Marco Polo e a cadeia de suprimentos
Mário Persona (*)
Colaborador
Há
alguns anos Marco Polo já vinha acalentando a idéia, um pouco
audaciosa para sua época, de abrir a primeira cadeia de massas rápidas
de Veneza. Orgulhoso de seu próprio nome e da fama que o futuro
poderia trazer, criou a sugestiva marca de "Mc Polo's" para seu empreendimento.
A idéia surgiu por ocasião de uma visita a uma feira de negócios
na distante China, onde Marco firmou um contrato de franquia com o venerável
Ching-Li para a distribuição exclusiva no Ocidente do novíssimo
macarrão.
De volta a Veneza, Marco começou
a selecionar seus fornecedores. A Mc Polo's passava a fazer parte de uma
cadeia de suprimentos, algo que os americanos - que ainda não haviam
sido inventados na época - viriam a chamar de supply-chain. A macarronada
que o cliente enrolava no garfo começava sua trajetória em
um moinho da Sicília, que comprava o trigo em grão de produtores
no longínquo Oriente Médio. A entrega da farinha no prazo
dependia do relacionamento do moinho com uma tecelagem da Calábria,
que fabricavam os sacos com fios de ráfia, uma fibra vegetal comprada
do Egito.
O azeite era fornecido por uma fábrica
grega, que precisava manter um relacionamento bem lubrificado com os produtores
de azeitonas para garantir o escoamento do produto. Como o azeite vinha
em barris, na cadeia de suprimentos entrava também um produtor da
Turquia, uma serraria da Macedônia e uma empresa bizantina produtora
de chapas de metal. O sal vinha do norte da África e os ovos chegavam
a Veneza trazidos por um fornecedor da própria Itália.
A desculpa que costumava dar para
a irregularidade no fornecimento era a falta de milho, mas Marco sabia
muito bem que o produto não fazia parte de sua cadeia de suprimentos.
O milho só passaria a encher o papo das galinhas italianas bem mais
tarde, quando Colombo descobrisse a América. Pelo mesmo motivo,
o tomate ficaria um bom tempo fora da supply-chain, limitando o
cardápio da Mc Polo's à macarronada servida a alho e óleo.
Com alhos provenientes do Egito, evidentemente.
Dificuldades - Não
demorou para começarem os problemas. Marco logo descobriu que só
uma rede eficiente de informação poderia garantir o sucesso
de seu empreendimento. A gondolaware que Marco implantou - uma veloz
rede de gôndolas utilizando os canais de Veneza como infovia - formava,
no máximo, uma rede interna para seu negócio. A falta de
uma comunicação rápida com fornecedores começou
a prejudicar seu negócio.
As reclamações dos
clientes ficaram ainda piores quando começou a faltar vinho. Ah!
havia me esquecido do vinho! Mas deixo para você o exercício
de imaginar a supply-chain desse item, envolvendo desde o fornecedor
de uvas, até a vinícola, fábrica de tonéis,
produtores de madeira, cintas de metal, garrafas, garrafões, rolhas
e rótulos. Além do indispensável chaveiro saca-rolhas,
oferecido de brinde aos clientes preferenciais.
Infelizmente, você não
vai encontrar o negócio de Marco nos livros sobre empresas centenárias.
Ele não durou muito, por falta da Internet para ajudá-lo
a manter uma comunicação eficiente com os participantes de
sua cadeia de suprimentos.
É claro que o transporte dos
insumos de seu processo de produção também ajudou
a quebrar sua empresa. Nas épocas mais quentes do ano, não
era incomum o carregamento de ovos chegar piando no estabelecimento, após
uma longa viagem. Bem que ele pensou em incluir frango assado no cardápio,
mas isso iria obrigá-lo a entrar em outra cadeia de suprimentos,
com problemas de estoque difíceis de contornar para quem não
tinha geladeira.
O fim - Ao contabilizar os
prejuízos, Marco concluiu que a troca deficiente de informação
com os fornecedores, ao longo de toda a cadeia produtiva, foi a maior culpada
do fracasso de sua empreitada. A Mc Polo's precisava manter estoques elevados
de matéria-prima por conta do atraso com que sua programação
de entrega chegava às mãos de seus fornecedores. Isso elevava
os custos, não só da Mc Polo's, mas de todos os participantes
da cadeia, inviabilizando a macarronada.
Marco e seus parceiros de negócios
não conheciam as vantagens do affare-per-affare, expressão
usada na Veneza antiga para o business-to-business. A Internet teria resolvido
esse problema, como tem resolvido nas empresas modernas. Mas ainda são
poucas as que entraram de garfo e faca na rede mundial, cientes de que
a falta de competitividade é resultado direto da manutenção
de estoques elevados, por culpa de um sistema de comunicação
deficiente com fornecedores.
Novo ramo - Quando conseguiu
pagar todos os credores, Marco ingressou no ramo da marcenaria e passou
a produzir janelas. Mas seus problemas voltaram, tão logo começou
a depender da comunicação com fornecedores de madeira de
outras regiões, já que na inundada Veneza as únicas
árvores que encontrava eram genealógicas.
Mas não foi só a madeira
o problema. Havia ainda os pregos, parafusos, colas, ferramentas, dobradiças,
fechaduras, tintas e vernizes. E como janelas não são vendidas
em cantinas, Marco descobriu que a cadeia continuava com seus representantes
espalhados pelo mundo ainda plano de sua época. Apesar de um excelente
produto e de uma marca famosíssima - Veneziana - o negócio
fracassou por não dominar a tecnologia da informação.
E de Marco Polo só ficou a história.
(*) Mário
Persona é diretor de comunicação da Widesoft,
que desenvolve sistemas para facilitar a gestão da cadeia de suprimentos
via Internet. |