Você sabe com quem está
falando?
Mário Persona (*)
Colaborador
Certa vez,
vendi um apartamento e recebi o pagamento por transferência bancária.
O dia da abertura de minha conta, na agência onde meu dinheiro ficaria
aplicado, foi uma data especial. Se não havia banda tocando, com
certeza era porque o gerente não tinha conseguido contratar uma.
Mas não faltava festa. O gerente me abraçava, me elogiava,
sorria e, se tivesse uma cauda, ele a estaria abanando, tal era sua felicidade.
O que ele não sabia era que
meu dinheiro não iria esquentar no banco por muito tempo. Com parte
do dinheiro comprei um terreno e comecei a construir minha casa, e quem
já construiu sabe que o primeiro ralo que o pedreiro faz - aquele
por onde escoa o dinheiro - é o que funciona melhor. Os outros ralos
são aqueles que desafiarão a lei da gravidade, repelindo
a água que deveria sair por eles. Mas isto você só
descobre quando já está morando na casa.
Enquanto as paredes subiam e meu
saldo descia, logo vi que não iria durar aquela admiração
que o gerente nutria por mim. Dos abraços regados a café,
passamos a nos cumprimentar com um aperto de mão, depois com um
"bom dia", um sinal dado de longe, um leve aceno de cabeça, até
eu circular pela agência com aquela qualidade que os alquimistas
dariam a vida para conseguir: a invisibilidade.
O erro - Aquele gerente errou
tratando-me pelo saldo que eu tinha, não pelo que eu viria a ter.
Bem, sejamos honestos... do que eu ainda pretendo vir a ter. É certo
que minha conta ali foi ficando cada vez mais vermelha, à medida
que a construção prosseguia, porém um dia aquilo podia
mudar. Hoje não sou mais cliente daquele banco. Não esperava
que o gerente vivesse me bajulando, mas se não conseguia enxergar
em mim uma fonte de lucro imediato, podia ter me considerado um cliente
potencial.
Essa lente "potencial" deve estar
sempre diante dos olhos de quem faz negócios. Lembro-me de ter visto
um gerente tratar com desdém uma senhora durante uma negociação.
Irritada, a mulher retrucou com uma frase que gravei bem: "O senhor sabe
com quem está falando? Sou uma mulher potencial!". Nunca tinha ouvido
alguém dizer que era potencial, mas, pelo que soube depois, ela
podia se tornar a herdeira de um irmão milionário.
A rapidez com que as coisas acontecem
na Internet criou uma mentalidade imediatista. Isso tem criado negócios
de rapina, coisa de abutre que come primeiro o olho da vítima para
ela não enxergar o estrago que vem depois. Para muitos, a Internet
virou receita de pastel de vento. O que importa não é o recheio,
mas a casca de supostos clientes impressionando os investidores do mercado
de ações. Acredito que, nesta época de mudanças
rápidas, as empresas conseguirão durar se conseguirem criar
um relacionamento igualmente duradouro com seus clientes. Enquanto os negócios
da moda desaparecem, empresas assim permanecerão no cenário
porque enxergaram cada curioso que clicou à sua porta como um cliente
de um potencial inestimável. Alguém que, em hipótese
alguma, deve ser desprezado.
O sujeito - No tempo em que
açúcar ainda era vendido em sacos de papel, o dono de uma
concessionária de caminhões sentiu-se irritado com a presença
de um homem humilde em seu estabelecimento. Calças remendadas e
sujas, pés vermelhos de terra calçando chinelos gastos, e
um embrulho feito com saco de açúcar debaixo do braço,
tudo indicava que ele logo iria começar a pedir esmolas e importunar
os clientes importantes. Antes que acontecesse, o dono da concessionária
tirou do bolso uma boa esmola, e entregou-a ao pobre homem com um gesto
de quem diz: "cai fora".
O homem pegou o dinheiro, enfiou-o
no bolso e, com a maior simplicidade, perguntou o preço de um caminhão.
Depois de ouvir o valor em uma resposta ríspida, caminhou até
a mesa mais próxima e, despejando o conteúdo do saco de açúcar
- maços e mais maços de notas - concluiu: "Vou levar dois".
Era um rico fazendeiro, que não constava na lista de clientes importantes
daquela concessionária.
(*) Mário
Persona é diretor de comunicação da Widesoft,
que desenvolve sistemas para facilitar a gestão da cadeia de suprimentos
via Internet. |