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Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 01/16/00 19:47:35
Meu carro sujo de barro

Mário Persona (*)
Colaborador

Meu primeiro automóvel foi um Alfa Romeo Giulia GT Junior 1300 cc, branco, modelo esporte, lindo, com aquela luzinha pisca-pisca parecendo um botão colorido na lateral dianteira. Pelo menos era assim que eu enxergava meu Ford Corcel Sedan 74, depois de furar a lataria e instalar o pisca-pisca, única semelhança com a máquina italiana. Ter meu próprio carro foi minha liberdade incondicional por bom comportamento. Adeus às caminhadas, adeus ao ônibus ou ao carro do pai. Agora eu podia esnobar, girando no dedo o meu próprio chaveiro.

Motorizado, eu podia passar rapidamente a tropa em revista - exibir minha ilustre presença nos vários pontos da cidade onde a turma costumava ficar - ou simplesmente estacionar onde a conversa estivesse mais interessante, encostado no Corcel e levemente inclinado sobre o capô. Se você já foi jovem, conhece todas as poses. E se tiver a minha idade, aposto como fez isso de calça boca-de-sino.

O mais importante era poder me relacionar com muito mais gente em muito menos tempo. Bastava eu decidir, e o "corcelzinho" já estava dando partida e seguindo rumo a novas amizades. Na mobilidade estava o segredo do sucesso, uma filosofia bastante explorada pela própria indústria automotiva e pela cultura que esta criou na civilização como a conhecemos hoje.

Ritmo - A história parece mostrar que há muito tempo essa indústria corre em busca de melhores sistemas de comunicação de dados para otimizar seus processos e reduzir seus estoques. Estoques nada pequenos ou simples de se gerenciar, pelo grande número de itens envolvidos. Se todo mundo sabe com quantos paus se faz uma canoa, pouca gente sabe com quantas peças se monta um automóvel.

Correr no mesmo ritmo das montadoras e entregar dentro dos prazos tem sido o desafio que os fabricantes de autopeças vêm tentando resolver. Hoje, a comunicação de dados entre as grandes montadoras e seus principais fornecedores é feita por EDI (N.E.: Electronic Data Interchange - troca eletrônica de dados). Mas, à medida que nos distanciamos do produto final, parece que cada vez menos fornecedores estão em condições de suportar os custos de um EDI tradicional. Talvez seja essa a razão do sucesso que o Web EDI tem alcançado na indústria automotiva.

A Internet veio ajudar a pavimentar a estrada da comunicação desse segmento, tapando definitivamente os buracos que antes eram entulhados pelo fax, telefone ou carta. Na cadeia de suprimentos do setor, qualquer fabricante já pode girar no dedo o chaveiro de um Web EDI, e fazer pose. Mas isso ainda não é o Alfa Romeo de um sistema de relacionamento entre empresas que explore toda a potencialidade da Internet.

Distantes - Enquanto algumas empresas começam a arranhar o Web EDI, outras ainda vêem a Internet como moda e, para não ficarem de fora, conectam seus micros, distribuem contas de e-mail entre os funcionários (com restrições, como receber artigos como este, por exemplo), e publicam uma bela home-page. 

Mas a diferença entre isso, ou até uma simples troca de dados via Web, e um ambiente que integre toda a cadeia de suprimentos usando a Internet é tão grande quanto a distância que separava meu Corcel real do Alfa virtual. Quem estacionou sua estratégia de TI (N.E.: Tecnologia da Informação) neste ponto da estrada, não resolveu nem metade do problema. Só deu um polimento na parte visível do negócio. Quando for completar o serviço, verá que perdeu tempo e oportunidades.

Pela metade - Foi o que aconteceu comigo, após voltar de uma pescaria no rio Pirassununga com meu Corcel coberto de barro. Meu pai, cansado de pedir para que eu lavasse o carro, resolveu o problema com a criatividade e o bom humor que lhe eram peculiares. 

Um belo sábado, na hora de meu passeio habitual pelos lugares da moda, vi pela janela da copa o meu Corcel, limpo e brilhante. Meu pai havia lavado o carrinho. Fui voando tomar banho, vesti minha melhor roupa e... caí do cavalo. Neste caso, do Corcel. 

Ao sair de casa descobri que meu pai havia lavado exatamente a metade do carro visível pela janela da copa. Passear com o carro daquele jeito seria me expor ao ridículo. E, enquanto trocava de roupa para completar o serviço, só me restava lamentar o tempo e as oportunidades que estava perdendo.

(*) Mário Persona é diretor de comunicação da Widesoft, que desenvolve sistemas para facilitar a gestão da cadeia de suprimentos via Internet.