Uma ponte longe demais
Mário Persona (*)
Colaborador
Em outubro
de 2000, Carly Fiorina, CEO (N.E.: diretora executiva) da HP, disse em
Detroit que, no futuro, os automóveis seriam plataformas de serviços
Web sobre rodas. Ela jamais iria imaginar que os executivos da GM levariam
aquilo ao pé da letra. Pelo menos é o que dá a entender
a notícia publicada pelo CNET News.com: "O Novo Veículo da
GM para o Futuro: o ASP".
Estaria a GM se transformando em um
Application Service Provider? Ralph Szygenda, CIO (N.E.: diretor de informação)
da GM, responde: "Existe uma verdadeira oportunidade de negócio
aqui. Trata-se de uma tremenda oportunidade de redesenhar a GM e colocar
a empresa em uma área de maior crescimento e lucratividade."
Mas isto não significa que
você irá fazer o download de seu próximo carro. A idéia
é transformar em produtos os aplicativos de Internet desenvolvidos
internamente pela empresa. E tentar garantir um ganho extra, já
que o pé-no-freio da economia americana indica um menor consumo
de automóveis.
Mercado - Segundo o Gartner
Group, trata-se de um mercado com expectativas de chegar a 25,3 bilhões
de dólares em 2004. Mas não haveria gente demais querendo
morder esse bolo? Sim, mas há duas barreiras. A tecnológica
e a inercial. Criar aplicativos ASP exige know-how e infra-estrutura. As
soluções funcionam remotamente e são acessadas via
Internet pelo usuário, que paga uma taxa de utilização.
Algo como pagar a conta de luz para não precisar comprar a hidrelétrica.
Outra barreira é representada
pela inércia das empresas tradicionais de TI, que poderiam ter dominado
essa praia e não o fizeram. A razão é simples. Durante
anos elas investiram em uma infra-estrutura monumental pré-Internet,
para fornecer soluções baseadas em redes privativas. Transformar
isso em sucata seria de cortar o coração. E o pescoço
dos executivos que aprovaram os investimentos. Seria matar a galinha dos
ovos de ouro.
Algo parecido ocorreu com o micro
pessoal. Como uma Apple, nascida numa garagem, conquistou a praia que pertenceria
a gigantes da computação? Aproveitando a indecisão
destes de investir no micro pessoal, uma ameaça para seus mainframes.
Tentaram manter os clientes cativos com promessas do tipo, "Aguardem mais
um pouco, pois estamos preparando algo melhor".
No Brasil - Quando em 1997
foi colocada no ar a solução brasileira de gestão
da cadeia de suprimentos via Web, estávamos entre os poucos que
participavam da inauguração da ponte virtual que hoje liga
empresas reais. Naquela época pouca gente enxergava soluções
de Internet como ferramentas para a indústria. O que predominava
era um deslumbramento com uma Internet formada por bolhas de marketing,
que não demorariam a estourar.
A história se repete. Como
uma pequena empresa brasileira, como a Widesoft, nascida no chão
de fábrica, conseguiu fornecer soluções ASP para algumas
das maiores empresas do mundo? Aproveitando a indecisão, das grandes
empresas de TI, de abandonar a infra-estrutura que haviam criado, para
investir em soluções Internet. Infinitamente mais baratas
que aquelas que mantêm seus bolsos cheios.
Um profissional de marketing contou-me
do sucesso da campanha que desenvolveu para seu principal cliente, para
o lançamento de uma solução ASP para business-to-business.
"Agora", disse ele, "estão procurando alguém para desenvolver
o sistema". Tudo o que existe é a cabeceira de uma ponte inacabada.
Como em "Truman - O Show da Vida".
No filme, Truman é um jovem em uma cidade que é um gigantesco
cenário, com céu, sol e chuva artificiais. Ele é o
único que não sabe que protagoniza um show de TV. Sua esposa,
família, amigos - tudo não passa de uma grande farsa. São
atores pagos para fazer de conta que é real. A rodovia principal
termina em uma estranha ponte inacabada, onde uma placa na cabeceira anuncia:
"Elevado Seahaven - Ligando a Ilha de Seahaven ao resto do mundo - Construída
com o dinheiro de seus impostos".
Sobre ela, Truman costuma conversar
com seu amigo de infância, e falar de seu desejo de conhecer o mundo
além-mar. E naquela ponte, que custou muito dinheiro, mas não
leva a lugar nenhum, seu amigo tenta convencê-lo a ficar. Ou, quem
sabe, a aguardar até que a ponte fique pronta.
(*) Mário
Persona é diretor de comunicação da Widesoft,
que desenvolve sistemas para facilitar a gestão da cadeia de suprimentos
via Internet, editor da Widebiz
Week e moderador da lista de debates
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