Precursores do futuro
Mário Persona (*)
Colaborador
A revista
Time
elege o "Man of The Year" de 1999: Jeff Bezos, um rapaz de 35 anos, que
preside a Amazon.com, um dos mais revolucionários
empreendimentos da história dos negócios. Nos últimos
71 anos, a Time procurou homenagear uma personalidade - homem, mulher,
grupo ou idéia - que tivesse exercido o maior grau
de influência no ano. Jeff
Bezos está sendo homenageado como o empreendedor de uma nova era
de negócios, ou o rei do comércio virtual.
O primeiro homenageado foi Charles
Lindbergh, eleito em 1927 por sua aventura aérea, cruzando o atlântico
em um vôo solitário. Em 1968 foi a vez da tripulação
da Apollo 8, Frank Borman, James Lovell e William Anders, por sua viagem
ao redor da Lua. A surpresa maior ficou por conta do "Homem do Ano" de
1982: o computador. Com uma história assim, não é
de se espantar que o empresário de maior destaque hoje seja alguém
cuja empresa nunca deu um centavo de lucro. Só prejuízo.
Seguindo o exemplo das bandas de
rock famosas, Jeff Bezos começou seu negócio na garagem de
sua casa em 1994, e em 1997 a Amazon.com já estava na bolsa, com
ações transformadas em delírio de investidores. O
fato de cada livro vendido aumentar o prejuízo nunca pareceu preocupar
a empresa, que nesse meio tempo comprou muita gente na Virtual Street,
como Planetall.com, Drugstore.com e outras. Jeff termina o ano comemorando
uma empresa com 4 mil funcionários, clientes aos montes, um nome
que se tornou sinônimo de comércio eletrônico, um prejuízo
de 350 milhões de dólares em 1999 e a sua foto na mais vermelha
das capas de revista.
Novos valores - Nem eu nem
você, que dentro de poucos meses seremos criaturas nascidas no século
passado, vamos entender com facilidade os valores que estão em jogo
na nova economia. Embora Jeff afirme que só no final de 2000 a divisão
de vendas de livros e CDs estará dando lucro, dentro da escala de
valores da nova economia sua empresa sempre foi um sucesso. O seu valor
está na capacidade de obter e processar informações
- o que, onde, quando, como e por que pessoas compram e vendem - e arrebanhar
uma multidão de clientes fiéis.
Mas, com toda a inovação
que trouxe, a Amazon.com ainda é um empreendimento com raízes
profundas no comércio convencional. Acredito que muita coisa irá
mudar nos próximos meses, e podemos voltar a ter algo parecido com
o comércio da antiguidade, quando havia livre negociação
em tudo. O valor das coisas era determinado entre as partes no momento
da compra, sem coisas como etiquetas, listas de preços ou reajustes.
Essas coisas são invenções modernas, surgidas da dificuldade
de comunicação entre vendedores e compradores.
Eliminado o problema da distância
na rede, compradores e vendedores voltam a ficar frente a frente, discutindo
o valor das coisas à moda dos mercadores persas, como já
está acontecendo no Ebay.com. A Amazon.com ajudou bastante ao mostrar
que é possível humanizar o comércio com tecnologia,
criando em seu site a possibilidade do consumidor intervir e dar sua opinião,
saber o que os outros estão comprando e até criticar livremente
algum produto. A tecnologia já permite que as pessoas se exponham,
criem relações de intimidade, sem com isso comprometerem
sua privacidade.
Que Jeff Bezos é protagonista
de uma das mais importantes revoluções de nossa história,
não tenho nenhuma dúvida. Merece a capa da Time, com
moldura vermelha e tudo. Se ele vai conseguir permanecer nessa posição,
ainda é cedo para dizer. É bem provável que nos próximos
meses a bola da vez passe para outro, ou as manchetes se ocupem mais com
a corrida da indústria para o business-to-business, já que
nenhuma estrutura de comércio eletrônico vai conseguir parar
em pé sem uma cadeia de suprimentos bem azeitada rodando nos bastidores.
Exemplos do passado - No início
da década de 80, o Apple era o computador pessoal do momento, a
VisiCalc era sucesso em planilha eletrônica e o WordStar era sinônimo
de processador de textos. A Microsoft era uma novata, tentando conquistar
seu espaço com um sistema operacional para os novos IBM PC, e nem
Cisco, nem Dell eram nomes conhecidos na bolsa de valores. Em poucos anos
- talvez meses - muita coisa irá mudar, e teremos um cenário
que hoje nem imaginamos.
Porém, mesmo que não
seja Jeff Bezos quem irá aparecer nas próximas capas da Time,
ele certamente será lembrado por seu pioneirismo. É bom lembrar
que os primeiros astronautas a descerem na Lua em 1969 não ganharam
a honra de "Man of The Year". Foram os tripulantes da Apollo 8, que prepararam
o caminho e mostraram que era possível chegar até lá,
que ocuparam a capa da Time de 1968. Precursores do futuro, assim
como Jeff Bezos da Amazon.com.
(*) Mário
Persona é diretor de comunicação da Widesoft,
que desenvolve sistemas para facilitar a gestão da cadeia de suprimentos
via Internet. |