Nos mares, ao sabor dos ventos. É o navio E Ship 1 Assim como na época dos descobrimentos portugueses e espanhóis, o vento pode
"retomar" uma posição de destaque na movimentação de grandes embarcações. É o que prova o navio alemão E Ship 1, um cargueiro considerado revolucionário, movido por energia eólica. Ele
chegará a Santos amanhã
A RETOMADA |
Desde os anos 20 não se ouvia falar nesse tipo de embarcação |
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A embarcação (na foto, em porto grego) é capaz de reduzir em até 40% a emissão de gases
poluentes
Foto: divulgação, publicada com a matéria, na página A-1
Movido a energia eólica, cargueiro E Ship 1 chega a Santos amanhã
Capaz de reduzir em até 40% a emissão de poluentes, embarcação utiliza tecnologia considerada revolucionária
Lyne Santos
Da Redação
Após levar caravelas portuguesas para diferentes cantos do mundo nos séculos 15 e 16, o vento pode se tornar novamente um dos elementos
principais na movimentação de embarcações. A empresa alemã Enercon Shipping GMBH apostou na técnica e desenvolveu o E Ship 1, um cargueiro considerado revolucionário por ser movido por energia eólica. Ele chegará ao Porto de Santos amanhã.
Na sua primeira vinda ao Brasil, o navio traz componentes para as turbinas eólicas que são produzidas pela sua subsidiária Wobben Windpower, com unidades em Sorocaba (SP) e Pecém (CE). Ele já fez
escalas nos complexos cearense e do Rio Grande (RS). A viagem inaugural começou em agosto último no Porto de Emden, na Alemanha. Antes do Brasil, o navio passou por Portugal.
Desde a década de 20 não se ouvia falar nesse tipo de embarcação. A primeira ousadia aconteceu em 1920, pelo engenheiro alemão Anton Flettner, que projetou o navio batizado inicialmente de Buckau,
que depois seria Baden-Baden. Seu diferencial era a utilização de cilindros em substituição às velas. Com vida curta, o navio, que fez uma viagem pelo Atlântico e chegou a Nova Iorque, nos Estados Unidos, em 1926, foi destruído por uma
tempestade no Caribe, em 1931.
Desde então, o E Ship 1 é o primeiro a utilizar a força dos ventos. "A Enercon quer provar que existem outros meios de usar o vento para a redução da emissão de poluentes e também utilizar o
navio para benefício da empresa, que tem um grande volume de aerogeradores a serem transportados entre vários países", explicou o diretor-presidente da Wobben Windepower, Pedro Angelo Vial.
O E Ship 1 é capaz de reduzir em até 40% a emissão de gases poluentes, como o CO2, e o consumo de combustível, em uma velocidade de 16 nós, quando comparado aos cargueiros tradicionais.
"Chamamos o navio de classe green (verde, em inglês), pois polui pouco. Pode-se dizer que a questão ambiental é o benefício principal, até porque hoje existem mais normas internacionais para
controle da poluição que precisam ser cumpridas", disse od iretor da Germanischer Lloyd, classificadora do navio, e engenheiro naval, Marcus Vinicius Moreira.
Armadora garante viabilidade comercial do navio. Especialistas, não
Foto: divulgação, publicada com a matéria
Viabilidade - Para Moreira, o projeto foi viável apenas porque a Enercon já conta com a tecnologia. "Para a Enercon foi vantajoso construir o navio, pois eles já têm a tecnologia, mas para
outra empresa não seria, pois o valor dos rotores é muito alto".
O engenheiro naval e professor da Universidade de São Paulo, Claudio Mueller Prado Sampaio, também observou que a construção deste tipo de navio envolve um maior capital inicial. "É preciso entender
qual o tempo de retorno desse capital. No caso do transporte de granéis líquidos, por exemplo, onde o valor agregado é pequeno, o custo alto de um navio deste tipo inviabilizaria a operação", disse Sampaio.
Ele lembrou ainda da importância de fazer um estudo preliminar dos ventos para que os benefícios sejam alcançados. "Às vezes, vale a pena mudar a rota do navio para que se possa usar mais os ventos,
do que ir direto usando só o diesel".
O engenheiro naval Manoel Chaves ressaltou que a vantagem atual do navio é limitada à pesquisa. "Em condições especiais pode gerar até 30% e empuxo para a sua propulsão. Em condições adversas pode
gerar uma ineficiência do mesmo percentual", opinou, sem esquecer de mencionar o custo da embarcação. "Existe um custo inicial considerável, aspectos de estabilidade, arranjo estrutural e de disposição de cargas nos conveses", completou.
Em contrapartida, o diretor da Enercon garantiu que o investimento disponibilizado foi equivalente ao de um cargueiro convencional, e reiterou a viabilidade comercial.
"A construção de um navio com certeza tem um custo elevado, mas a necessidade de exportação torna esse meio de transporte totalmente viável, sendo assim o custo-benefício é favorável", afirmou Vial,
sem descartar a hipótese de construir outras embarcações. "Se comprovada a sua eficiência, o que já está ocorrendo, deverão ser produzidos outros navios".
O Buckau foi o primeiro navio eólico a substituir as velas por cilindros
Foto: divulgação, publicada com a matéria
Rotores e efeito Magnus fazem a propulsão
Que o cargueiro E Ship 1 navega utilizando parcialmente os ventos - a propulsão diesel elétrica é a fonte principal de energia - já ficou claro. O difícil é entender como a natureza é capaz de
ajudar a movimentar um navio de 12,8 mil toneladas, 130 metros de comprimento e 22,5 metros de boca.
O segredo está nos quatro rotores cilíndricos, de 27 metros de altura por quatro de diâmetro, localizados no convés. Isso sem falar no chamado efeito Magnus, o grande responsável pela navegação.
"Uma corrente de vento (força transversal) sobre um corpo girando gera o efeito Magnus. Cada um dos rotores tem um motor atuando embaixo. O efeito do vento sobre os rotores em movimento proporciona a
propulsão", explicou o diretor da Germanischer Lloyd, classificadora do navio, e engenheiro naval, Marcus Vinicius Moreira.
De acordo com o especialista, os ventos vindos a bombordo (esquerda) e boreste (direita) são os mais vantajosos. "Os de proa e popa não servem para nada", completou.
Moreira relacionou o processo Magnus à chamada bola com efeito no futebol. "A força que altera a trajetória da bola, que faz uma curva, nada mais é do que esse feito Magnus causado pelo 'vento' sobre
a bola girando rápido, quando chutada 'de três dedos' com o lado externo do pé pelo jogador", detalhou.
Nesse processo, há uma diferença de velocidade e pressão entre as partes superior e inferior da bola. Os efeitos são os mesmos observados nos cilindros do navio.
Uma outra relação pode ser feita em casa, com uma bolinha de ping-pong e um secador de cabelos. "Com o secador ligado e o jato de ar voltado para cima, basta posicionar a bolinha no jato e soltá-la.
Ela ficará girando, mas estática em relação ao ambiente. É só experimentar inclinar um pouco o secador (para ver a mudança)".
O engenheiro naval Manoel Chaves explicou ainda que o navio utiliza a alta temperatura dos gases de descarga dos motores diesel dos geradores (com potência total de 3,5 MW) para ter vapor.
"Este vapor move os quatro enormes cilindros verticais que provocam o efeito de empuxo vélico através da rotação dos mesmos. Este empuxo acontece sempre que um cilindro (ou qualquer outro corpo) gira
contra um fluxo de ar. É o efeito Magnus".
POTÊNCIA |
4 rotores
com 27 metros de altura e 4 de diâmetro tem o navio E Ship 1 |
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Estrutura - A superestrutura do E Ship 1 está localizada na proa, onde há três conveses (pisos) e dois guindastes por bombordo, com longas lanças e capacidade de carga de 80 e 120
toneladas. O navio possui também uma rampa traseira e pode operar como uma embarcação de carga rodante.
O SEGREDO DA FORÇA DOS VENTOS
Imagem: Arte/Alex Ponciano, publicada com a matéria |