Negócio pra boi dormir
Mario Persona (*)
Colaborador
A voz que
eu escutava ao telefone era de um novo empreendedor da nova economia. Apesar
de trabalhar em uma área onde tudo é tão novo que
cheira a tinta, não estava preparado para o que ouvi. Ninguém
pode negar que estamos vivendo no auge da epidemia "ponto-com". Tentando
seguir o exemplo de alguns garotos que começaram empresas milionárias
na garagem, muita gente está entrando na corrida do ouro das maneiras
mais inusitadas. A voz que eu escutava ao telefone era de um sujeito que
afirmava ter dado o primeiro passo para iniciar seu novo negócio
virtual. Tinha conseguido uma garagem.
Com um começo assim, é
provável que sua história acabe igual à do comerciante
que conheci. Contratou uma empresa de publicidade para criar um site, atrelou
a ele uma loja virtual, e espalhou seus produtos pela loja como quem espalha
orégano em pizza. Havia produtos identificados apenas pelo código,
sem nenhuma foto ou explicação. Podia ser um par de meias
ou uma Mercedes. Apesar de bem sucedido no comércio convencional,
no comércio eletrônico o empresário era marinheiro
de primeira viagem. Ou de última.
Seis meses depois, ele fechava sua
loja na Internet, sem uma venda sequer. Ou melhor, sem ter atendido um
cliente sequer. Ao fechar, descobriu que quase duzentas pessoas já
haviam tentado comprar ou pedir informações através
do e-mail do site. Ficaram sem resposta, pois ele nem sabia como acessar
a área administrativa de sua loja, ou configurar seu e-mail para
receber os pedidos. Este é mais um exemplo dos que acabam engrossando
a fileira dos desiludidos com o comércio virtual. Queriam virar
milionários "ponto-com", mas acabam com a sensação
de que caíram no "conto-com".
Especialista - Não basta
fazer seu próprio site ou contratar uma empresa para fazê-lo.
Daí para ser um sucesso na rede vai depender de uma administração
competente. E esta deve ser feita por alguém que entenda de negócios
na Internet, e não pelo comerciante convencional. O negócio
deste é no mundo físico, balcão, caixa registradora
fazendo "Plim!", estoques físicos. Não consegue raciocinar
no mundo virtual, por melhor que sejam seus negócios no mundo convencional.
Vai precisar de ajuda especializada, e não estou me referindo a
pessoas que saibam programar ou criar belos sites na Internet.
O que estou dizendo aqui não
é novidade. Em qualquer área de negócios, pessoas
quebram a cara porque tentam fazer algo fora de sua capacidade. Toda família
tem, por exemplo, um caso de alguém que decidiu virar fazendeiro.
Aquele empresário cosmopolita - vamos chamá-lo de Dr. Alcides
- que compra uma fazenda e resolve investir em gado. Não demora
para dar com os burros n'água, se é que já viu um
burro ao vivo. Porque não sabe nem de que lado fica a cabeça
da vaca. Se é que é vaca. Nem vai à fazenda porque
sua esposa, a Dra. Maitê, detesta cheiro de vaca. Ou de burro, tanto
faz.
Depois de gastar uma fortuna, o Dr.
Alcides admite que não nasceu para o mundo rural e precisa de ajuda.
Aí contrata o seu Benedito, um experiente administrador de fazenda,
que usa bolsinha de canivete no cinto, botina com sola de pneu e palito
no canto da boca. Ao contrário da Dra. Maitê, sua esposa,
a dona Rosa, adora cheiro de vaca. Ela sabe fazer pamonha, daquelas que
vêm na casca de milho costurada, e conhece a a fase da lua quando
as vacas resolvem parir. E até ajuda nos partos complicados.
O site do sítio - A
partir daí, é o seu Benedito, não o Dr. Alcides, quem
vai tocar o gado. O Dr. Alcides entende de mercado financeiro, o seu Benedito
entende de pasto. O Dr. Alcides controla as ações, o seu
Benedito as vacinações. Cada um na sua. O negócio
prospera. O Dr. Alcides troca seu Audi, o seu Benedito reforma a Brasília.
Quem é o responsável pelo sucesso? Será o Benedito?
Não apenas ele, mas a soma de seu conhecimento com a capacidade
de negócios do Dr. Alcides. Este sabe como administrar a renda,
mas é o seu Benedito quem cuida da fazenda.
Um belo dia, o seu Benedito sente
aquele friozinho na barriga. Teve um insight repentino. A dona Rosa
acha que ficou louco. Mas ele insiste. Não quer mais ser empregado.
Chega de ganhar dinheiro para os outros. Vai trabalhar por conta. Garante
para a dona Rosa que vai ter "menas" preocupação. Explica
para ela que tem gente "enricando" com uma tal de "romipeige" na Internet.
Leu na revista. Assistiu na TV. É tudo muito fácil. Aí
o seu Benedito pede a conta, vende a Brasília, vai morar numa garagem,
investe tudo em um micro, faz um curso de programação e acaba
lançando seu próprio site pecuário - www.tocagado.com.br.
Aí a história se repete.
(*) Mário
Persona é diretor de comunicação da Widesoft,
que desenvolve sistemas para facilitar a gestão da cadeia de suprimentos
via Internet. |