Abrindo novas portas
Mário Persona (*)
Colaborador
Meu tio
costumava contar uma história passada em sua cidade, na década
de 50. Procurado por um cliente que nada entendia de automóveis,
e que queria comprar um carro quatro portas, um vendedor ofereceu-lhe um
modelo ano quarenta e alguma coisa. Como todo bom automóvel usado,
era de um único dono, que só usava o veículo para
levar os filhos à escola etc. etc. E o carrinho parecia mesmo bem
conservado, graças a uma reforma após atropelar uma vaca.
Mas havia um detalhe: era um cupê, um modelo duas portas.
Chateado por não encontrar
no carro todas as portas que queria, mas deslumbrado demais com a compra
do primeiro carro, o cliente acabou aceitando a explicação
do vendedor. Segundo este, qualquer funileiro da cidade poderia acrescentar
mais duas portas ao veículo. E o custo final ficaria bem abaixo
do que ele teria pago por um modelo quatro portas. Foi só depois
de peregrinar pelas oficinas do lugar que o pobre homem se convenceu de
que havia sido logrado. Mas aí ele já tinha virado motivo
de piada na cidade.
Novas regras - Hoje, aquele
comprador iria poder usar a Internet para "montar" seu carro na tela do
computador, com quantas portas quisesse. Se naquele tempo o cliente era
obrigado a engolir o que a indústria tinha a oferecer, hoje as regras
mudaram. Quem produz descobriu que é um ótimo negócio
ouvir o cliente. E, quanto mais perto o ouvido da indústria estiver
da boca de quem compra, melhor será a qualidade da resposta e maior
a fatia de mercado conquistada.
Graças à Internet,
o cliente já pode exercer sua influência, desde o desenvolvimento
do produto até a entrega, deixando sua marca ao longo de toda a
cadeia de suprimentos. Na nova economia, o clicar do mouse de um cliente
conectado à Internet tem o poder de acionar o processo produtivo.
Ao invés da fábrica determinar quantas portas o carro vai
ter, é o cliente quem vai decidir isso. E seu recado vai chegar
até mesmo aos fabricantes de maçaneta que fornecem para a
montadora. Agora, quem abre as portas para novos negócios é
o cliente.
Um processo de fabricação
totalmente integrado, dentro de uma supply-chain (N.E.: cadeia de
suprimentos) com clientes e fornecedores interagindo como se estivessem
na sala ao lado, é hoje prioridade na indústria automobilística.
Os fabricantes querem seguir o exemplo de empresas de hardware que já
conseguem montar um micro em poucas horas, seguindo as especificações
clicadas pelo cliente. E tendo como único intermediário o
correio ou a transportadora.
Sem intermediação
- Segundo as palavras de Richard Wargoner Jr., presidente da General Motors,
"a Internet altera fundamentalmente o modo como o negócio é
conduzido". Ainda segundo Wargoner, a GM pretende investir pesado na Internet,
"para aprimorar o modo como nos relacionamos com o cliente". Se tudo correr
nessa direção, ainda vamos ver a indústria automobilística
eliminar pedágios na viagem que o veículo faz da fábrica
ao consumidor final. É o vale-tudo da redução de custos
para não perder mercado. Mas o que acontecerá aos revendedores,
se os clientes puderem comprar direto da fábrica?
A resposta dada a um repórter
por Mark T. Hogan, eleito vice-presidente da GM e líder do projeto
e-GM, não deixa dúvidas: "Eles são homens de negócios",
declarou Hogan, "e alguns talvez não concordem. Nesse caso, terá
que haver a separação".
Desaparece o revendedor? Creio que
não, se ele entender que seu produto nunca foi o carro, mas o conhecimento
que tem do mercado e de como interagir com ele. Aqueles que souberem fazer
uso desse conhecimento descobrirão novas portas de negócios.
E, por falar em portas, o nosso amigo
da história que contei acabou se acostumando com seu carro de duas
portas. Mas por um bom tempo precisou suportar a gozação
e o aborrecimento de ter que lavar seu veículo com uma frequência
maior que o normal. É que todas as manhãs duas novas portas
apareciam nas laterais de seu carro, desenhadas a giz pela criançada
a caminho da escola.
(*) Mário
Persona é diretor de comunicação da Widesoft,
que desenvolve sistemas para facilitar a gestão da cadeia de suprimentos
via Internet. |