Eu sou free, sempre free
Mario Persona (*)
Colaborador
A polêmica
em torno da oferta de acesso grátis à Internet tem ocupado
o assento nobre na mídia. E não é só no Brasil
que isto acontece. O jornal Los Angeles Times levantou a questão
do futuro da AOL, o maior provedor do mundo, diante da concorrência
do acesso gratuito lá nos EUA. A matéria alega que os usuários
de Internet poderão preferir abrir mão de um pouco de privacidade,
em troca da economia no acesso. Abrir mão da privacidade significa
permitir que os provedores utilizem suas informações pessoais
para vender propaganda dirigida. É a versão high-tech do
aviso aos navegantes.
A matéria do Los Angeles
Times coloca a Internet grátis como uma ameaça igualmente
perigosa para grandes e pequenos provedores. O segundo maior provedor do
mundo, depois da AOL, é o grátis NetZero, hoje com um sexto
do número de assinantes da AOL. Sua sobrevivência depende
muito das informações que consegue colher dos usuários,
para vender propaganda personalizada. Segundo o jornal, "o NetZero oferece
aos anunciantes a chance de adquirir um míssil de propaganda, projetado
para estourar quando um usuário vê uma determinada informação
na Web."
Prover acesso à Internet envolve
custos com links, linhas telefônicas, equipamentos e pessoal especializado
para dar suporte aos usuários. Além do marketing, que continua
pago mesmo para anunciar serviços grátis. A menos que os
custos caiam
drasticamente, o que é barato
para o navegante vai sair caro para o dono do navio. Pelas previsões
dos próprios provedores de acesso free, vai ser preciso lastro para
aguentar uma viagem de três a cinco anos na base da bolacha de água
e sal. Antes de poderem comer caviar no novo continente da lucratividade.
Comparação -
A AOL tem hoje dezoito milhões de assinantes no mundo, com os quais
fatura uma média de vinte dólares mensais por cabeça.
A NetZero contabiliza três milhões de usuários, com
um faturamento médio de setenta centavos per capita, obtido da venda
de espaço para propaganda. Não é preciso fazer as
contas para se concluir que o rombo no casco da NetZero deve ser de alguns
milhões de dólares, já que ninguém conseguiria
prover acesso a um preço semelhante. Dá-lhe bolacha de água
e sal, porque a viagem vai ser longa!
No mar da incerteza há naus
de todos os tipos e tamanhos, cada uma seguindo uma bússola diferente.
Mas todas querendo acreditar que o vento irá soprar na direção
que escolheram. O grande galeão da AOL abastece seus porões
com conteúdo, ao adquirir a Time Warner. As naus da turma do free,
pilotadas até por banqueiros, içam suas velas, confiantes
que irão fazer América. No caso, On Line. Pequenos veleiros,
jangadas, barcos a remo e até pedalinhos estão aceitando
qualquer brisa que garanta sua sobrevivência. Enquanto isso, usuários
e anunciantes pulam de barco em barco.
Esta semana resolvi cortar o cabelo.
Passei em frente a um salão quase de graça para ir a outro
que cobra umas quatro vezes mais. Luxo? Não, qualidade. Há
quem queira acesso grátis, puro e simples. Sem poder exigir coisa
alguma além do que estiver disponível. É pegar ou
largar. De cavalo dado não se olha os dentes. Outros procuram por
serviço, conteúdo, qualidade e, principalmente, comprometimento
da parte do provedor. Porque pagam, podem exigir. Outros querem um serviço
personalizado, um provedor do tipo alfaiate.
Castas? - A dificuldade está
em saber se essa divisão não irá criar classes de
Internet. Na mesma ordem, o sopão social, o fast food e o serviço
à la carte. Alguns acreditam que haverá várias Internets.
Uma versão virtual dos bairros de uma cidade grande, desde aquelas
vizinhanças pouco recomendáveis, passando por outras paragens,
até chegar aos condomínios de luxo. A diferença ficaria
por conta dos preços, serviços e qualidade de vida online.
Mas não é só
de usuários que os provedores de acesso sobrevivem. Quem anuncia
também faz parte da equação. No caso dos provedores
grátis, o número de usuários é o principal
argumento para a venda de espaço para propaganda. Mais usuários,
mais anunciantes para propaganda dirigida, mais lucratividade. Será?
Se você fosse um anunciante,
iria preferir investir em um provedor grátis, cuja base de usuários
é formada por gente que não está disposta a gastar,
ou em um provedor pago, no qual a seleção natural deixou
somente clientes com poder aquisitivo e disposição para pagar
pelo que consomem? Se a maioria preferir anunciar em um provedor pago,
a Internet grátis poderá ter sérios problemas. O free
é pago por investidores. E quando estes perguntarem por que o provedor
não está dando o retorno esperado, ele só poderá
responder: "Eu sou free demais!".
(*) Mário
Persona é diretor de comunicação da Widesoft,
que desenvolve sistemas para facilitar a gestão da cadeia de suprimentos
via Internet. |