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Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 02/16/00 21:30:50
Uma casa muito engraçada 

Mario Persona (*)
Colaborador

Nos últimos poucos anos de Internet, as listas de discussão por e-mail ajudaram a formar comunidades virtuais que se transformaram em grandes geradores e disseminadores de conhecimento. Participo de uma lista assim, chamada WideBiz, que reúne profissionais de diversas áreas com interesse em negócios na rede. Ali, o pessoal se reúne para discutir, trocar informações e criar parcerias de negócios, mesmo sem nunca terem se encontrado fora do mundo virtual. Ao contrário de um "chat", ou bate-papo online, o diálogo por e-mail permite que se tenha mais tempo para ler, refletir, pesquisar e responder. Com calma, ou sem ela se o assunto for polêmico.

Alguém menos acostumado ao convívio virtual pode achar isto um desperdício de conhecimento que poderia se vendido na forma de consultoria. Quem pensa assim ainda não enxergou o valor de uma amostra grátis. A amostra dá uma idéia clara do que o profissional ou a empresa tem a oferecer. Primeiro dar, depois receber, tem sido o lema desde o início da Web. Na rede, distribuir conhecimento grátis não é caridade. É marketing. Os laboratórios farmacêuticos entendem do assunto. Há décadas seus representantes visitam profissionais de saúde, levando malas cheias de irresistíveis amostras grátis. Ao invés de fazerem caridade, estão defendendo os
frascos e comprimidos.

Por isso existe tanta coisa grátis na Web - software, música, games, revistas e até conhecimento profissional. O conhecimento é o produto do profissional, portanto nada mais óbvio do que distribuir amostras grátis daquilo que vende. Além das listas de discussão, outra forma eficiente de marketing para o profissional é a disseminação de seu conhecimento também em entrevistas online e artigos espalhados pela rede. O melhor slogan hoje para qualquer pessoa ou empresa promover seu trabalho na rede é: "eu falo e assino embaixo". Com endereço de e-mail e link para seu site na assinatura, evidentemente.

Cabeça de Web - A falta dessa consciência do trabalho em rede não cria dificuldades apenas para o profissional que quer debutar na nova economia. Isso dá um trabalho tremendo para as empresas de recursos humanos que procuram profissionais com cabeça de Web. Nada mais natural, se entendermos a transição que nossa sociedade está vivendo. Imagine que você é um head hunter vivendo no século 18. "Tem alguém aí que saiba tocar uma indústria?", pergunta você a um grupo de camponeses. "É como tocar gado?", indaga um interessado. A versão contemporânea disto é o anúncio de jornal solicitando que os currículos sejam enviados por e-mail. Um candidato a profissional Web liga e pergunta, "Posso enviar por fax?"

No início da Internet, pensava-se que nas fileiras dessa revolução só haveria lugar para profissionais de informática. Afinal, foram eles que criaram a estrutura que tornou viável a rede. Mas, o que tem ficado claro é que o profissional da nova economia precisa ter uma formação mais eclética. Precisa ser alguém que entenda como se relacionar em uma sociedade conectada, como usar um bem intangível,
a informação, para produzir bens tangíveis e gerar riqueza.

O profissional plugado precisa ter uma visão macro de negócios. Não basta ser alguém que utilize a Internet. Se olhar para ela como quem olha para uma enciclopédia em CD ou um novo game, esqueça. No século 18, todo mundo usava chaleira. Mas poucos enxergaram nela a locomotiva.

Sem recheio - Não é incomum uma empresa de Internet contratar um profissional que parece entender do assunto, para depois descobrir que falta o recheio. Geralmente é aquele que adota um vocabulário ponto.com para tentar mostrar que entende do assunto. Mas logo se percebe que ele age para com a Web como um leigo em exposição de arte moderna. Faz que entende, dá dois passos para trás, respira fundo, e comenta para as pessoas ao lado: "Incrível, não? Que cores! Que forma! Que detalhes!" Até que alguém mais corajoso avisa: "Moço, isso aí é a porta!".

Na lista de discussão WideBiz, médicos compartilham o futuro da telemedicina e os cuidados para quem faz teletrabalho. Profissionais de marketing ensinam como uma empresa pode ser vista na Web. Jornalistas divulgam as entrelinhas das notícias.
Advogados, alertam para questões legais dos negócios virtuais. E até arquitetos, como eu. 

Mas, o que faz um arquiteto ali? Bem, na falta de uma explicação melhor, diria que tento projetar uma comunidade na Web. Algo parecido com a casa da música do Vinícius. Ela pode ser uma casa muito engraçada para alguns, por não ter
paredes, nem teto, nem chão, nem nada. E nem pinico para fazer pipi. Mas, como a música ensina, nenhum profissional vai poder dormir na rede, nesta casa feita com muito esmero. Senão vai acabar na rua. A rua dos bobos, número zero.

(*) Mário Persona é diretor de comunicação da Widesoft, que desenvolve sistemas para facilitar a gestão da cadeia de suprimentos via Internet.