Desatando o nó da comunicação
empresarial
Mário Persona (*)
Colaborador
Somos tradutores.
Cada um de nós. Vivemos em um país onde se "dobra a esquina".
Quando dizemos "pois sim!", estamos dizendo "não". E por "pois não",
entenda-se "sim". "Lemos nas entrelinhas". "Jogamos verde para colher maduro".
Orgulhosos, ficamos "num mato sem cachorro", saímos "com o rabo
entre as pernas" e ainda "douramos a pílula". Contrariando a Geografia,
ficamos "a ver navios" em Minas Gerais. E ninguém sabe se responde,
quando a pergunta é "E agora, José?". O que falamos não
é o que dizemos. E o que ouvimos não é o que escutamos.
Traduzimos, vertemos, trasladamos e interpretamos.
Traduzir é hoje uma habilidade
valiosa em qualquer empresa. O famoso SAC, que vemos nas embalagens, deveria
ser mais do que "Serviço de Atendimento ao Consumidor". Deveria
ser a abreviatura de "SACar o que deseja o consumidor". Porque é
preciso conhecer os clientes, colocar-se no lugar deles, prever seus pensamentos.
Para evitar sua repulsa, como aconteceu com os compradores de uma marca
de termômetro retal cujo slogan era "Testados um a um". Ou
a rejeição dos compradores do "Chevy Nova" nos países
de língua espanhola. "No-va", em espanhol, podia ser interpretado
como um carro que não sai do lugar.
É importante identificar as
diferenças nos clientes. Cada ser humano é diferente. Se
os homens fossem todos iguais, as mulheres não escolhiam tanto.
Entender o cliente é essencial. Para não errar como errou
uma empresa americana ao vender seus alimentos para bebês na África.
Como em outros lugares, os vidrinhos foram rotulados com a foto de um bebê
gorducho. Uma barbaridade, em uma época e lugar onde, graças
ao elevado índice de analfabetismo, era praxe estampar na embalagem
apenas a foto do conteúdo.
Questão de paladar
- O problema com a comunicação é que um produto pode
se tornar tão óbvio para o fabricante, que este acaba achando
que o cliente saberá decifrá-lo. Mas o óbvio nem sempre
é garantia de sucesso. Se fosse, alguém já teria lançado
a comida para gatos com sabor de rato. E o lápis número 2
não seria o mais vendido. Todos iriam querer o número um.
Nossa empresa passou por problemas
de comunicação, por debutar cedo demais no baile dos serviços
de Internet. Ninguém sabia de que se tratava. Dizer que éramos
"uma empresa de Internet em Limeira", poderia levar alguém a nos
confundir com o Inter de Limeira, campeão paulista de 86. Nem tínhamos
a popularização do e-business a nosso favor. Para aquilo
que nossos catálogos descreviam como "Terceirização
de Sistemas Via Internet" ainda não existia a sigla ASP, ou "Application
Service Provider". E para o que chamávamos de "Integração
de Empresas, Fornecedores e Clientes para Compra e Venda Entre Empresas"
não tinham inventado a sigla "B2B".
A comunicação na área
de produtos e serviços de Internet pode se transformar em um verdadeiro
"Nó Górdio", cujo oráculo garantia a posse da Ásia
para quem conseguisse desatá-lo. Alexandre, o Grande, desfez o nó
com um único golpe de espada. É o que o tradutor deve fazer.
Chegar de forma rápida e eficiente aos resultados, ainda que use
métodos insólitos. Porque o importante não é
desatar e explicar tudo o que é a empresa ou o produto, mas apenas
aquilo que o cliente espera que seja. Saber demais pode atrapalhar, e transformar
a comunicação em receita com letra de médico. Para
ser lida por quem não é farmacêutico.
Tecno-anta - Antigamente nossos
clientes não conseguiam entender o que fazíamos. As apresentações
que nossos analistas de sistemas faziam para gerentes e diretores de empresas
eram verdadeiras aulas de sânscrito para os menos acostumados. Isso
foi até decidirmos mudar radicalmente nossa comunicação.
Depois de muita discussão, o presidente da empresa definiu o rumo
a tomar com algo mais ou menos assim: "Precisamos de alguém para
dar palestras e escrever textos em linguagem acessível; que não
seja da área de sistemas, nem conheça programação".
Todos captaram a mensagem. A tradução
para o que dizia era: "Precisamos de uma verdadeira anta em tecnologia,
alguém ignorante de pai e mãe em informática, zero
à esquerda em Internet". Após um breve silêncio, todos
na sala olharam para mim. A partir daquele dia me tornei o palestrante
e articulista oficial da empresa.
(*) Mário
Persona é diretor de comunicação da Widesoft,
que desenvolve sistemas para facilitar a gestão da cadeia de suprimentos
via Internet, editor da Widebiz
Week e moderador da lista de debates
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