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Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 01/16/00 19:25:40
Abrindo novas portas

Mário Persona (*)
Colaborador

Meu tio costumava contar uma história passada em sua cidade, na década de 50. Procurado por um cliente que nada entendia de automóveis, e que queria comprar um carro quatro portas, um vendedor ofereceu-lhe um modelo ano quarenta e alguma coisa. Como todo bom automóvel usado, era de um único dono, que só usava o veículo para levar os filhos à escola etc. etc. E o carrinho parecia mesmo bem conservado, graças a uma reforma após atropelar uma vaca. Mas havia um detalhe: era um cupê, um modelo duas portas.

Chateado por não encontrar no carro todas as portas que queria, mas deslumbrado demais com a compra do primeiro carro, o cliente acabou aceitando a explicação do vendedor. Segundo este, qualquer funileiro da cidade poderia acrescentar mais duas portas ao veículo. E o custo final ficaria bem abaixo do que ele teria pago por um modelo quatro portas. Foi só depois de peregrinar pelas oficinas do lugar que o pobre homem se convenceu de que havia sido logrado. Mas aí ele já tinha virado motivo de piada na cidade. 

Novas regras - Hoje, aquele comprador iria poder usar a Internet para "montar" seu carro na tela do computador, com quantas portas quisesse. Se naquele tempo o cliente era obrigado a engolir o que a indústria tinha a oferecer, hoje as regras mudaram. Quem produz descobriu que é um ótimo negócio ouvir o cliente. E, quanto mais perto o ouvido da indústria estiver da boca de quem compra, melhor será a qualidade da resposta e maior a fatia de mercado conquistada.

Graças à Internet, o cliente já pode exercer sua influência, desde o desenvolvimento do produto até a entrega, deixando sua marca ao longo de toda a cadeia de suprimentos. Na nova economia, o clicar do mouse de um cliente conectado à Internet tem o poder de acionar o processo produtivo. Ao invés da fábrica determinar quantas portas o carro vai ter, é o cliente quem vai decidir isso. E seu recado vai chegar até mesmo aos fabricantes de maçaneta que fornecem para a montadora. Agora, quem abre as portas para novos negócios é o cliente.

Um processo de fabricação totalmente integrado, dentro de uma supply-chain (N.E.: cadeia de suprimentos) com clientes e fornecedores interagindo como se estivessem na sala ao lado, é hoje prioridade na indústria automobilística. Os fabricantes querem seguir o exemplo de empresas de hardware que já conseguem montar um micro em poucas horas, seguindo as especificações clicadas pelo cliente. E tendo como único intermediário o correio ou a transportadora.

Sem intermediação - Segundo as palavras de Richard Wargoner Jr., presidente da General Motors, "a Internet altera fundamentalmente o modo como o negócio é conduzido". Ainda segundo Wargoner, a GM pretende investir pesado na Internet, "para aprimorar o modo como nos relacionamos com o cliente". Se tudo correr nessa direção, ainda vamos ver a indústria automobilística eliminar pedágios na viagem que o veículo faz da fábrica ao consumidor final. É o vale-tudo da redução de custos para não perder mercado. Mas o que acontecerá aos revendedores, se os clientes puderem comprar direto da fábrica? 

A resposta dada a um repórter por Mark T. Hogan, eleito vice-presidente da GM e líder do projeto e-GM, não deixa dúvidas: "Eles são homens de negócios", declarou Hogan, "e alguns talvez não concordem. Nesse caso, terá que haver a separação".

Desaparece o revendedor? Creio que não, se ele entender que seu produto nunca foi o carro, mas o conhecimento que tem do mercado e de como interagir com ele. Aqueles que souberem fazer uso desse conhecimento descobrirão novas portas de negócios.

E, por falar em portas, o nosso amigo da história que contei acabou se acostumando com seu carro de duas portas. Mas por um bom tempo precisou suportar a gozação e o aborrecimento de ter que lavar seu veículo com uma frequência maior que o normal. É que todas as manhãs duas novas portas apareciam nas laterais de seu carro, desenhadas a giz pela criançada a caminho da escola.

(*) Mário Persona é diretor de comunicação da Widesoft, que desenvolve sistemas para facilitar a gestão da cadeia de suprimentos via Internet.