Fábrica de emoções
Mário Persona (*)
Colaborador
Nailson
Quevedo queria ser industrial. Nem sei se ele existiu, ou quando isso aconteceu
- se é que aconteceu - mas foi numa época em que fazendeiros
eram barões. Indústria quase não existia. O quente
era o café. Mas Nailson não tinha dinheiro para terras. O
que tinha só daria para comprar uma gleba do tamanho de uma sepultura.
Para ser enterrado em pé. Talvez por isso tenha decidido fabricar
sapatos.
A fábrica cresceu, mas Nailson
percebeu que não compensava comprar tudo de terceiros. Couro, solas,
saltos e cadarços. Havia custos envolvidos na busca de fornecedores.
E mais custos para contratar o fornecimento. E mais custos ainda na hora
de coordenar o fornecimento com sua produção, e evitar estoques
ou falta de material.
Para evitar os custos de busca, contratação
e coordenação, decidiu fabricar tudo. Da criação
do cadarço à sola, da tintura ao curtume, tudo era feito
em casa. O lema das "Indústrias Reunidas Nailson Quevedo" era: "Aqui
o boi entra vivo e sai calçado". Era o foco na empresa.
Sem saber, Nailson estava dando cumprimento
às palavras de Ronald Coase em "The Nature of the Firm", escrito
na década de trinta. Coase escreveu que a empresa é criada
para eliminar custos externos de transação. E vai agregando
unidades produtivas internas, até que os custos internos de transação
fiquem maiores que os externos. Então ela começa a se desagregar.
Foco no produto - Foi o que
aconteceu quando o filho, Nailson Quevedo Júnior, assumiu a direção.
Ele percebeu que compensava terceirizar boa parte da produção
para evitar custos internos de transação. Júnior esquartejava
o organismo criado pelo pai, cujo rosto assistia a tudo da moldura oval
pendurada na parede do escritório. Ao lado de fotos do tempo em
que a fábrica empregava um exército de operários capaz
de fazer inveja a Gengis Khan. Mas Júnior nem ligava. Seu foco agora
não estava na sua empresa, mas no seu produto.
Júnior foi sucedido por Nailson
Quevedo Neto. Um nome que achava complicado demais. Preferia ser chamado
de "Naique", o apelido de menino, formado só pelas primeiras letras.
Naique viu que se o desagregamento da empresa continuasse, logo ela caberia
na cozinha. Percebeu e continuou. Até não sobrar nada dos
tempos áureos da fábrica, dos apitos, chaminés e ramal
ferroviário. Sem falar nos milhares de empregados e na ineficiência
generalizada.
Aquilo que seu avô agregou
para eliminar os custos de transação, e seu pai desagregou
para evitar os mesmos custos, só que internos, voltava agora a parecer
uma coisa só. Graças à tecnologia de rede, que eliminava
os custos externos de transação, a comunidade de empresas
virou um imenso carrossel produtivo. Desses que se vê em parques
de diversões, e misturam coisas tão diferentes quanto carrinhos,
cavalos, aviões e elefantes.
Foco na emoção
- Esse relacionamento traçava o perfil da nova empresa. Desagregada
o suficiente para ser virtual. Agregada o suficiente para ser produtiva
e eficiente. Mas principalmente ágil e desmontável, capaz
de se reinventar a cada volta do mercado. Naique via a empresa como um
parque de diversões. Nada de foco na empresa ou no produto. Não
fabricava sapatos. Criava sensações. Emoções,
como na música do Roberto, de quem o pai era fã. Se automóveis
viravam emoções sobre rodas, seu slogam agora era,
"Calce esta emoção!".
Seus parceiros de negócios
se revezavam como numa dança de cadeiras. Ao som do realejo tecnológico,
o papagaio do mercado tirava a sorte do futuro próximo. E o círculo
de parcerias era renovado, para durar tanto quanto algodão doce
na mão de criança. Em um dinamismo de monta e desmonta à
mercê do mercado.
Era o fim do negócio fixo,
estático, estável. A cada desmanche e recriação,
uma nova empresa surgia. Com a aparente organização a que
estamos acostumados. Até o próximo desmanche do parque e
a produção de novas emoções. Não só
para os clientes, mas para o próprio Naique, que agora comandava
sua empresa, um gigante virtual, de um espaço pouco maior que sua
cozinha. E sempre cantarolando, "Se chorei ou se sorri, o importante é
que emoções eu vivi".
(*) Mário
Persona é diretor de comunicação da Widesoft,
que desenvolve sistemas para facilitar a gestão da cadeia de suprimentos
via Internet, editor da Widebiz
Week e moderador da lista de debates
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