Clique aqui para voltar à página inicial  http://www.novomilenio.inf.br/ano00/0007d043.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 08/07/00 23:50:12
A mão invisível 

Mário Persona (*)
Colaborador

Em 1776, Adam Smith entregou, de mão beijada, a explicação para o equilíbrio aparente de uma economia descentralizada . Segundo ele, não é pela benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que nos é garantido o jantar, mas pelo egoísmo deles, ao agirem em benefício próprio. Na contabilidade final e geral, embora busquem seu próprio bem, cada um é levado, por uma "mão invisível", a promover um fim que não fazia parte de seus intentos.
Essa mesma "mão invisível" é o regulador da economia, que não está sujeita a rédeas e governos, mas que deve ser deixada livre, para sambar à vontade em um ambiente de competição. Ao invés de gerar o caos, a livre concorrência acaba sempre conduzida por essa "mão invisível" a um resultado favorável à própria economia. Entender essa "mão invisível", e tentar prever seu próximo movimento, tem sido a busca do Eldorado de gerações de economistas.

A "mão invisível" tem atuado ao longo de séculos de compra, venda e troca, ora dando um empurrãozinho na competência, ora dando um tapa na incompetência. Mas sempre garantindo a sobrevivência e saúde do próprio mercado. Segundo Smith, a coisa funciona bem enquanto os governos não decidem dar uma mãozinha e inibir o progresso com a distribuição de privilégios, as famosas medidas restritivas que acabam favorecendo os monopólios. Então a "mão visível" tenta roubar a batuta da "mão invisível", não para reger a orquestra, mas para acenar vantagens para os nobres de camarote.

Lei postal - A explosão do comércio eletrônico já começa a instigar planos de controle que poderão atrair as ganas de alguns por privilégios nessa área. É o que pode acontecer com a nova lei postal, que parece ir além de apenas criar mecanismos que garantam ao consumidor o recebimento das encomendas. Além das regras convencionais contra violação de correspondência e outras ilegalidades, a nova lei prevê indenizações para clientes que pagam reais e acabam embrulhados por pacotes virtuais.

A reboque da nova lei, ou quiçá puxando-a, vem uma tal de Agência Nacional de Serviços Postais, ou Anapost, para arbitrar sobre multas, indenizações, e outras coisas. Com a mesma caneta é criada a certificação, decidida pelo Correio, de empresas de comércio eletrônico. Que poderá virar uma forma de cartório para reconhecimento de firmas virtuais. Ou autenticação de pacotes.

Ao que tudo indica, tornar os Correios uma entidade certificadora é o presentinho para consolar a empresa pela perda da exclusividade na entrega de boletos e extratos, privilégio subtraído pela própria lei. Para tapar o buraco da receita que vinha daí, a certificação das vendas via Internet poderá ser obrigatória, o que não acontecerá sem um preço. Agora vem a melhor parte. O Correio abrirá esse mercado de certificação para terceiros. Sai a "mão invisível" a regular o mercado, e entra a "mão visível". No bolso.

Novo cartório - Uma e-loja deverá ser certificada pela empresa X, que foi certificada pela Anapost, que foi certificada pelo Correio. Durou pouco a desintermediação que esperávamos para reduzir custos. Uma certificação assim nunca é um prêmio pela excelência no serviço, mas um ônus obrigatório para se operar no mercado virtual. A certificação, e não a "mão invisível", ajudará a eleger quem é apto para sobreviver na economia digital. E a certificação da certificadora poderá criar um novo modelo de cartório para o e-commerce tupiniquim.

Não consigo enxergar em tudo isso qualquer aceno positivo da "mão invisível". Ao contrário, sempre que se cria algum instrumento de controle de mercado, alguém acaba metendo a mão. Visível e notória. O que faz lembrar a antiga anedota da briga de rua. Levada para a delegacia junto com o agressor, a vítima contou, em detalhes, a agressão sofrida. Enquanto falava, por trás dela o agressor esfregava o indicador no polegar e apontava para o bolso, numa clara indicação de estar disposto a distribuir recompensas caso saísse livre.

Depois de escutar o inocente, o delegado, de olhos fixos na mão bem visível do agressor, disse à vítima: "Meu amigo, pelo que posso OUVIR, você é inocente. Mas pelo que posso VER, você é culpado." E prendeu a vítima.

(*) Mário Persona é diretor de comunicação da Widesoft, que desenvolve sistemas para facilitar a gestão da cadeia de suprimentos via Internet, editor da Widebiz Week e moderador da lista de debates Widebiz.