Vida de cachorro
Mário Persona (*)
Colaborador
Um cão
vive em média quinze anos. Não é muito, se comparado
ao tempo de vida dos humanos. Quando um ser humano ainda não sabe
discernir a mão esquerda da direita, o cachorro já está
em idade de se reproduzir. A Internet é canina em sua cronologia.
Seu relógio bate mais rápido que toco de cauda de cachorro
contente. Mas sua vida não é curta como a do cão.
Neste aspecto a Internet está mais para gato. Tem sete vidas.
Na cronologia do ciberespaço,
eu diria que a Internet está passando hoje pela puberdade. Uma idade
crítica, quando o corpo nem sempre obedece aos comandos do cérebro.
É desajeitada, como quem cresceu rápido demais. E põe
crescimento nisso! Tentar contar o número de usuários de
Internet hoje é tão complicado quanto inventariar uma criação
de coelhos.
A adolescência da Internet
tem gerado alguns contratempos, principalmente para quem aposta todas as
suas fichas em negócios que não passam de um rosto bonito
na Web. Uma Miss de baile de debutantes, dessas que diz que leu
"O Pequeno Príncipe" e sonha em ser modelo. Um belo dia aquele rostinho
de boneca acorda cheio de espinhas. E a casa cai.
"Dia de cão" - Com
uma Internet dona de um humor ainda na aborrecência, não
é surpresa abrir o jornal e ler que investidores de empresas de
Internet estejam tendo um dia de cão. Mas isto não significa
que a coisa toda esteja podre. Como acontece em qualquer negócio
novo, a Internet ainda vai causar algumas convulsões na economia,
até se acostumar com a coleira das velhas regras de mercado. E no
processo não faltarão aqueles que estão atrás
de ganho fácil e satisfação sem efeitos colaterais.
Do tipo que se livra de um simpático cãozinho comprado na
feira de animais, quando descobre que o que entra pela boca precisa sair
por algum lugar.
As quedas em Wall Street estão
cada vez mais ligadas ao sentimento de pânico de investidores novatos.
Gente que nunca foi mordida no mercado de ações. No atual
momento de pujança dos Estados Unidos, muita gente tem visto o mercado
de ações como uma alternativa para as formas convencionais
de poupança. Com a facilidade de se comprar e vender o mundo com
um clique do mouse, muitos americanos trocaram seus cents e dimes
por ações de empresas de Internet. Criou-se a ilusão
de uma poupança etérea, fazendo com que pessoas comuns virassem
milionárias. Ou pelo menos pensassem assim. O casal Smith achou-se
dono da Amazon.com e passou a enxergar seu dinheirinho da aposentadoria
como quem enxerga mostrador de bomba de gasolina.
O garoto - Mas, na bolsa, nem
tudo o que reluz é ouro. Negócios que hoje valem milhões
viram papéis podres da noite para o dia. E aquele "garoto que começou
em uma garagem", cujo site a revista disse que vale milhões, pode
não ter dinheiro nem para o chiclete. Muitas das notícias
de negócios milionários trazem, nas entrelinhas, um dinheiro
que é tão virtual quanto o mundo cibernético onde
desfilam as empresas ponto-com. A história que me contaram ilustra
bem o que há por trás de algumas das "grandes" negociações
da nova economia.
Um garotinho, de tanto ouvir falar
em bolsa, ações, Nasdaq e coisas do tipo, decide trocar o
nome de seu cãozinho para "Totó.com" e colocá-lo à
venda. Por um milhão de dólares. O pai ri do garoto. O menino
insiste, e logo aparece um investidor interessado no "Totó.com".
Tão interessado, que acaba fechando negócio. "Quanto?", pergunta
o pai, surpreso. "Um milhão de dólares!", responde o filho,
radiante. O pai, ainda incrédulo, insiste: "E onde está essa
grana toda?" "No quintal", responde o garoto confiante. "Dois gatinhos
valendo quinhentos mil cada".
(*) Mário
Persona é diretor de comunicação da Widesoft,
que desenvolve sistemas para facilitar a gestão da cadeia de suprimentos
via Internet. |