publicitário. A inserção de panfletos e a venda de cadastro ajudam a engordar a receita. Como costumam dizer, o papel aceita tudo.

Na Web, a mídia impressa não se deu tão bem. Ninguém comprou o papel virtual, a propaganda não pegou e os puristas fizeram piquete contra a venda dos endereços de e-mail. Resta vender o pedaço físico do cadastro, o endereço postal. Sem que as sociedades de proteção ao meio-ambiente virtual percebam. Será que há jornais e revistas fazendo isso? "Yo no creo en brujas, pero que las hay, las hay".

Mas o que isso tudo tem a ver com sua empresa? Explico. Quando as coisas vão mal, investe-se em marketing. Quem já não viu grandes campanhas que nada mais eram do que a visita da saúde? Quando as empresas começam a afundar, agarram-se a qualquer coisa. E o spam é a bóia mais grátis que existe. Furada, mas barata. Um último recurso. A idéia por trás disso é que, se o barco tiver que afundar, que não seja por falta de apito.

Alegria dos vigaristas - É fácil arranjar um CD com milhões de endereços de e-mail. Propaganda a custo zero e criatividade menor que isso. Por ser tão fácil, o spam é a alegria dos vigaristas. Dos negócios do tipo "fique rico já". Quem promete riqueza fácil não irá querer usar um meio difícil. Spam virou ferramenta de marketing da marginalidade. E pode ser a pá de cal para sepultar de vez a reputação de sua empresa. Não importa qual seja a sua mensagem. A impressão que deixará é que você vende bilhete premiado.

Há maneiras melhores de se anunciar na Internet. Fazer com que as pessoas solicitem sua propaganda é uma delas. Propaganda solicitada existe há muito tempo. Só não tinha o nome bonito de "permission marketing". Quando criança, eu não deixava um gibi intacto. Recortava e enviava todos os cupons que encontrava. Cursos de desenho artístico, montagem de rádio ou cultura física. Até propaganda de cursos de corte e costura eu colecionava. Só que estes cupons eu preenchia com o nome de minha irmã. Para preservar minha privacidade.

(*) Mário Persona é diretor de comunicação da Widesoft, que desenvolve sistemas para facilitar a gestão da cadeia de suprimentos via Internet, editor da Widebiz Week e moderador da lista de debates Widebiz.

O texto original

Novo Milênio foi buscar na lista de debates Widebiz o original do texto acima, com algumas particularidades interessantes... Veja a seguir:

Confesso que fiz coisas assim em 1996, quando utilizei a Internet pela primeira vez. Fazia buscas em sites de listas de discussão, pegava as listas que me interessavam, assinava para ver se eram gerenciadas pelo Majordomo, enviava o comando "Who" para o servidor (a maioria hoje fecha este comando), e recebia de bandeja centenas de endereços. Naquela época não se falava muito em SPAM (eu nem sabia o que era isso).

Mas bastou usar aqueles endereços umas duas vezes para perceber que aquilo era um anti-marketing. Era algo que incomodava a maioria. Por isso abandonei tal prática e não aconselho utilizá-la. Na Internet, SPAM, por mais que um ou outro acabe se beneficiando dele, virou sinônimo de marginalidade ou prática excusa.

Mas como toda moeda tem duas faces, existe o lado "clean" do SPAM, que movimenta uma idústria enorme. O SPAM impresso. Todos já ouvimos falar de marketing direto. E da papelada que entulha nossas caixas postais ou vem dentro dos jornais e revistas que recebemos. Tudo propaganda não solicitada e algumas delas (como a que vem dentro do jornal que assinamos) utilizam um veículo que foi pago com nosso dinheiro.

Hoje acontece todo um "frisson" em torno da privacidade na Web. Ficamos arrepiados com a possibilidade de alguém usar nosso endereço de e-mail para enviar propaganda. Mas como a propaganda impressa que recebemos chegou até nós? Será que as empresas de marketing direto consultaram uma bola de cristal para descobrir meu nome e endereço? Se foi assim, a empresa que me enviou um envelope ontem devia estar com sua bola de cristal mal polida. Veio endereçada ao "Amario Persona".

As empresas compram e vendem cadastros há anos. Não é segredo para ninguém. Hoje é politicamente correto um site colocar uma declaração de que respeita a privacidade, que seu endereço não será vendido, trocado, emprestado, que você nunca receberá mensagens não solicitadas etc. Aliás, a expressão "não solicitada" é hilária. De todos os telefonemas que você já recebeu até hoje, quantos solicitou?

A verdade é que os sites politicamente corretos podem não vender seu e-mail. Mas há muitos que estão vendendo seu endereço postal, porque este você não tem como controlar. Ele vai para a massa de endereços que já é comercializada há anos. Se você assinou algum jornal ou revista, adquiriu um cartão de crédito ou fez um crediário, seu endereço está passando de mão em mão.

A venda de cadastro é corriqueira e é hoje uma das três importantes fontes de receita da mídia impressa. Um jornal ou revista impressa sobrevive graças à venda de espaço publicitário, do produto em si (nas bancas ou por assinatura) e da venda do cadastro, seja diretamente para outras empresas ou por inserção de panfletos. Sacuda o jornal de domingo e irá entender de que estou falando.

Os jornais e revistas foram para a Web. Não conseguiram, até agora, uma forma rentável de vender seu produto, a informação. Foram surpreendidos pelo baixo rendimento da venda de espaço publicitário, por banners ou inserções, que continuam em queda livre. O que resta é a venda de seus cadastros, o que já é prática corriqueira no mundo impresso. Portanto não perguntes por quem os panfletos dobram. Eles dobram por ti.

Um amigo é dono de uma agência de marketing e, segundo ele, a crise é sua aliada. Quando as coisas vão mal, o marketing vai bem, pois todo mundo quer vender para pagar as contas. Por isso, quando as empresas de Internet começam a sentir que não dá pé, agarram-se a qualquer coisa. E o SPAM é a bóia mais próxima e barata que têm. Prepare-se para um dilúvio de mensagens não solicitadas invadindo sua ilusória privacidade. A filosofia desses comandantes é que se o naviou tiver que afundar, não foi por falta de apitar.

Hoje qualquer um pode comprar um CD com milhões de endereços de e-mail e fazer sua propaganda a custo quase zero. Tais CDs são criados por programas que rastreiam toda a Internet, catando qualquer coisa que tenha um arroba (@) no meio por onde passam. E seu e-mail pode estar em alguma página escondida por aí, ou até mesmo nas mensagens que envia a uma lista de discussão, fórum, ou no livro de visitas de algum site, já que tudo isso fica disponível na Web.

Por ser tão fácil e barato, o SPAM é a alegria dos vigaristas. Os que prometem riquezas fáceis jamais iriam utilizar um meio difícil de alcançar os incautos. Se conseguem enganar um que seja, valeu. Correntes milionárias e golpes como o do cavalo ganhador estão surgindo em novas versões. Por isso aconselho que empresas sérias não façam SPAM. Está se tornando sinônimo de vigarice, um instrumento de abordagem preferido pela marginalidade. Quando uma empresa séria faz SPAM, não importa qual a mensagem envia, muitos destinatários já a estão lendo assim: "Quer comprar um bilhete premiado?"

P.S. Para quem não conhece, o golpe do cavalo é uma carta enviada a, digamos, mil pessoas divididas em dez lotes de cem e para cada lote sugerindo que jogue em um determinado cavalo. É claro que, em um páreo de 10 cavalos, cem apostadores acabam ganhando. Então estes cem recebem cartas, em lotes de dez, cada lote com a sugestão de um cavalo. Dez apostam e ganham. Os dez recebem sugestões diferentes para o próximo páreo. Um ganha. É quando esse um, satisfeitíssimo, é abordado pessoalmente pelo desconhecido benfeitor que sabe sempre que cavalo vai ganhar. E recebe uma proposta de sociedade para a próxima corrida.

M a r i o   P e r s o n a