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Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 02/21/00 16:31:56
Memórias póstumas de um profissional
da nova economia 

Mario Persona (*)
Colaborador

A matéria na revista (N.E.: Exame, primeira quinzena de fevereiro/2000) está dizendo que a morte começa aos quarenta. Ajusto meus óculos de lentes multifocais para ter certeza de que foi isto que li. Foi. Na semana em que completo 45 primaveras - ou seriam invernos? - a leitura do artigo me dá vertigens. Deve ser a pressão. Teria eu morrido há cinco anos e esquecido de me deitar? Ou terá sido o excesso de café que não deixou que eu dormisse?

Fico na dúvida se devo ou não cancelar minha festa de aniversário. Se fizer calor, os convidados podem não querer vir. E se fizer frio, podem vir mais por interesse. Com quarenta e cinco velas queimando em cima do bolo, vão preferir estar ali do que em suas casas sem aquecimento. Devem estar contando com meu pouco fôlego, incapaz de dar conta de todas aquelas velas. Aliás, já avisei minha esposa para não usar essas velas que voltam a acender depois de apagadas. Posso até conseguir apagar as quarenta e cinco na primeira vez. Na segunda vez, quem apaga sou eu.

Sinto um certo alívio quando constato que a matéria fala de morte profissional. Mesmo assim, uma participante da lista de debates WideBiz tomou as dores dos anciãos - a maior parte delas causada por problemas circulatórios - e teceu alguns comentários sobre o assunto. Mesmo sem estar na faixa crítica, já que se descreveu
como alguém com 35 anos, corpinho de 20 e cabeça de 15. Se quarenta é o Cabo da Boa Esperança profissional, no meu caso devo fazer o cálculo inverso. Aos 45, estou com um corpinho de 60 e cabeça de 85. Sem qualquer chance de ser útil.

"Póstumas"? - Mas, então, o que estou fazendo aqui, escrevendo sobre Internet, negócios e tendências na nova economia, com essa idade toda? Quando completei quarenta anos, eu nem usava Internet. Hoje mais de duas dezenas de sites, jornais e revistas publicam minha coluna. Começo a pensar que meus leitores só fingem que lêem. E os jornais devem publicar porque a preocupação com o social está na moda. Querem fazer um velhinho feliz. Saio em busca de meu martelo e de um prego.

Fico confuso ao receber um telefonema. É da empresa que organiza um evento onde darei uma palestra. "Mario, veja que interessante" - diz a voz - "só agora reparei que todos os palestrantes serão grisalhos!" Não, o evento não acontece em um asilo. É um encontro importante de profissionais de grandes empresas. Talvez ainda exista gente querendo escutar os mais velhos. Eu mesmo costumava buscar o conselho de meu pai, mesmo quando ele já estava com metade do cérebro comprometido por um derrame. Tinha algo ali que só os anos podem produzir. Experiência e sabedoria.

As estrelas das fortunas-ponto-com são hoje garotos imberbes. Isto ajuda a servir de estímulo para o mercado preferir as cabeças mais oxigenadas. E preterir as cabeças brancas. Mas, antes que sua empresa decida fazer a triagem pela cor dos cabelos - ou pela falta deles - é bom dar uma olhada nos bastidores. Longe dos holofotes, você vai descobrir grisalhos criando condições para que as idéias jovens se transformem em negócios milionários. Estão apostando nesses jovens, financiando suas aventuras, e aplaudindo seus sucessos. Uma sinergia que acontece até neste artigo. O título foi idéia de meu filho de 17 anos.

Parâmetro? - É verdade que, após uma certa idade, muitos profissionais se acomodam e acabam avessos a mudanças. Passam a ser uma ameaça à sobrevivência de uma empresa em um mundo em constante mutação. Aconteceu durante a informatização das empresas. Está acontecendo de novo com a internetização das empresas. Mas é bom tomar cuidado para não fazer da idade o parâmetro de seleção profissional, e cair vítima de um novo paradigma. O caminho mais fácil é colocar o foco na certidão de nascimento, mas o que qualifica um profissional para a nova economia é a certidão de conhecimento.

Se não for, é melhor alguém ir avisar o Peter Drucker que ele está velho demais para entender o que vem por aí. Em março de 97, a revista Forbes escrevia dele: "Apesar de estar com 87 anos, Drucker pode ser considerado um dos mais jovens pensadores da América, com um pensamento dos mais cristalinos."

Drucker escreveu, "A próxima Revolução da Informação já está acontecendo. Mas não está acontecendo onde os cientistas da Informação, os executivos da informação e a indústria da Informação de maneira geral estão procurando. Não se trata de uma revolução de tecnologia, maquinário, técnicas, software ou velocidade. É uma revolução de conceitos". Isto me deixa mais aliviado. Vou guardar o martelo e o prego. Ainda não chegou a hora de eu pendurar as chuteiras.

(*) Mário Persona é diretor de comunicação da Widesoft, que desenvolve sistemas para facilitar a gestão da cadeia de suprimentos via Internet.