Memórias póstumas
de um profissional
da nova economia
Mario Persona (*)
Colaborador
A matéria
na revista (N.E.: Exame, primeira quinzena de fevereiro/2000) está
dizendo que a morte começa aos quarenta. Ajusto meus óculos
de lentes multifocais para ter certeza de que foi isto que li. Foi. Na
semana em que completo 45 primaveras - ou seriam invernos? - a leitura
do artigo me dá vertigens. Deve ser a pressão. Teria eu morrido
há cinco anos e esquecido de me deitar? Ou terá sido o excesso
de café que não deixou que eu dormisse?
Fico na dúvida se devo ou
não cancelar minha festa de aniversário. Se fizer calor,
os convidados podem não querer vir. E se fizer frio, podem vir mais
por interesse. Com quarenta e cinco velas queimando em cima do bolo, vão
preferir estar ali do que em suas casas sem aquecimento. Devem estar contando
com meu pouco fôlego, incapaz de dar conta de todas aquelas velas.
Aliás, já avisei minha esposa para não usar essas
velas que voltam a acender depois de apagadas. Posso até conseguir
apagar as quarenta e cinco na primeira vez. Na segunda vez, quem apaga
sou eu.
Sinto um certo alívio quando
constato que a matéria fala de morte profissional. Mesmo assim,
uma participante da lista de debates WideBiz tomou as dores dos anciãos
- a maior parte delas causada por problemas circulatórios - e teceu
alguns comentários sobre o assunto. Mesmo sem estar na faixa crítica,
já que se descreveu
como alguém com 35 anos,
corpinho de 20 e cabeça de 15. Se quarenta é o Cabo da Boa
Esperança profissional, no meu caso devo fazer o cálculo
inverso. Aos 45, estou com um corpinho de 60 e cabeça de 85. Sem
qualquer chance de ser útil.
"Póstumas"? - Mas,
então, o que estou fazendo aqui, escrevendo sobre Internet, negócios
e tendências na nova economia, com essa idade toda? Quando completei
quarenta anos, eu nem usava Internet. Hoje mais de duas dezenas de sites,
jornais e revistas publicam minha coluna. Começo a pensar que meus
leitores só fingem que lêem. E os jornais devem publicar porque
a preocupação com o social está na moda. Querem fazer
um velhinho feliz. Saio em busca de meu martelo e de um prego.
Fico confuso ao receber um telefonema.
É da empresa que organiza um evento onde darei uma palestra. "Mario,
veja que interessante" - diz a voz - "só agora reparei que todos
os palestrantes serão grisalhos!" Não, o evento não
acontece em um asilo. É um encontro importante de profissionais
de grandes empresas. Talvez ainda exista gente querendo escutar os mais
velhos. Eu mesmo costumava buscar o conselho de meu pai, mesmo quando ele
já estava com metade do cérebro comprometido por um derrame.
Tinha algo ali que só os anos podem produzir. Experiência
e sabedoria.
As estrelas das fortunas-ponto-com
são hoje garotos imberbes. Isto ajuda a servir de estímulo
para o mercado preferir as cabeças mais oxigenadas. E preterir as
cabeças brancas. Mas, antes que sua empresa decida fazer a triagem
pela cor dos cabelos - ou pela falta deles - é bom dar uma olhada
nos bastidores. Longe dos holofotes, você vai descobrir grisalhos
criando condições para que as idéias jovens se transformem
em negócios milionários. Estão apostando nesses jovens,
financiando suas aventuras, e aplaudindo seus sucessos. Uma sinergia que
acontece até neste artigo. O título foi idéia de meu
filho de 17 anos.
Parâmetro? - É
verdade que, após uma certa idade, muitos profissionais se acomodam
e acabam avessos a mudanças. Passam a ser uma ameaça à
sobrevivência de uma empresa em um mundo em constante mutação.
Aconteceu durante a informatização das empresas. Está
acontecendo de novo com a internetização das empresas. Mas
é bom tomar cuidado para não fazer da idade o parâmetro
de seleção profissional, e cair vítima de um novo
paradigma. O caminho mais fácil é colocar o foco na certidão
de nascimento, mas o que qualifica um profissional para a nova economia
é a certidão de conhecimento.
Se não for, é melhor
alguém ir avisar o Peter Drucker que ele está velho demais
para entender o que vem por aí. Em março de 97, a revista
Forbes
escrevia dele: "Apesar de estar com 87 anos, Drucker pode ser considerado
um dos mais jovens pensadores da América, com um pensamento dos
mais cristalinos."
Drucker escreveu, "A próxima
Revolução da Informação já está
acontecendo. Mas não está acontecendo onde os cientistas
da Informação, os executivos da informação
e a indústria da Informação de maneira geral estão
procurando. Não se trata de uma revolução de tecnologia,
maquinário, técnicas, software ou velocidade. É
uma revolução de conceitos". Isto me deixa mais aliviado.
Vou guardar o martelo e o prego. Ainda não chegou a hora de eu pendurar
as chuteiras.
(*) Mário
Persona é diretor de comunicação da Widesoft,
que desenvolve sistemas para facilitar a gestão da cadeia de suprimentos
via Internet. |