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Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 05/30/00 03:20:48
Entrando pelo cano 

Mário Persona (*)
Colaborador

É difícil dizer quem inventou o cano. Não estou falando do calote, mas desse fantástico meio de transporte de água. O cano ainda não era flexível e já dava flexibilidade aos assentamentos humanos, permitindo que as pessoas fossem morar longe das fontes, rios e lagos. Com a invenção do cano, o pescoço das mulheres também ganhou em flexibilidade, já que eram elas as principais carregadoras de água na antiguidade. Não precisavam mais andar de pescoço duro, com latas d'água na cabeça. Tarefa árdua numa época em que as latas eram feitas de pedra ou barro e eram chamadas de cântaros.
Canos feitos de folhas de chumbo, que eram enroladas em varas de madeira e soldadas também com chumbo derretido, distribuíam água nas principais cidades do império romano. Em Pompéia foram descobertas privadas muito parecidas com as atuais, inclusive com dobradiças que devem ter servido para segurar os assentos de madeira. Mas os arqueólogos não descobriram qualquer vestígio da madeira. Ou de papel higiênico.

Aquedutos de pedra levavam a água até depósitos estratégicos, de onde partiam as diferentes redes de distribuição. Muitas delas existem até hoje em Roma, alimentando dezenas de fontes espalhadas pela cidade. Foram tão bem projetadas quanto as famosas estradas que levavam tudo e todos a Roma. Algumas dessas estradas milenares são utilizadas até hoje por carruagens sem cavalos. Ou, quando muito, por algumas cujo único cavalo é o do logotipo.

Aliás, se quiser conhecer uma delas em detalhes, sugiro que tente sair de Roma pela Via Ápia na hora do rush. Fiz isso há alguns anos e tive tanto tempo para examinar com calma cada pedra do caminho, que quando terminei o trajeto estava quase fluente em latim. Os inimigos de Asterix não previram que a demanda por sua rede de estradas seria tão grande no futuro. Se soubessem, teriam inventado a banda larga.

Ao contrário - Mas que proveito há em falar de estradas e canos da Roma antiga? Muito. Apesar dos marketeiros da época terem perpetuado a idéia de que todos os caminhos levavam a Roma, a verdade é outra. Todos os caminhos saíam de Roma. O que os caminhos levavam a Roma eram bens tangíveis, como mercadorias e riquezas, mas o que ajudava a gerar essa riqueza era o bem intangível que saía de Roma: a informação. O império sabia muito bem que suas legiões de nada valiam sem as ordens de comando que chegavam até elas e as faziam marchar em uníssono com o poder central. O poder da informação era o que dava poder à formação.

O tempo passou mas os princípios permanecem os mesmos. Informação é poder, e ponto final. Abre parêntesis: achei melhor colocar o ponto final porque algum engraçadinho poderia querer desenvolver o raciocínio. E concluir que, se informação é poder, e o poder corrompe, e corrupção é crime, e o crime não compensa, então a informação não compensa. Fecha parêntesis.

Portanto, a informação que transportava a pax romana pela rede de estradas criava a interatividade necessária à sobrevivência do império. Menos evidente, mas nem por isso menos influente, era sua rede de distribuição de água. Seus benefícios eram bem visíveis. Muito visíveis, talvez, o que levou os romanos decadentes a gastarem tempo demais nos banhos ou nos cinemas que na época apresentavam gladiadores ao vivo. Cuja única preocupação era escapar do leão, vencer a concorrência e alcançar o portal da fama.

Gastando tanto dinheiro alheio, que na época curiosamente vinha das províncias, e tomando banho o dia todo, não é de estranhar que os romanos tenham ficado limpos. E o império ineficiente virou ruínas. O que outrora foram palácios, são hoje endereços inacessíveis. Sobrou a rede - de água e de estradas - que funciona até hoje. Se os romanos entraram pelo cano, não foi por culpa da rede, mas apesar dela. Uma lição que permanece até os nossos dias.

(*) Mário Persona é diretor de comunicação da Widesoft, que desenvolve sistemas para facilitar a gestão da cadeia de suprimentos via Internet.