Eduardo e Mônica
Mário Persona (*)
Colaborador
Não
era música nem romance. Só outro Eduardo que um dia encontrou
outra Mônica. Mais um, de uma legião de garimpeiros à
procura de uma mina de ouro na Web. Para Eduardo, Mônica era a mina
ideal, a mina dos seus sonhos. Ele tinha o embrião de um plano de
negócios na cabeça. Sua mãe dizia que não era
embrião, mas minhoca o que ele tinha entre as orelhas. Internet
servia para gastar dinheiro, não para ganhar. Ela tinha a conta
telefônica para provar.
Mas Eduardo acreditava. Seu projeto
era fantástico. Logo ele iria poder comprar uma casa para a mãe,
como fez aquele craque do futebol. Seu "Business Plan", que ele já
chamava pela sigla de "Bi-Pi", era de um "estar-táp" que podia acabar
em "Ai-Pi-Ôu", palavras inglêsas que Eduardo não entendia,
mas que tinham um poder
mágico. Uma espécie
de "Abracadabra" para se chegar ao tesouro da nova economia. Mônica
podia transformá-lo em um milionário-ponto-com da noite para
o dia. Ou numa lenda urbana.
Mônica era uma caçadora
de negócios para investidores de risco. Mas vivia em outro mundo,
noutro canto da cidade. Foi um amigo do cursinho do Eduardo quem deu a
dica. Viu na revista. E-mail para cá, e-mail para lá, e Mônica
decidiu que queria saber um pouco mais sobre o boyzinho que a tentava impressionar.
Precisavam marcar uma reunião. Podia ser numa lanchonete? Eduardo
queria recuperar o que
emagreceu de emoção.
Não, tinha que ser no escritório da empresa. Com elevador
de aço inox e espelho de cristal.
No envelope - A oportunidade
de uma vida. Eduardo, com seu plano de negócios escondido no casaco,
frente a frente com a poderosa Mônica. Só iria tirar o envelope
no fim da entrevista, um "grand finale". Mas estava nervoso. Mônica
tentava quebrar o gelo. Falava do filme de um tal de Godard que tinha visto
no cinema. Eduardo mudo. Se ela falasse da novela, arriscaria um palpite.
Tentou abrir a boca, mas engasgou
no "biziness plén" treinado nas aulinhas de inglês. Por que
não inventaram a coisa toda em português claro? Arrependeu-se
de ter matado aula para jogar botão com o avô. Será
que tinha escrito "Executive Summary" ou "Ezecutive Sumari"? Oh, dúvida!
Agora era tarde.
Mônica continuava falando,
para deixar o rapaz à vontade. Para Eduardo, ela falava alemão.
Bauhaus, Van Gogh e coisas assim. Nada que fizesse parte do esquema de
Eduardo. Tipo "escola, cinema, clube, televisão". Mas Mônica
era legal. Ia dando dicas. Ela entendia de tudo. Falava coisas sobre o
céu, a terra, a água e o
ar.
Furos - Eduardo entendeu que
o melhor seria deixar seu Plano de Negócios quieto dentro do casaco.
Não passava de um Engano de Negócios. Tinha erros de português,
culpa da pressa de receber um cheque. Análise da concorrência?
Nem pensar. Sua visão só foi ampla na hora de enxergar o
mercado ideal de seus sonhos, onde só via o seu
negócio. Havia outros furos.
Queria ser tudo para todos. Inventou um site horizontal demais. Igual a
ele, deitado de costas no chão do escritório, se tentasse
ficar em pé para fugir. Engraçado esses escritórios
modernos. Eles giram.
Silêncio. Outra vez Mônica
tentou deixar o rapaz à vontade. Falou que tinha sido fã
dos Mutantes. Eduardo captou a mensagem. Não levou em conta as condições
do mercado em constante mutação. Coisa rápida pelo
relógio da Internet. Em que dados e informações tinha
se baseado? Dados? Começou a suar. Tinha considerado um nadinha
de informações genéricas que pegou no jornal. Em uma
crônica como
esta. Nem acreditava que sua visão
tivesse sido tão míope! E agora estava também embaçada.
Enxergava duas Mônicas.
Entendeu que aquele envelope - agora
molhado de suor - que trazia sob o casaco não era um Plano de Negócios.
Sem perceber, esteve o tempo todo querendo fazer do plano um negócio.
Vender papel. Se ao menos tivesse uma idéia rara... Não,
a Mônica acabava de explicar que idéias raras são difíceis
de vender. Mas uma idéia apenas boa, quando bem trabalhada, podia
dar certo. Desde que conseguisse
mostrar ao investidor como ele iria
lucrar.
Não como parece - Agora
Eduardo enxergava claramente os pontos fracos de seu plano. No fundo, no
fundo, o que queria mesmo era mantê-los em segredo. Suas metas pareciam
um balão inflado. Tudo puro entusiasmo. Fundamento que era bom,
nada. Queria acreditar que existiria um mercado emergente ideal, que iria
adorar seu site. Mas não
explicava quando, nem como isso
iria acontecer. Nem quais as etapas do processo. Nada de concreto. Só
sonhos. Feito letra de música.
Mas, como diz a música, "quem
um dia irá dizer que existe razão nas coisas feitas pelo
coração? E quem irá dizer que não existe razão?"
Eduardo deu uma desculpa qualquer para sair. Ou não deu? Agora já
não importava. Precisava sumir. Rever seu plano, sua vida, seu futuro.
Ao contrário da música,
Eduardo e Mônica não construíram uma casa, nem mesmo
uma home page. Também não tiveram gêmeos. Nem "batalharam
uma grana e seguiram legal". O plano do Eduardo não passou da entrevista.
Ficou de recuperação e dificilmente terá outra oportunidade.
Só para não perder minha inspiração musical,
eu diria que o sonho acabou. Mas serve de consolação saber
que quem não dormiu no sleeping-bag nem sequer sonhou.
(*) Mário
Persona é diretor de comunicação da Widesoft,
que desenvolve sistemas para facilitar a gestão da cadeia de suprimentos
via Internet. |