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Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 01/10/01 23:46:46
Uma ponte longe demais 

Mário Persona (*)
Colaborador

Em outubro de 2000, Carly Fiorina, CEO (N.E.: diretora executiva) da HP, disse em Detroit que, no futuro, os automóveis seriam plataformas de serviços Web sobre rodas. Ela jamais iria imaginar que os executivos da GM levariam aquilo ao pé da letra. Pelo menos é o que dá a entender a notícia publicada pelo CNET News.com: "O Novo Veículo da GM para o Futuro: o ASP".
Estaria a GM se transformando em um Application Service Provider? Ralph Szygenda, CIO (N.E.: diretor de informação) da GM, responde: "Existe uma verdadeira oportunidade de negócio aqui. Trata-se de uma tremenda oportunidade de redesenhar a GM e colocar a empresa em uma área de maior crescimento e lucratividade."

Mas isto não significa que você irá fazer o download de seu próximo carro. A idéia é transformar em produtos os aplicativos de Internet desenvolvidos internamente pela empresa. E tentar garantir um ganho extra, já que o pé-no-freio da economia americana indica um menor consumo de automóveis.

Mercado - Segundo o Gartner Group, trata-se de um mercado com expectativas de chegar a 25,3 bilhões de dólares em 2004. Mas não haveria gente demais querendo morder esse bolo? Sim, mas há duas barreiras. A tecnológica e a inercial. Criar aplicativos ASP exige know-how e infra-estrutura. As soluções funcionam remotamente e são acessadas via Internet pelo usuário, que paga uma taxa de utilização. Algo como pagar a conta de luz para não precisar comprar a hidrelétrica.

Outra barreira é representada pela inércia das empresas tradicionais de TI, que poderiam ter dominado essa praia e não o fizeram. A razão é simples. Durante anos elas investiram em uma infra-estrutura monumental pré-Internet, para fornecer soluções baseadas em redes privativas. Transformar isso em sucata seria de cortar o coração. E o pescoço dos executivos que aprovaram os investimentos. Seria matar a galinha dos ovos de ouro.

Algo parecido ocorreu com o micro pessoal. Como uma Apple, nascida numa garagem, conquistou a praia que pertenceria a gigantes da computação? Aproveitando a indecisão destes de investir no micro pessoal, uma ameaça para seus mainframes. Tentaram manter os clientes cativos com promessas do tipo, "Aguardem mais um pouco, pois estamos preparando algo melhor".

No Brasil - Quando em 1997 foi colocada no ar a solução brasileira de gestão da cadeia de suprimentos via Web, estávamos entre os poucos que participavam da inauguração da ponte virtual que hoje liga empresas reais. Naquela época pouca gente enxergava soluções de Internet como ferramentas para a indústria. O que predominava era um deslumbramento com uma Internet formada por bolhas de marketing, que não demorariam a estourar.

A história se repete. Como uma pequena empresa brasileira, como a Widesoft, nascida no chão de fábrica, conseguiu fornecer soluções ASP para algumas das maiores empresas do mundo? Aproveitando a indecisão, das grandes empresas de TI, de abandonar a infra-estrutura que haviam criado, para investir em soluções Internet. Infinitamente mais baratas que aquelas que mantêm seus bolsos cheios.

Um profissional de marketing contou-me do sucesso da campanha que desenvolveu para seu principal cliente, para o lançamento de uma solução ASP para business-to-business. "Agora", disse ele, "estão procurando alguém para desenvolver o sistema". Tudo o que existe é a cabeceira de uma ponte inacabada.

Como em "Truman - O Show da Vida". No filme, Truman é um jovem em uma cidade que é um gigantesco cenário, com céu, sol e chuva artificiais. Ele é o único que não sabe que protagoniza um show de TV. Sua esposa, família, amigos - tudo não passa de uma grande farsa. São atores pagos para fazer de conta que é real. A rodovia principal termina em uma estranha ponte inacabada, onde uma placa na cabeceira anuncia: "Elevado Seahaven - Ligando a Ilha de Seahaven ao resto do mundo - Construída com o dinheiro de seus impostos".

Sobre ela, Truman costuma conversar com seu amigo de infância, e falar de seu desejo de conhecer o mundo além-mar. E naquela ponte, que custou muito dinheiro, mas não leva a lugar nenhum, seu amigo tenta convencê-lo a ficar. Ou, quem sabe, a aguardar até que a ponte fique pronta.

(*) Mário Persona é diretor de comunicação da Widesoft, que desenvolve sistemas para facilitar a gestão da cadeia de suprimentos via Internet, editor da Widebiz Week e moderador da lista de debates Widebiz.