Meu carro sujo de barro
Mário Persona (*)
Colaborador
Meu primeiro
automóvel foi um Alfa Romeo Giulia GT Junior 1300 cc, branco, modelo
esporte, lindo, com aquela luzinha pisca-pisca parecendo um botão
colorido na lateral dianteira. Pelo menos era assim que eu enxergava meu
Ford Corcel Sedan 74, depois de furar a lataria e instalar o pisca-pisca,
única semelhança com a máquina italiana. Ter meu próprio
carro foi minha liberdade incondicional por bom comportamento. Adeus às
caminhadas, adeus ao ônibus ou ao carro do pai. Agora eu podia esnobar,
girando no dedo o meu próprio chaveiro.
Motorizado, eu podia passar rapidamente
a tropa em revista - exibir minha ilustre presença nos vários
pontos da cidade onde a turma costumava ficar - ou simplesmente estacionar
onde a conversa estivesse mais interessante, encostado no Corcel e levemente
inclinado sobre o capô. Se você já foi jovem, conhece
todas as poses. E se tiver a minha idade, aposto como fez isso de calça
boca-de-sino.
O mais importante era poder me relacionar
com muito mais gente em muito menos tempo. Bastava eu decidir, e o "corcelzinho"
já estava dando partida e seguindo rumo a novas amizades. Na mobilidade
estava o segredo do sucesso, uma filosofia bastante explorada pela própria
indústria automotiva e pela cultura que esta criou na civilização
como a conhecemos hoje.
Ritmo - A história
parece mostrar que há muito tempo essa indústria corre em
busca de melhores sistemas de comunicação de dados para otimizar
seus processos e reduzir seus estoques. Estoques nada pequenos ou simples
de se gerenciar, pelo grande número de itens envolvidos. Se todo
mundo sabe com quantos paus se faz uma canoa, pouca gente sabe com quantas
peças se monta um automóvel.
Correr no mesmo ritmo das montadoras
e entregar dentro dos prazos tem sido o desafio que os fabricantes de autopeças
vêm tentando resolver. Hoje, a comunicação de dados
entre as grandes montadoras e seus principais fornecedores é feita
por EDI (N.E.: Electronic Data Interchange - troca eletrônica de
dados). Mas, à medida que nos distanciamos do produto final, parece
que cada vez menos fornecedores estão em condições
de suportar os custos de um EDI tradicional. Talvez seja essa a razão
do sucesso que o Web EDI tem alcançado na indústria automotiva.
A Internet veio ajudar a pavimentar
a estrada da comunicação desse segmento, tapando definitivamente
os buracos que antes eram entulhados pelo fax, telefone ou carta. Na cadeia
de suprimentos do setor, qualquer fabricante já pode girar no dedo
o chaveiro de um Web EDI, e fazer pose. Mas isso ainda não é
o Alfa Romeo de um sistema de relacionamento entre empresas que explore
toda a potencialidade da Internet.
Distantes - Enquanto algumas
empresas começam a arranhar o Web EDI, outras ainda vêem a
Internet como moda e, para não ficarem de fora, conectam seus micros,
distribuem contas de e-mail entre os funcionários (com restrições,
como receber artigos como este, por exemplo), e publicam uma bela home-page.
Mas a diferença entre isso,
ou até uma simples troca de dados via Web, e um ambiente que integre
toda a cadeia de suprimentos usando a Internet é tão grande
quanto a distância que separava meu Corcel real do Alfa virtual.
Quem estacionou sua estratégia de TI (N.E.: Tecnologia da Informação)
neste ponto da estrada, não resolveu nem metade do problema. Só
deu um polimento na parte visível do negócio. Quando for
completar o serviço, verá que perdeu tempo e oportunidades.
Pela metade - Foi o que aconteceu
comigo, após voltar de uma pescaria no rio Pirassununga com meu
Corcel coberto de barro. Meu pai, cansado de pedir para que eu lavasse
o carro, resolveu o problema com a criatividade e o bom humor que lhe eram
peculiares.
Um belo sábado, na hora de
meu passeio habitual pelos lugares da moda, vi pela janela da copa o meu
Corcel, limpo e brilhante. Meu pai havia lavado o carrinho. Fui voando
tomar banho, vesti minha melhor roupa e... caí do cavalo. Neste
caso, do Corcel.
Ao sair de casa descobri que meu
pai havia lavado exatamente a metade do carro visível pela janela
da copa. Passear com o carro daquele jeito seria me expor ao ridículo.
E, enquanto trocava de roupa para completar o serviço, só
me restava lamentar o tempo e as oportunidades que estava perdendo.
(*) Mário
Persona é diretor de comunicação da Widesoft,
que desenvolve sistemas para facilitar a gestão da cadeia de suprimentos
via Internet. |