De ponto-cruz a ponto-com
Mário Persona (*)
Colaborador
Apesar de
trabalhar hoje em uma empresa da geração Internet, não
nasci "ponto-com". Há poucos anos, eu era um profissional "ponto-sem",
como outro qualquer. Mas, como acontece com qualquer ser humano, vivia
sofrendo daquelas febres ocasionais de montar meu próprio negócio.
Uma delas aconteceu ainda na era pré-Internet, mas o que já
tinha em comum com as empresas virtuais era o "ponto". Meu empreendimento
ainda não era "ponto-com". Era "ponto-cruz".
Para não perder o fio da meada,
devo explicar que a idéia de uma empresa "ponto-cruz" nasceu da
grande habilidade de minha esposa para os trabalhos manuais. A primeira
vez que viu um molde americano para "cross-stitch", ficou maravilhada.
Era algo muito superior aos bordados "ponto-cruz", quadradinhos e sem resolução,
que tinha visto até então. A partir daquele dia passei a
ser motivo de alegria dos vendedores de tecidos e linhas para bordado.
Com o tempo, meu círculo de admiradores já incluía
também os donos de lojas de molduras e até fábricantes
de pregos, já que cada bordado exigia um lugar especial para estacionar
na parede de casa.
Ponto-cruz - Foi aí
que decidi transformar a despesa em receita. Descobri um software que transformava
fotos em padrões para bordado, quadriculando as cores em códigos
que representavam as diferentes linhas. A idéia era produzir kits
com moldes, tecido, linhas e agulhas para vender. Na época as importações
eram raras e os únicos kits produzidos no Brasil eram destinados
a principiantes. Naquele ponto eu era mais um candidato a vítima
do entusiasmo. Assim como eu sonhava com meu negócio "ponto-cruz",
há muitos hoje sonhando com um negócio "ponto-com".
Muitas novas empresas nascem mortas
porque são negócios de impulso. Idéias que agradam
apenas seus criadores, pessoas que vivem maravilhadas com o próprio
umbigo. Não há qualquer preocupação em conhecer
a situação do mercado ou suas tendências. É
só depois de chutar o balde em seu velho emprego e gastar o último
centavo de seu fundo de garantia, que o pretenso empreendedor descobre
que o mundo não está preparado para seu fantástico
negócio. Como não pode mudar o mundo, só lhe resta
voltar a ser leitor assíduo de classificados.
Ponto sem nó - Vi algo
assim quando visitei uma pequena cidade no interior do Mato Grosso. Era,
na época, um novo pólo de colonização que recebia
pessoas de todo o Brasil. Muitos chegavam atraídos pelas oportunidades
de formar suas próprias fazendas. Outros traziam mercadorias e serviços
para vender aos novos habitantes. Conheci ali dois cidadãos que
eram protagonistas de negócios fracassados por falta de visão,
planejamento e pesquisa de mercado.
Um deles, de olho no calor da região,
vendeu o que tinha em São Paulo e comprou equipamentos para fabricar
sorvetes, seguindo para sua aventura com excesso de peso em sua bagagem
de sonhos gelados. Montada a sorveteria, descobriu que o período
de funcionamento dos geradores que abasteciam a cidade era insuficiente
para seu sorvete gelar. As geladeiras paravam antes. Fracassou por não
ter entrado numa fria.
Outro, um jovem atlético do
Rio, montou uma academia de ginástica e musculação.
Fiquei impressionado com aquele imenso salão revestido de espelhos
e equipamentos novos, tudo sob uma mesma camada de poeira. Numa cidade
onde a maioria dos habitantes ganhava o pão literalmente com o suor
do rosto, ninguém iria querer gastar as horas de folga malhando
em um salão abafado. E sem poder tomar um sorvete para refrescar,
na única sorveteria da cidade.
Ponto-com - Meu negócio
"ponto-cruz" teve um final mais feliz, porque nem começou. Bastou
uma pesquisa informal com lojas de produtos para bordados para descobrir
que o mercado não estava preparado para minha idéia. Mas
não posso afirmar, com cem por cento de certeza, que o negócio
não iria funcionar. Uma pesquisa de mercado é apenas um ponto
de referência em um oceano de variáveis. Muitos outros fatores
devem ser ponderados antes de se decidir a criar ou não um novo
negócio. E o resultado em uma "ponto-cruz" pode ser diferente de
uma "ponto-com".
E foi o que aconteceu com a Widesoft.
Quando a empresa, que desenvolvia sistemas de gestão, decidiu abrir
uma nova frente e investir na criação de um provedor de Internet,
nem precisou fazer uma pesquisa de mercado. Ninguém estava interessado
em Internet e qualquer pesquisa teria resultado em uma só resposta
dos entrevistados: "Inter-o-quê?". Quando o mercado não está
pronto para inovações, cabe ao empreendedor enxergar além
do mercado. E tomar todas as precauções para não dar
ponto sem nó.
(*) Mário
Persona é diretor de comunicação da Widesoft,
que desenvolve sistemas para facilitar a gestão da cadeia de suprimentos
via Internet. |