O fim do livro
Mário Persona (*)
Colaborador
Enquanto
a tecnologia vai se intrometendo em todos os cantos de nossa vida, alguns
já começam a prefaciar que o livro, como o conhecemos, logo
será uma página virada. Terá cumprido seu papel. Sem
poder resistir aos meios eletrônicos de edição, armazenagem
e leitura da informação.
No passado, a publicação
de um livro dava o maior rolo. Para ler era preciso desenrolar a pele de
cabra, toda tatuada de caracteres. Livros que não tinham índice,
pois não passavam da página um. Cuja produção
era caríssima. Um trabalho duro para autores e escribas. Os editores
só enrolavam.
Alguns capítulos depois, os
chineses e japoneses do sexto século inventaram a imprensa. Mas
não a assessoria de imprensa. Se a tivessem inventado, teriam evitado
que a fama pela descoberta ficasse com Gutenberg, quando imprimiu 180 exemplares
da Bíblia nove séculos mais tarde.
Perigo - Antes dele, uma Bíblia
levava dez meses para ser copiada à mão, a quatrocentos mil
dólares o exemplar. Um dinheiro difícil, antes de inventarem
a América. A tecnologia reduziu o custo e popularizou o acesso à
informação, e ajudou a abalar a estrutura de poder. Victor
Hugo, em "Notre Dame de Paris", história contemporânea à
invenção da imprensa, descreve o sacerdote Claude Frollo
apontando para um livro e, em seguida, para as torres da catedral. E sentenciando:
"Isto matará aquilo."
Roma foi a primeira a tentar preservar
a ignorância a qualquer custo. Ao menos fora dos contrafortes de
seus mosteiros. Muito antes de pensar em lutar pelos sem-terra, engajou-se
na luta pelos sem-livro e sem-Bíblia. Para que permanecessem assim.
O livro era um perigo. Transportava
idéias como estopim aceso. Um problema para quem detinha o poder.
Políticos inflamavam multidões. Músicos popularizavam
suas canções. Cientistas multiplicavam descobertas. Comunistas
inventavam o livro descartável. A cada celebridade que caía
em desgraça no partido, os livros escolares eram reimpressos com
nomes a menos para se decorar.
Nova forma - Com o computador
e a Internet, a própria leitura mudou. Uma nova geração
de leitores aprendeu a ler na tela, a uma velocidade maior à dos
mais versados mestres educados no papel. O hipertexto inaugurou a leitura
não-linear, paralela, reversa e imprevisível. O ler ficou
mais parecido com o pensar. Os olhos passaram a fazer a sinapse prévia
da informação usando neurônios alheios. Uma geração
insensível a qualquer tato romântico para com o papel, já
começou a substituir os moribundos amantes de alfarrábios
como eu. Sem sequer saber o que isto significa.
Mas a revolução não
está na troca do papel pelo plástico. Ou da tinta por partículas
polarizadas. A revolução está nas entrelinhas. No
passado o livro não era um produto, mas um meio de se divulgar idéias.
Governos e instituições subsidiavam seu custo para cumprir
seus objetivos. A Bíblia inglesa "King James" leva até hoje
o nome do rei que a patrocinou. E ainda é assim. Governos e instituições
subsidiam o papel, as gráficas, os autores e editoras. Quem quer
ver a informação circular paga mais. Quem quer ler paga menos.
Ou não paga nada.
Este modelo permanecerá, não
importa qual seja a plataforma que transporte as letras. E ganhará
novos mecenas em causa própria, graças ao custo zero de reprodução
que a Internet permitiu. Uma multidão de novos talentos, gerados
pela leitura não-linear e alimentados pelo hipertexto. Revolucionários,
para os quais o que vale é publicar e influenciar. Milhões
de Mao Tse-tung, cada um acreditando que o seu livrinho é o vermelho.
Capítulo final - Mas
o epílogo pode vir para livro convencional, sem direito a errata.
Um produto cada vez menos comprado, e cada vez mais copiado. Por uma geração
acostumada a sorver informação grátis na rede. Como
já acontece com a música, e acontecerá com o cinema,
o cenário não é dos melhores para a indústria
do livro. Que já desistiu de vender enciclopédia na porta
de quem consegue mais informação clicando nas janelas.
Tudo deve mudar muito rápido
e não consigo enxergar muitas páginas de perspectiva para
o negócio do livro como o conhecemos hoje. Não existe um
manuscrito certo do modelo de mercado que deve prevalecer. Dos que já
vi - vendas "à la Stephen King", criptografia dos textos, travas
e cadeados mil - nenhum me convenceu. Por isso, não me pergunte
como o livro irá terminar. Não vou contar. Detesto pessoas
que contam o fim do livro.
(*) Mário
Persona é diretor de comunicação da Widesoft,
que desenvolve sistemas para facilitar a gestão da cadeia de suprimentos
via Internet, editor da Widebiz
Week e moderador da lista de debates
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