Clique aqui para voltar à página inicial  http://www.novomilenio.inf.br/ano00/0001a031.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 01/15/00 11:49:38
Marco Polo e a cadeia de suprimentos 

Mário Persona (*)
Colaborador

Há alguns anos Marco Polo já vinha acalentando a idéia, um pouco audaciosa para sua época, de abrir a primeira cadeia de massas rápidas de Veneza. Orgulhoso de seu próprio nome e da fama que o futuro poderia trazer, criou a sugestiva marca de "Mc Polo's" para seu empreendimento. A idéia surgiu por ocasião de uma visita a uma feira de negócios na distante China, onde Marco firmou um contrato de franquia com o venerável Ching-Li para a distribuição exclusiva no Ocidente do novíssimo macarrão.

De volta a Veneza, Marco começou a selecionar seus fornecedores. A Mc Polo's passava a fazer parte de uma cadeia de suprimentos, algo que os americanos - que ainda não haviam sido inventados na época - viriam a chamar de supply-chain. A macarronada que o cliente enrolava no garfo começava sua trajetória em um moinho da Sicília, que comprava o trigo em grão de produtores no longínquo Oriente Médio. A entrega da farinha no prazo dependia do relacionamento do moinho com uma tecelagem da Calábria, que fabricavam os sacos com fios de ráfia, uma fibra vegetal comprada do Egito.

O azeite era fornecido por uma fábrica grega, que precisava manter um relacionamento bem lubrificado com os produtores de azeitonas para garantir o escoamento do produto. Como o azeite vinha em barris, na cadeia de suprimentos entrava também um produtor da Turquia, uma serraria da Macedônia e uma empresa bizantina produtora de chapas de metal. O sal vinha do norte da África e os ovos chegavam a Veneza trazidos por um fornecedor da própria Itália. 

A desculpa que costumava dar para a irregularidade no fornecimento era a falta de milho, mas Marco sabia muito bem que o produto não fazia parte de sua cadeia de suprimentos. O milho só passaria a encher o papo das galinhas italianas bem mais tarde, quando Colombo descobrisse a América. Pelo mesmo motivo, o tomate ficaria um bom tempo fora da supply-chain, limitando o cardápio da Mc Polo's à macarronada servida a alho e óleo. Com alhos provenientes do Egito, evidentemente.

Dificuldades - Não demorou para começarem os problemas. Marco logo descobriu que só uma rede eficiente de informação poderia garantir o sucesso de seu empreendimento. A gondolaware que Marco implantou - uma veloz rede de gôndolas utilizando os canais de Veneza como infovia - formava, no máximo, uma rede interna para seu negócio. A falta de uma comunicação rápida com fornecedores começou a prejudicar seu negócio. 

As reclamações dos clientes ficaram ainda piores quando começou a faltar vinho. Ah! havia me esquecido do vinho! Mas deixo para você o exercício de imaginar a supply-chain desse item, envolvendo desde o fornecedor de uvas, até a vinícola, fábrica de tonéis, produtores de madeira, cintas de metal, garrafas, garrafões, rolhas e rótulos. Além do indispensável chaveiro saca-rolhas, oferecido de brinde aos clientes preferenciais.

Infelizmente, você não vai encontrar o negócio de Marco nos livros sobre empresas centenárias. Ele não durou muito, por falta da Internet para ajudá-lo a manter uma comunicação eficiente com os participantes de sua cadeia de suprimentos. 

É claro que o transporte dos insumos de seu processo de produção também ajudou a quebrar sua empresa. Nas épocas mais quentes do ano, não era incomum o carregamento de ovos chegar piando no estabelecimento, após uma longa viagem. Bem que ele pensou em incluir frango assado no cardápio, mas isso iria obrigá-lo a entrar em outra cadeia de suprimentos, com problemas de estoque difíceis de contornar para quem não tinha geladeira.

O fim - Ao contabilizar os prejuízos, Marco concluiu que a troca deficiente de informação com os fornecedores, ao longo de toda a cadeia produtiva, foi a maior culpada do fracasso de sua empreitada. A Mc Polo's precisava manter estoques elevados de matéria-prima por conta do atraso com que sua programação de entrega chegava às mãos de seus fornecedores. Isso elevava os custos, não só da Mc Polo's, mas de todos os participantes da cadeia, inviabilizando a macarronada. 

Marco e seus parceiros de negócios não conheciam as vantagens do affare-per-affare, expressão usada na Veneza antiga para o business-to-business. A Internet teria resolvido esse problema, como tem resolvido nas empresas modernas. Mas ainda são poucas as que entraram de garfo e faca na rede mundial, cientes de que a falta de competitividade é resultado direto da manutenção de estoques elevados, por culpa de um sistema de comunicação deficiente com fornecedores.

Novo ramo - Quando conseguiu pagar todos os credores, Marco ingressou no ramo da marcenaria e passou a produzir janelas. Mas seus problemas voltaram, tão logo começou a depender da comunicação com fornecedores de madeira de outras regiões, já que na inundada Veneza as únicas árvores que encontrava eram genealógicas. 

Mas não foi só a madeira o problema. Havia ainda os pregos, parafusos, colas, ferramentas, dobradiças, fechaduras, tintas e vernizes. E como janelas não são vendidas em cantinas, Marco descobriu que a cadeia continuava com seus representantes espalhados pelo mundo ainda plano de sua época. Apesar de um excelente produto e de uma marca famosíssima - Veneziana - o negócio fracassou por não dominar a tecnologia da informação. E de Marco Polo só ficou a história.

(*) Mário Persona é diretor de comunicação da Widesoft, que desenvolve sistemas para facilitar a gestão da cadeia de suprimentos via Internet.