Entrando pelo cano
Mário Persona (*)
Colaborador
É
difícil dizer quem inventou o cano. Não estou falando do
calote, mas desse fantástico meio de transporte de água.
O cano ainda não era flexível e já dava flexibilidade
aos assentamentos humanos, permitindo que as pessoas fossem morar longe
das fontes, rios e lagos. Com a invenção do cano, o pescoço
das mulheres também ganhou em flexibilidade, já que eram
elas as principais carregadoras de água na antiguidade. Não
precisavam mais andar de pescoço duro, com latas d'água na
cabeça. Tarefa árdua numa época em que as latas eram
feitas de pedra ou barro e eram chamadas de cântaros.
Canos feitos de folhas de chumbo, que
eram enroladas em varas de madeira e soldadas também com chumbo
derretido, distribuíam água nas principais cidades do império
romano. Em Pompéia foram descobertas privadas muito parecidas com
as atuais, inclusive com dobradiças que devem ter servido para segurar
os assentos de madeira. Mas os arqueólogos não descobriram
qualquer vestígio da madeira. Ou de papel higiênico.
Aquedutos de pedra levavam a água
até depósitos estratégicos, de onde partiam as diferentes
redes de distribuição. Muitas delas existem até hoje
em Roma, alimentando dezenas de fontes espalhadas pela cidade. Foram tão
bem projetadas quanto as famosas estradas que levavam tudo e todos a Roma.
Algumas dessas estradas milenares são utilizadas até hoje
por carruagens sem cavalos. Ou, quando muito, por algumas cujo único
cavalo é o do logotipo.
Aliás, se quiser conhecer
uma delas em detalhes, sugiro que tente sair de Roma pela Via Ápia
na hora do rush. Fiz isso há alguns anos e tive tanto tempo para
examinar com calma cada pedra do caminho, que quando terminei o trajeto
estava quase fluente em latim. Os inimigos de Asterix não previram
que a demanda por sua rede de estradas seria tão grande no futuro.
Se soubessem, teriam inventado a banda larga.
Ao contrário - Mas
que proveito há em falar de estradas e canos da Roma antiga? Muito.
Apesar dos marketeiros da época terem perpetuado a idéia
de que todos os caminhos levavam a Roma, a verdade é outra. Todos
os caminhos saíam de Roma. O que os caminhos levavam a Roma eram
bens tangíveis, como mercadorias e riquezas, mas o que ajudava a
gerar essa riqueza era o bem intangível que saía de Roma:
a informação. O império sabia muito bem que suas legiões
de nada valiam sem as ordens de comando que chegavam até elas e
as faziam marchar em uníssono com o poder central. O poder da informação
era o que dava poder à formação.
O tempo passou mas os princípios
permanecem os mesmos. Informação é poder, e ponto
final. Abre parêntesis: achei melhor colocar o ponto final porque
algum engraçadinho poderia querer desenvolver o raciocínio.
E concluir que, se informação é poder, e o poder corrompe,
e corrupção é crime, e o crime não compensa,
então a informação não compensa. Fecha parêntesis.
Portanto, a informação
que transportava a pax romana pela rede de estradas criava a interatividade
necessária à sobrevivência do império. Menos
evidente, mas nem por isso menos influente, era sua rede de distribuição
de água. Seus benefícios eram bem visíveis. Muito
visíveis, talvez, o que levou os romanos decadentes a gastarem tempo
demais nos banhos ou nos cinemas que na época apresentavam gladiadores
ao vivo. Cuja única preocupação era escapar do leão,
vencer a concorrência e alcançar o portal da fama.
Gastando tanto dinheiro alheio, que
na época curiosamente vinha das províncias, e tomando banho
o dia todo, não é de estranhar que os romanos tenham ficado
limpos. E o império ineficiente virou ruínas. O que outrora
foram palácios, são hoje endereços inacessíveis.
Sobrou a rede - de água e de estradas - que funciona até
hoje. Se os romanos entraram pelo cano, não foi por culpa da rede,
mas apesar dela. Uma lição que permanece até os nossos
dias.
(*) Mário
Persona é diretor de comunicação da Widesoft,
que desenvolve sistemas para facilitar a gestão da cadeia de suprimentos
via Internet. |