A mão invisível
Mário Persona (*)
Colaborador
Em 1776,
Adam Smith entregou, de mão beijada, a explicação
para o equilíbrio aparente de uma economia descentralizada . Segundo
ele, não é pela benevolência do açougueiro,
do cervejeiro ou do padeiro que nos é garantido o jantar, mas pelo
egoísmo deles, ao agirem em benefício próprio. Na
contabilidade final e geral, embora busquem seu próprio bem, cada
um é levado, por uma "mão invisível", a promover um
fim que não fazia parte de seus intentos.
Essa mesma "mão invisível"
é o regulador da economia, que não está sujeita a
rédeas e governos, mas que deve ser deixada livre, para sambar à
vontade em um ambiente de competição. Ao invés de
gerar o caos, a livre concorrência acaba sempre conduzida por essa
"mão invisível" a um resultado favorável à
própria economia. Entender essa "mão invisível", e
tentar prever seu próximo movimento, tem sido a busca do Eldorado
de gerações de economistas.
A "mão invisível" tem
atuado ao longo de séculos de compra, venda e troca, ora dando um
empurrãozinho na competência, ora dando um tapa na incompetência.
Mas sempre garantindo a sobrevivência e saúde do próprio
mercado. Segundo Smith, a coisa funciona bem enquanto os governos não
decidem dar uma mãozinha e inibir o progresso com a distribuição
de privilégios, as famosas medidas restritivas que acabam favorecendo
os monopólios. Então a "mão visível" tenta
roubar a batuta da "mão invisível", não para reger
a orquestra, mas para acenar vantagens para os nobres de camarote.
Lei postal - A explosão
do comércio eletrônico já começa a instigar
planos de controle que poderão atrair as ganas de alguns por privilégios
nessa área. É o que pode acontecer com a nova lei postal,
que parece ir além de apenas criar mecanismos que garantam ao consumidor
o recebimento das encomendas. Além das regras convencionais contra
violação de correspondência e outras ilegalidades,
a nova lei prevê indenizações para clientes que pagam
reais e acabam embrulhados por pacotes virtuais.
A reboque da nova lei, ou quiçá
puxando-a, vem uma tal de Agência Nacional de Serviços Postais,
ou Anapost, para arbitrar sobre multas, indenizações, e outras
coisas. Com a mesma caneta é criada a certificação,
decidida pelo Correio, de empresas de comércio eletrônico.
Que poderá virar uma forma de cartório para reconhecimento
de firmas virtuais. Ou autenticação de pacotes.
Ao que tudo indica, tornar os Correios
uma entidade certificadora é o presentinho para consolar a empresa
pela perda da exclusividade na entrega de boletos e extratos, privilégio
subtraído pela própria lei. Para tapar o buraco da receita
que vinha daí, a certificação das vendas via Internet
poderá ser obrigatória, o que não acontecerá
sem um preço. Agora vem a melhor parte. O Correio abrirá
esse mercado de certificação para terceiros. Sai a "mão
invisível" a regular o mercado, e entra a "mão visível".
No bolso.
Novo cartório - Uma
e-loja deverá ser certificada pela empresa X, que foi certificada
pela Anapost, que foi certificada pelo Correio. Durou pouco a desintermediação
que esperávamos para reduzir custos. Uma certificação
assim nunca é um prêmio pela excelência no serviço,
mas um ônus obrigatório para se operar no mercado virtual.
A certificação, e não a "mão invisível",
ajudará a eleger quem é apto para sobreviver na economia
digital. E a certificação da certificadora poderá
criar um novo modelo de cartório para o e-commerce tupiniquim.
Não consigo enxergar em tudo
isso qualquer aceno positivo da "mão invisível". Ao contrário,
sempre que se cria algum instrumento de controle de mercado, alguém
acaba metendo a mão. Visível e notória. O que faz
lembrar a antiga anedota da briga de rua. Levada para a delegacia junto
com o agressor, a vítima contou, em detalhes, a agressão
sofrida. Enquanto falava, por trás dela o agressor esfregava o indicador
no polegar e apontava para o bolso, numa clara indicação
de estar disposto a distribuir recompensas caso saísse livre.
Depois de escutar o inocente, o delegado,
de olhos fixos na mão bem visível do agressor, disse à
vítima: "Meu amigo, pelo que posso OUVIR, você é inocente.
Mas pelo que posso VER, você é culpado." E prendeu a vítima.
(*) Mário
Persona é diretor de comunicação da Widesoft,
que desenvolve sistemas para facilitar a gestão da cadeia de suprimentos
via Internet, editor da Widebiz
Week e moderador da lista de debates
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