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Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 04/12/00 18:01:30
De ponto-cruz a ponto-com 

Mário Persona (*)
Colaborador

Apesar de trabalhar hoje em uma empresa da geração Internet, não nasci "ponto-com". Há poucos anos, eu era um profissional "ponto-sem", como outro qualquer. Mas, como acontece com qualquer ser humano, vivia sofrendo daquelas febres ocasionais de montar meu próprio negócio. Uma delas aconteceu ainda na era pré-Internet, mas o que já tinha em comum com as empresas virtuais era o "ponto". Meu empreendimento ainda não era "ponto-com". Era "ponto-cruz".
Para não perder o fio da meada, devo explicar que a idéia de uma empresa "ponto-cruz" nasceu da grande habilidade de minha esposa para os trabalhos manuais. A primeira vez que viu um molde americano para "cross-stitch", ficou maravilhada. Era algo muito superior aos bordados "ponto-cruz", quadradinhos e sem resolução, que tinha visto até então. A partir daquele dia passei a ser motivo de alegria dos vendedores de tecidos e linhas para bordado. Com o tempo, meu círculo de admiradores já incluía também os donos de lojas de molduras e até fábricantes de pregos, já que cada bordado exigia um lugar especial para estacionar na parede de casa.

Ponto-cruz - Foi aí que decidi transformar a despesa em receita. Descobri um software que transformava fotos em padrões para bordado, quadriculando as cores em códigos que representavam as diferentes linhas. A idéia era produzir kits com moldes, tecido, linhas e agulhas para vender. Na época as importações eram raras e os únicos kits produzidos no Brasil eram destinados a principiantes. Naquele ponto eu era mais um candidato a vítima do entusiasmo. Assim como eu sonhava com meu negócio "ponto-cruz", há muitos hoje sonhando com um negócio "ponto-com".

Muitas novas empresas nascem mortas porque são negócios de impulso. Idéias que agradam apenas seus criadores, pessoas que vivem maravilhadas com o próprio umbigo. Não há qualquer preocupação em conhecer a situação do mercado ou suas tendências. É só depois de chutar o balde em seu velho emprego e gastar o último centavo de seu fundo de garantia, que o pretenso empreendedor descobre que o mundo não está preparado para seu fantástico negócio. Como não pode mudar o mundo, só lhe resta voltar a ser leitor assíduo de classificados.

Ponto sem nó - Vi algo assim quando visitei uma pequena cidade no interior do Mato Grosso. Era, na época, um novo pólo de colonização que recebia pessoas de todo o Brasil. Muitos chegavam atraídos pelas oportunidades de formar suas próprias fazendas. Outros traziam mercadorias e serviços para vender aos novos habitantes. Conheci ali dois cidadãos que eram protagonistas de negócios fracassados por falta de visão, planejamento e pesquisa de mercado.

Um deles, de olho no calor da região, vendeu o que tinha em São Paulo e comprou equipamentos para fabricar sorvetes, seguindo para sua aventura com excesso de peso em sua bagagem de sonhos gelados. Montada a sorveteria, descobriu que o período de funcionamento dos geradores que abasteciam a cidade era insuficiente para seu sorvete gelar. As geladeiras paravam antes. Fracassou por não ter entrado numa fria.

Outro, um jovem atlético do Rio, montou uma academia de ginástica e musculação. Fiquei impressionado com aquele imenso salão revestido de espelhos e equipamentos novos, tudo sob uma mesma camada de poeira. Numa cidade onde a maioria dos habitantes ganhava o pão literalmente com o suor do rosto, ninguém iria querer gastar as horas de folga malhando em um salão abafado. E sem poder tomar um sorvete para refrescar, na única sorveteria da cidade.

Ponto-com - Meu negócio "ponto-cruz" teve um final mais feliz, porque nem começou. Bastou uma pesquisa informal com lojas de produtos para bordados para descobrir que o mercado não estava preparado para minha idéia. Mas não posso afirmar, com cem por cento de certeza, que o negócio não iria funcionar. Uma pesquisa de mercado é apenas um ponto de referência em um oceano de variáveis. Muitos outros fatores devem ser ponderados antes de se decidir a criar ou não um novo negócio. E o resultado em uma "ponto-cruz" pode ser diferente de uma "ponto-com".

E foi o que aconteceu com a Widesoft. Quando a empresa, que desenvolvia sistemas de gestão, decidiu abrir uma nova frente e investir na criação de um provedor de Internet, nem precisou fazer uma pesquisa de mercado. Ninguém estava interessado em Internet e qualquer pesquisa teria resultado em uma só resposta dos entrevistados: "Inter-o-quê?". Quando o mercado não está pronto para inovações, cabe ao empreendedor enxergar além do mercado. E tomar todas as precauções para não dar ponto sem nó.

(*) Mário Persona é diretor de comunicação da Widesoft, que desenvolve sistemas para facilitar a gestão da cadeia de suprimentos via Internet.