Guerra de patentes
Mario Persona (*)
Colaborador
Jeff Bezos,
criador da Amazon.com, a maior livraria virtual do mundo, volta a ser notícia.
A aprovação de um pedido de patente coloca Jeff na mira dos
tomates de centenas de empreendedores indignados. A patente faz da Amazon
a única dona da idéia dos programas de afiliados, a versão
moderna da milenar prática comercial de pagar comissão por
indicação de clientes. A Patente 6.029.141 garante à
empresa usar, com exclusividade, "um sistema de indicação
baseado na Internet, que permite a indivíduos e outras entidades
mercantis (associados) comercializar produtos, em troca de uma comissão,
que são vendidos no website da empresa (Amazon)".
O problema é que há
centenas de empresas na Internet sobrevivendo graças a esses programas
de afiliados. Eles permitem que qualquer pessoa receba comissões
pela venda de produtos. E que qualquer empresa multiplique a exposição
de seus produtos pelos sites dos associados. Um associado que coloque em
seu site um link para a empresa mantenedora do programa passa a receber
uma comissão em cada venda gerada a partir daquele link. Foi com
um programa assim que a Amazon arrebanhou mais de trezentos mil associados,
fiéis promotores de vendas, que diariamente encaminham para a Amazon
milhares de compradores.
Mas não foi a Amazon que inventou
esse tipo de programa. Em 1994 a PC Flowers & Gifts já oferecia
um programa semelhante, seguida pela AutoWeb em 1995. A Amazon só
lançou seu serviço em 1996, entrando com o pedido de patente
em 1997. Mas há quem acredite que ela consiga varrer muita gente
para fora do mercado, se desencadear uma caça às bruxas via
instrumentos legais. Só a Barnes & Noble, seu
principal concorrente, tem hoje
duzentos mil pontos de venda - o número de sites afiliados gerando
clientes para a empresa.
O uso de patentes como arma na guerra
contra a concorrência está gerando uma onda de protestos.
O site http://www.noamazon.com é
um dos endereços visitados por manifestantes em busca das últimas
notícias, ou de idéias para boicotar o domínio do
gigante virtual. Mas as sugestões de boicote parecem trazer mais
prejuízo para os que as colocarem em prática do que para
a Amazon. Mesmo
considerando que, nos Estados Unidos,
a opinião pública tem um poder considerável, não
podemos nos esquecer de que o dinheiro costuma falar mais alto.
Dificilmente os associados da Amazon
abrirão mão do cheque que chega pelo correio a cada trimestre.
E se a Amazon acabar sendo a única a oferecer um programa de afiliação,
o mais provável é que aumente o número de recrutas
em suas fileiras, todos eles órfãos dos sistemas banidos.
Há quem sugira que os autores proíbam que
seus livros sejam vendidos pela
Amazon. É improvável que algum o faça, a menos que
use isto como marketing. Resta saber se os clientes satisfeitos estariam
dispostos a trocar um site onde compram com um clique, por alguma surpresa.
Em minha última experiência de compras pela Internet, adquiri
um livro da Amazon
que onze dias depois chegava em
meu endereço. Uma livraria virtual brasileira, onde fiz uma compra
dois dias depois, levou oito dias apenas para embalar o livro e emitir
a nota. E o Correio, mais dez dias para entregar.
Monopólios - Se a moda
de usar patentes como diferencial competitivo pegar, logo não existirá
espaço para quem for incapaz de patentear o que faz, ou não
tiver munição para lutar nos tribunais pelo simples direito
de vender algo na rede. Aí teremos uma Web de monopólios,
bem diferente do mercado livre que conhecemos hoje. Em um programa
da MSNBC, uma jovem da audiência perguntou a Jeff Bezos, da Amazon.com:
"Tenho umas cem ações da Amazon e gostaria que você
me explicasse exatamente o que é que eu possuo". A resposta de Bezos
foi: "Você possui um pedaço do futuro." Como será o
futuro, ele não explicou.
Sendo ingênuo de propósito,
eu poderia acreditar que a corrida por patentes seja apenas uma forma de
garantir que o concorrente não faça o mesmo. Este é
um raciocínio muito parecido com o que havia na época da
guerra fria, quando os oponentes colecionavam megatons suficientes para
serrar o próprio galho em que estavam sentados. Um raciocínio
que pode levar a resultados tão insólitos quanto a
discussão que escutei em
uma empresa. Da sala de espera eu podia escutar o empresário, ao
telefone, discutindo aos gritos com um concorrente. A conversa terminou
com esta declaração, que até hoje tento entender:
"Ah, é?!! Então você vai me matar? Você que experimente!
Se você me matar, eu mato você também!" E bateu o telefone.
(*) Mário
Persona é diretor de comunicação da Widesoft,
que desenvolve sistemas para facilitar a gestão da cadeia de suprimentos
via Internet. |