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Artigo escrito em 9/2000
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 01/15/02 01:56:18
 
Entrevista com Kevin Kelly, autor de 
"Novas Regras para uma Nova Economia" 

Mário Persona (*)
Colaborador

O livro de Kevin Kelly, hoje traduzido para nove idiomas, é considerado leitura essencial para se entender o que está acontecendo na sociedade da Informação. Veja nesta entrevista como as previsões que Kevin fez em seu livro estão se concretizando e traçando o rumo da empresa em uma nova economia.

Mário Persona: Seu livro "Novas Regras para uma Nova Economia: 10 Estratégias Radicais para um Mundo Conectado" tem sido um guia para muitos que estão à procura de um rumo para suas empresas na nova economia. Considerando que foi escrito há alguns anos (um tempo longo para o relógio de Internet), e que as coisas estão mudando bem rápido, existe alguma correção que você faria hoje?

Kevin Kelly: Por incrível que pareça, não há nada que eu mudaria, mas há muita coisa que eu acrescentaria - em sua maioria, muitos outros exemplos. Mas continuo acreditando naquelas regras. Acho que elas são hoje muito mais notórias e importantes. 

Mário Persona: Sua idéia é de que a tecnologia não deveria ser usada apenas para gerenciar informações, mas deveria ser um meio para incrementar e cultivar relacionamentos. Com certeza ainda não chegamos ao ponto termos chips conectados por satélite implantados em cada pé de alface da horta, mas se existe algum passo inicial para um empreendedor na nova economia, qual você sugere que seja? 

Kevin Kelly: Transformar, a maioria, ou mesmo todas, as suas transações em elétrons; o mais que puder. Ou seja, computadorizar tudo, e entender que não importa qual seja o negócio em que se está, ele tem a ver com software e comunicação. Pode-se conseguir serviços de intranet grátis na Web. Use-os. 

Mário Persona: Seu livro fala do surgimento de uma rede global com pontos de controle descentralizados. A experiência do Napster tem demonstrado que esses "pontos de controle descentralizados" podem muito bem ser os grandes "players" usando o poder que conseguiram com as regras da velha economia. Como você enxerga o cenário para os próximos anos? Será esta batalha do velho contra o novo um evento transitório, ou será que isso irá definir a forma e as novas regras que irão efetivamente guiar a nova economia? 

Kevin Kelly: Creio que as ponto.com são apenas a primeira onda, não o show todo. Atrás das ponto.com existe a verdadeira revolução, que é a de redes peer-to-peer de todos os tipos, como Linux, Napster e Ebay.

Mário Persona: Você acredita que a rede aumenta as conexões, as quais incrementam as oportunidades de crescimento. Em uma visão macro, a própria rede poderia agir como um "cérebro". Mas quando transferimos a idéia para o microcosmo de uma empresa em seu relacionamento com o mercado, descobrimos muitas empresas que criaram uma rede de relacionamentos, mas não conseguem identificar como utilizá-la para lucrar. Isso parece demonstrar que as conexões e redes não podem, por si próprias, fazer muita coisa se não tiverem um cérebro controlando-as. O que você pensa a respeito?

Kevin Kelly: Concordo. A idéia de que tudo o que você precisava fazer era simplesmente criar uma porção de conexões, e conseguiria com isto um cérebro, é chamada de "Conexionismo" em IA (Inteligência Artificial), e não funciona. Você precisa criar a conexão de uma forma inteligente, estruturada - que é como nossos cérebros fazem na vida real. O mesmo vale para a Web. 

Mário Persona: Você acredita que a tecnologia agrega valor à abundância ao invés de fazê-lo à escassez? Se assim for, será que isto seria aplicável a qualquer tipo de produto ou apenas à informação e coisas intangíveis?

Kevin Kelly: A questão é que o ÚNICO valor das coisas tangíveis está agora em sua parte intangível. O custo do ferro em um carro é de cerca de 100 dólares. O que você paga é pelas coisas intangíveis que dão forma àqueles átomos de ferro. Assim, todas as coisas irão seguir as leis dos intangíveis.

Mário Persona: Você parece acreditar que a aceleração do processo de inovação torna necessário abandonar aquilo que atingiu o ápice do sucesso, a fim de fugir da obsolescência. Como alguém saberia o momento certo para fazer isso?

Kevin Kelly: Sempre que seus sucessos indicarem que deixar de lado está fora de cogitação ou será um desastre. A hora é essa. Você acaba escravizado por seus clientes atuais e seus desejos PASSADOS.

Mário Persona: Se a turbulência acaba sendo a norma, você acredita que não exista muito futuro para as grandes empresas incapazes de acompanhar a velocidade das mudanças?

Kevin Kelly: Não, o que acredito é que existe abundância de novos espaços. Mas teremos muitas grandes empresas, de uma diferente forma de ser grande. Grande continua a ser uma necessidade para tornar eficiente tudo aquilo que funciona. O "grande" não está fadado ao desaparecimento.

Mário Persona: Você leu muitas das importantes obras de economistas, cientistas da computação e historiadores sobre a "nova economia". Quais foram os autores que exerceram maior influência em suas idéias?

Kevin Kelly: George Gilder, Peter Drucker, Hal Varian, Esther Dyson, John Barlow, Brad DeLong, Stuart Kauffman.

Mário Persona: Dar muitas coisas grátis tem sido uma experiência má sucedida para muitas empresas Web da primeira geração. Todavia, seu livro parece ensinar isso e não traça limites no modo de fazê-lo. Como um empreendedor iria identificar onde é a linha divisória, onde deve parar de aplicar a idéia do "dar grátis", antes que isto se transforme no suicídio de sua empresa?

Kevin Kelly: Não concordo que dar coisas grátis tenha sido algo mau sucedido. A maioria dessas empresas NÃO TINHA A INTENÇÃO de ganhar dinheiro em seus primeiros anos; e não ganharam. Uma, que talvez seja a mais bem sucedidas empresas de todas as épocas, dá mais coisas grátis que qualquer outra - a Microsoft. Portanto ainda é cedo para julgarmos a estratégia do dar grátis.

Mário Persona: Em uma espécie de "segundo round" das empresas Web, vemos investidores cansados de derramar dinheiro da "velha economia" em empreitadas de Internet não-lucrativas da "nova economia". Ao que parece, as empresas menores que não morrerem por si só, irão se consolidar em empresas maiores até que apenas uma meia dúzia de grandes empresas permaneçam. Será que isto poderá criar uma nova forma de controle para a nova economia de rede, com regras geradas por essas empresas enormes que estão sendo criadas? 

Kevin Kelly: Como já disse, não acredito que o "Grande" esteja fadado ao desaparecimento. A consolidação é algo muito natural em redes, pois o que se deseja são grandes redes, e quanto maior melhor. (Este é o efeito "N ao quadrado", ou a lei de Metacalf). Acho que podemos esperar por uma consolidação cada vez maior dos conceitos existentes; na verdade este é um bom lugar para se apostar. Mas à medida que essa consolidação vai acontecendo, novos impérios do caos estão sendo criados (Napster, por exemplo) onde levará anos até que uma consolidação faça sentido.

Mário Persona: Em seu livro você escreve que "Na nova ordem, a inovação é mais importante que o preço". Poderia explicar isto melhor, agora que o lucro, e não a inovação, parece ser a principal preocupação dos investidores após o mau desempenho da primeira geração de empresas Web?

Kevin Kelly: Você não pode fundamentar suas vendas no preço, ou seja, só por ter produtos baratos. No fim isso é suicídio. Você só pode fundamentar suas vendas em inovações, em ter coisas que as pessoas nem sequer pensavam que iriam precisar. Ater-se ao preço apenas é uma rua sem saída.

Mário Persona: Você acredita que as alianças entre empresas estejam aumentando a inovação?

Kevin Kelly: Sim, pois aprender como fazer alianças é algo tão novo, que exige inovação. Mais tarde pode ser que isto não aumente a inovação, mas agora com certeza está.

Mário Persona: Você cita autores de best-sellers, como também conhecidos economistas e futurólogos, mas não cita tantos exemplos de empresas e casos de negócios como vemos em outros livros. Creio que isto acontece por seu livro estar algumas milhas à frente da implementação dessas idéias. Agora que podemos ver ao menos um embrião daquilo que virá a ser uma economia totalmente interconectada, se tivesse que escrever um adendo ao seu livro, quais seriam as empresas que você acredita que estão tendo sucesso usando suas idéias?

Kevin Kelly: Com certeza hoje eu promoveria alguns "case studies", mas a verdade é que eu poderia ter incluído mais deles quando escrevi o livro, porém deliberadamente escolhi não fazê-lo por duas razões: 1) Acho que isso desatualiza o livro rapidamente, e 2) me força a tratar do padrão que está por detrás disso, o que creio ser melhor que outros o façam. 

Mário Persona: Tem planos para um novo livro? 

Kevin Kelly: Sim, mas ainda não sei qual o assunto. Tudo que tenho são indagações.

Kevin Kelly foi editor executivo da Wired Magazine e é o "Editor-At-Large" para aquela revista. É o autor do livro "Novas Regras para uma Nova Economia" e um dos mais influentes propagadores da idéia de uma sociedade conectada em rede. Clique aqui para obter grátis "Out of Control", o primeiro livro de Kevin Kelly, publicado em 1994.

(*) Mário Persona é consultor, escritor e palestrante. Esta crônica faz parte dos temas apresentados em suas palestras. Edita o boletim eletrônico Crônicas de Negócios e mantém endereço próprio na Web, onde seus textos estão disponíveis.