Uma casa muito engraçada
Mario Persona (*)
Colaborador
Nos últimos
poucos anos de Internet, as listas de discussão por e-mail ajudaram
a formar comunidades virtuais que se transformaram em grandes geradores
e disseminadores de conhecimento. Participo de uma lista assim, chamada
WideBiz,
que reúne profissionais de diversas áreas com interesse em
negócios na rede. Ali, o pessoal se reúne para discutir,
trocar informações e criar parcerias de negócios,
mesmo sem nunca terem se encontrado fora do mundo virtual. Ao contrário
de um "chat", ou bate-papo online, o diálogo por e-mail permite
que se tenha mais tempo para ler, refletir, pesquisar e responder. Com
calma, ou sem ela se o assunto for polêmico.
Alguém menos acostumado ao
convívio virtual pode achar isto um desperdício de conhecimento
que poderia se vendido na forma de consultoria. Quem pensa assim ainda
não enxergou o valor de uma amostra grátis. A amostra dá
uma idéia clara do que o profissional ou a empresa tem a oferecer.
Primeiro dar, depois receber, tem sido o lema desde o início da
Web. Na rede, distribuir conhecimento grátis não é
caridade. É marketing. Os laboratórios farmacêuticos
entendem do assunto. Há décadas seus representantes visitam
profissionais de saúde, levando malas cheias de irresistíveis
amostras grátis. Ao invés de fazerem caridade, estão
defendendo os
frascos e comprimidos.
Por isso existe tanta coisa grátis
na Web - software, música, games, revistas e até conhecimento
profissional. O conhecimento é o produto do profissional, portanto
nada mais óbvio do que distribuir amostras grátis daquilo
que vende. Além das listas de discussão, outra forma eficiente
de marketing para o profissional é a disseminação
de seu conhecimento também em entrevistas online e artigos espalhados
pela rede. O melhor slogan hoje para qualquer pessoa ou empresa promover
seu trabalho na rede é: "eu falo e assino embaixo". Com endereço
de e-mail e link para seu site na assinatura, evidentemente.
Cabeça de Web - A falta
dessa consciência do trabalho em rede não cria dificuldades
apenas para o profissional que quer debutar na nova economia. Isso dá
um trabalho tremendo para as empresas de recursos humanos que procuram
profissionais com cabeça de Web. Nada mais natural, se entendermos
a transição que nossa sociedade está vivendo. Imagine
que você é um head hunter vivendo no século 18. "Tem
alguém aí que saiba tocar uma indústria?", pergunta
você a um grupo de camponeses. "É como tocar gado?", indaga
um interessado. A versão contemporânea disto é o anúncio
de jornal solicitando que os currículos sejam enviados por e-mail.
Um candidato a profissional Web liga e pergunta, "Posso enviar por fax?"
No início da Internet, pensava-se
que nas fileiras dessa revolução só haveria lugar
para profissionais de informática. Afinal, foram eles que criaram
a estrutura que tornou viável a rede. Mas, o que tem ficado claro
é que o profissional da nova economia precisa ter uma formação
mais eclética. Precisa ser alguém que entenda como se relacionar
em uma sociedade conectada, como usar um bem intangível,
a informação, para
produzir bens tangíveis e gerar riqueza.
O profissional plugado precisa ter
uma visão macro de negócios. Não basta ser alguém
que utilize a Internet. Se olhar para ela como quem olha para uma enciclopédia
em CD ou um novo game, esqueça. No século 18, todo mundo
usava chaleira. Mas poucos enxergaram nela a locomotiva.
Sem recheio - Não é
incomum uma empresa de Internet contratar um profissional que parece entender
do assunto, para depois descobrir que falta o recheio. Geralmente é
aquele que adota um vocabulário ponto.com para tentar mostrar
que entende do assunto. Mas logo se percebe que ele age para com a Web
como um leigo em exposição de arte moderna. Faz que entende,
dá dois passos para trás, respira fundo, e comenta para as
pessoas ao lado: "Incrível, não? Que cores! Que forma! Que
detalhes!" Até que alguém mais corajoso avisa: "Moço,
isso aí é a porta!".
Na lista de discussão WideBiz,
médicos compartilham o futuro da telemedicina e os cuidados para
quem faz teletrabalho. Profissionais de marketing ensinam como uma empresa
pode ser vista na Web. Jornalistas divulgam as entrelinhas das notícias.
Advogados, alertam para questões
legais dos negócios virtuais. E até arquitetos, como eu.
Mas, o que faz um arquiteto ali?
Bem, na falta de uma explicação melhor, diria que tento projetar
uma comunidade na Web. Algo parecido com a casa da música do Vinícius.
Ela pode ser uma casa muito engraçada para alguns, por não
ter
paredes, nem teto, nem chão,
nem nada. E nem pinico para fazer pipi. Mas, como a música ensina,
nenhum profissional vai poder dormir na rede, nesta casa feita com muito
esmero. Senão vai acabar na rua. A rua dos bobos, número
zero.
(*) Mário
Persona é diretor de comunicação da Widesoft,
que desenvolve sistemas para facilitar a gestão da cadeia de suprimentos
via Internet. |