Cultura de Internet
Mário Persona (*)
Colaborador
Quando leio
as estatísticas, elas me dizem que a maioria das vendas que acontecem
hoje online (94%) são vendas que deixaram de ser feitas no comércio
tradicional. Dos US$ 11,9 bilhões que os americanos gastarão
este ano comprando em lojas ou por catálogo, 6% estarão sendo
roubadas
pelo comércio eletrônico. Esse número deve aumentar
significativamente no próximo ano (N.E.: 2000 - este artigo foi
escrito em agosto de 1999), à medida que for acontecendo uma adaptação
cultural, tanto de quem compra como de quem vende.
Números assim estão
atraindo multidões na busca de um novo Eldorado na rede, mas é
bom que esses novos aventureiros saibam de antemão que nessa jornada
irão se deparar com um grande número de baixas pelo caminho.
São os pioneiros do e-commerce, expedicionários mal equipados
e mal informados que descobriram, do modo mais difícil, que para
se vender no mundo virtual ainda existem barreiras a serem contornadas.
Ouvi dizer que provavelmente o Eldorado que os colonizadores espanhóis
tanto procuravam era o milho, um verdadeiro tesouro para o povo da terra,
mas que exigia trabalho que aventureiro algum gosta de encarar.
Fator cultural - Um grande
problema ainda enfrentado na rede é o cultural. Tanto de quem quer
vender como de quem vai comprar. Algo como naquela história dos
dois vendedores de uma indústria de calçados que planejava
se estabelecer em um país do Terceiro Mundo. Os dois foram enviados
para fazer um levantamento de mercado e chegaram a conclusões opostas.
O telegrama que a companhia recebeu do primeiro dizia, "Péssimo
mercado. Aqui ninguém usa sapato. Cancelem o plano." O outro enviou
um telegrama que dizia: "Excelentes oportunidades. Aqui ninguém
ainda tem sapato. Executem o plano."
Antes que você repudie o pessimismo
do primeiro vendedor, e dê seu voto de louvor ao segundo, creio que
ambos estavam errados. O primeiro por não enxergar o potencial do
mercado, e o segundo por não levar em conta a questão cultural.
Em uma situação assim, seria necessário um tempo para
o amadurecimento do mercado. Enquanto isso, tanto os vendedores como os
compradores estariam sendo culturalmente preparados. Quer gostemos ou não,
a Internet ainda não é tão popular quanto a TV ou
o telefone, mas vai ficar. Enquanto isso, tanto a incredulidade no seu
sucesso como o otimismo exagerado devem ser evitados.
Pode levar algum tempo até
que a rede se torne um mercado acessível às massas. Mas isso
não deve ser entendido como algo negativo. Pelo contrário,
a própria rede está dando uma chance aos que investem nela
para também adquirirem cultura de comércio virtual. O mercado,
vendedores e compradores, está amadurecendo como um todo. Agora
é tempo de preparar a terra, adubar, plantar a semente e ir assimilando
as lições aprendidas no processo. Mas não será
em qualquer terra e nem com qualquer semente que se conseguirá uma
boa colheita. E nem sem investimento e dedicação.
A semente - A importância
da questão cultural me faz lembrar o que aconteceu com um amigo
que trabalhou em uma cooperativa agrícola no interior do país.
Era uma região pobre, tanto culturalmente como de recursos, onde
a maioria da população era analfabeta e praticava uma agricultura
de subsistência.
Certo dia, um agricultor entrou na
cooperativa muito bravo, dizendo que as sementes que tinha comprado ali
não prestavam. Tinha preparado a terra e semeado tudo, mas nem mesmo
uma semente do pacote que tinha comprado ali havia germinado. Gritando
que exigia seu dinheiro de volta, jogou a embalagem vazia sobre o balcão.
Meu amigo precisou de muita habilidade para acalmar o agricultor e controlar
a vontade de rir, quando viu sobre o balcão a embalagem de macarrãozinho
para sopa.
(*) Mário
Persona é diretor de comunicação da Widesoft,
que desenvolve sistemas para facilitar a gestão da cadeia de suprimentos
via Internet. Este artigo foi distribuído em agosto de 1999. |