A miragem das Bolsas
Mario Persona (*)
Colaborador
Gosto de
visitar lojas de bolsas. Deve ser por causa do cheiro de coisa nova. São
lojas confortáveis, pelo menos quando o gerente é homem.
Porque ele entende as necessidades dos maridos, e instala poltronas confortáveis
para os que ficarão bons momentos ali esperando. E sonhando. Com
todas aquelas bolsas, maridos têm tempo e motivo para sonhar.
Meus sonhos geralmente começam
com as malas. Elas me fascinam. Olho para um jogo de malas e me imagino
em um transatlântico com a proa voltada para a Europa. Ou encaixando
aquela valise de mão no porta-bagagem de um jato rumo a Nova Iorque.
Há também as carteiras, ocupando um bolso de meus sonhos.
Novas e cheirosas. Repletas de cartões de crédito e dinheiro.
Dólares, se forem importadas.
Miragem - Mas é tudo falso.
Se não quiser voltar à realidade, não abra as carteiras,
bolsas, malas e valises em uma loja assim. Nas malas, que pareciam prontas
para a viagem, você descobre que o inchaço é causado
por papel de seda. Nas carteiras, os cartões de crédito são
de papel e o dinheiro é impresso de um lado só. Pastas e
valises não contém contratos milionários. Só
panfletos com fotos de esguios executivos, de peito e nariz empinados.
Tudo bem diferente daquilo que sonhamos.
A miragem das bolsas está
atingindo muitos empreendedores do mundo virtual, onde tudo cheira a novo.
Não será surpresa se logo começarmos a perceber que
o recheio de muitos empreendimentos de Internet não passa de papel
de seda. Ou cartões de crédito e dinheiro de brinquedo.
Se isto acontecer, ninguém
poderá culpar a Internet. É a miragem da bolsa, o canto de
sereia que debilitou o juízo até dos mais controlados. Daqueles
que se esqueceram de que um grande negócio só acontece com
muita criatividade, planejamento e suor. Só assim se consegue formar
uma boa carteira de clientes e, eventualmente, ir parar na bolsa.
Cautela - Em visita ao Brasil,
Jerry Yang, presidente do Yahoo, sugere cautela para o mercado financeiro.
"Estamos vivendo um tempo incrível na economia americana em termos
de altas na Nasdaq. Mas o mercado não sabe avaliar se o Nasdaq é
uma bolha, uma coisa irracional". Se fosse brasileiro, Yang certamente
teria feito sua afirmação em ritmo de bossa nova. Sentando
na calçada de canudo e canequinha.
Tem muito empreendedor de Internet
que só está de olho gordo na bolsa. Não a de valores,
mas a do investidor. E na carteira. Não de clientes mas também
do investidor. É aquele """empreendedor""" - de propósito,
entre seis aspas - que cria uma casca para impressionar os donos do dinheiro
e ganhar injeções de dólares. Tão ávido
pelo dinheiro fácil que, se o investidor perguntar como o projeto
vai dar dinheiro, precisa morder a língua para não dizer:
"Tirando de otários como você!".
Queda - Mas os investidores
já começam a enxergar isso. Talvez seja este um dos motivos
pelos quais as ações de empresas B2C (business-to-consumer)
caíram, em média, 35% nos últimos 3 meses nos EUA.
Um problema cuja origem está na indústria papeleira. Incapaz
de produzir papel de seda suficiente para encher tanta bolsa vazia.
Como há investidores migrando
do B2C para o B2B (business-to-business), o que mais se vê hoje são
empresas de B2C fazendo o mesmo que os investidores. E com a cara mais
lavada do mundo, dizendo que seu foco sempre foi B2B. Parece que estamos
assistindo a um desenho dos Transformers, tamanha a capacidade dessas empresas
de trocar de camisa.
Mas não se transforma um site
B2C em uma estrutura B2B da noite para o dia. E incluo aqui, como business-to-consumers,
não apenas lojas virtuais, mas sites de busca, portais, sites de
notícias e tudo o que atende o público final. Empresas B2B
têm uma natureza diferente. Operam nos bastidores, longe dos holofotes.
Seu palco inclui o chão de fábrica, entre seus atores encontramos
pessoas acostumadas ao ambiente de produção, profissionais
de suprimentos e planejamento. Negócios business-to-business não
têm o glamour da carroçaria de uma Ferrari, mas têm
a utilidade de um motor cheio de óleo escuro. Porque sem este, a
máquina não anda.
Mas tudo isso não significa
que o business-to-consumer tenha morrido. De modo nenhum. Está vivo
e tem vida longa. Grande parte de tudo o que será consumido no futuro
passará pela Web. O que está com os dias contados é
o empreendedor oportunista, querendo parecer ser tudo para todos, como
aquelas malas de múltiplas alças. Servem para segurar, para
levar a tiracolo, para puxar ou empurrar. Empresas assim correm o risco
de acabar como caixão sem alça. Nenhum investidor vai querer
carregar.
(*) Mário
Persona é diretor de comunicação da Widesoft,
que desenvolve sistemas para facilitar a gestão da cadeia de suprimentos
via Internet. |