CRM de mercearia
Mário Persona (*)
Colaborador
Toshiro
queria aumentar as vendas da mercearia e deixar o freguês contente.
Como o pessoal gostava de comprar fiado, encomendou umas cadernetas, carimbando
nas capas a sigla: "CRM - Caderneta de Registro Mensal". Era nelas que
controlava as contas dos fregueses. Logo a CRM ficou popular no bairro.
"Anota aí na CRM dois quilos de tomate para a patroa", ordenava
a Benedita. "Minha mãe mandou perguntar quanto vai pagar de CRM
este mês", chegava o recado na boca da Silvinha.
Mas a caderneta não servia apenas
para cobrar os fregueses. Era a sua bola de cristal. Naquelas linhas o
japonês enxergava muito mais que o total que iria receber no final
do
mês. Ele identificava ciclos de comportamento do freguês, suas
preferências, a associação dos produtos adquiridos
e muitas outras coisas. Até a data de aniversário e idade
das crianças ele sabia, pelo número da velinha adquirida.
Só de olhar na caderneta Toshiro
sabia quando oferecer novidades para o freguês. A data escolhida
para pagar era a mesma em que o freguês estava com a carteira mais
cheia. E aberto a sugestões. Identificar preferências e associações
de produtos também ajudava a vender. A freguesia levava sempre banana
e aveia? Toshiro criava pacotes promocionais com um terceiro produto em
promoção. Um vidro de mel ou uma lata de farinha láctea,
para criar novos hábitos na família. E diminuir o estoque.
A freguesa comprava sempre tomate?
Dá-lhe campanha promovendo o macarrão e o queijo ralado.
Fazia tempo que não levava azeite? Era só lembrá-la
de que o azeite sempre acaba na hora da salada. A última compra
foi há muito tempo? O Toshiro ligava avisando que a laranja estava
em promoção. E o freguês ia lá buscar, só
porque o Toshiro se preocupou em ligar.
Intercâmbio - Até
o Pepe, do açougue ao lado, criou sua própria caderneta CRM
para acompanhar as preferências da freguesia. Logo Toshiro e Pepe
trocavam informações de suas CRMs, para ganho mútuo.
E o Manoel da padaria acabou aderindo ao sistema. Seguido pelo Alcebíades
do boteco. Cada um passou a ser um agente de uma pequena rede de troca
de informações.
O Toshiro vendeu carvão e
sal grosso para o doutor Januário? O Pepe era logo avisado e ia
preparando a carne que o doutor gostava. O Manoel aumentava a receita do
pão. E o Alcebíades colocava mais cerveja para gelar. Cada
comerciante sabia prever a próxima compra, para fazer a próxima
oferta e exceder a expectativa do freguês. Todos prosperavam. Os
fregueses estavam contentes.
Isso foi até o filho do Toshiro
voltar da capital. Da faculdade, com diploma e tudo, e virar consultor
do pai, enquanto não encontrava emprego. Achou a caderneta antiquada.
Vendas só à vista. Se o freguês quisesse parcelar,
que fosse pelo cartão. O açougue? A padaria? O boteco? Eram
concorrentes. Será que seu pai não percebeu que eles também
vendiam caixas de fósforos? Nada de dividir com a concorrência.
Cada um que cuidasse de seu próprio negócio. Ou a mercearia
iria perder a freguesia.
E foi o que aconteceu. O que o filho
logo interpretou como falta de investimento em propaganda. A solução
foi vender a Kombi de entregas e comprar espaço no jornal e no rádio.
Sobrou algum para um outdoor e uma tarde de palhaço com microfone
na porta da mercearia. Sem Kombi para entregar, o jeito era cada freguês
carregar sua própria compra. Ou comprar menos, para o braço
não esticar na caminhada.
Toshiro sentia saudades do modo antigo.
Da amizade com os clientes, do conhecimento de seus hábitos. Do
lucro. Um dia uma propaganda no jornal chamou sua atenção.
"CRM - Conheça os Hábitos de Seus Clientes". Parecia a sigla
das cadernetas, só que era em inglês. "Customer Relationship
Management". Será que poderia ajudar a mercearia? O filho descartou
logo. Aquilo era coisa para empresa grande. Não servia para mercearia.
Era complicado demais para Toshiro aprender a usar.
(*) Mário
Persona é diretor de comunicação da Widesoft,
que desenvolve sistemas para facilitar a gestão da cadeia de suprimentos
via Internet, editor da Widebiz
Week e moderador da lista de debates
Widebiz. |