Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/santos/h0445b.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 08/15/12 21:54:20
Clique na imagem para voltar à página principal
HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - CANUDOS
Santos e Canudos, em estreita ligação (2)

Leva para a página anterior

A cidade de Santos tem muitas ligações diretas com os episódios do sertão nordestino que constituíram a chamada Guerra de Canudos. Mas mudou bastante a sua percepção daquele conflito, um século depois, quando organizou, em 23 a 28 de novembro de 1993, a exposição e ciclo de debates "Santos Retoma Canudos! Um século de luta pela terra", vinculando o tema à reforma agrária e homenageando o escritor Rui Facó. O evento foi promovido pela Secretaria Municipal da Cultura no Centro de Cultura Patrícia Galvão, do município de Santos, com apoio da Prefeitura de Santos, então administrada pelo prefeito David Capistrano. O evento foi coordenado pelo jornalista e escritor Paulo Matos:

Imagem: reprodução parcial do folheto sobre o evento de 1993, cedida a Novo Milênio em 8/2012 pelo acervo da família do jornalista Paulo Matos

 

Um século desde Canudos

Na luta pela terra

Louvado seja Nosso senhor Jesus Cristo! Era essa a saudação de Antonio Conselheiro, líder de milhares de oprimidos sem-terra do sertão baiano, personagem central do episódio histórico que ficou conhecido como o da Guerra de Canudos. Esta foi resultado da concretização do sonho de tantos sertanejos de construir um espaço para plantar e viver, a que chamaram Belmonte, instalada às margens do Rio Vaza-Barris há 100 anos. Mas esta civilização de oprimidos, com cerca de 30 mil moradores, foi destruída pelos poderosos da época, que não admitiam a organização livre.

Situado na região de Canudos e cercado pela Serra de Coporobó, o núcleo de Belmonte foi assim batizado pelo líder peregrino Antonio Vicente Mendes Maciel - O Conselheiro - fundado pelos quase oitocentos sertanejos que o seguiam, fugindo de uma manifestação contra o pagamento de impostos criados pela República recente. Era noite enluarada de 26 de maio de 1893 - descreve Calazans, o historiador maior de Canudos - quando os conselheiristas enfrentaram e derrotaram uma tropa policial de Masseté, município da Natuba, indo daí fundar Belmonte em 5 de junho desse ano.

Estes que criaram um espaço de terras comuns e de trabalho comunitário, transformando o árido sertão em um polo produtivo e autossuficiente, com cultivo e criação - três mil já nas primeiras semanas, atraindo os seguidores de Conselheiro em seus 20 anos de caminhada pelo interior nordestino - eram ex-escravos, índios e sertanejos oprimidos pela seca, pelo latifúndio, pela fome e pelos coronéis donos de terras que imperavam naquele meio semi-feudal. Unidos sob este signo, criaram um novo quilombo de oprimidos, comparável ao de Zumbi.

Menos de três anos depois, Canudos/Belmonte já era a maior cidade da Bahia depois de Salvador - a capital - com 30 mil moradores, incomodando os interesses dominantes. Não pagando impostos e abrigando a mão de obra antes farta e barata nas mãos os coronéis, que tinham esvaziado seu poder político por este ajuntamento, esvaziando os templos da Igreja oficial que pregava submissão, atraíam o ódio a esta organização popular. Isto depois de contrariar comerciantes em redor com sua farta autoprodução e de ter derrotado o Exército em Masseté.

Atingindo os sustentáculos do poder, a Igreja, o Exército e o poder econômico, o Arraial de Bom Jesus - como também era chamado Belmonte - foi escolhido como alvo da República para sua afirmação. O novo regime atirou contra ele toda sorte de acusações, de reduto de malfeitores a monarquistas rebelados e fanáticos religiosos. Inverdades que ainda hoje se falam, deixando de lado a questão de que a Guerra dos Canudos foi um dos maiores - senão o maior - conflitos da luta pela terra da história mundial.

Todo o país foi mobilizado contra o núcleo sertanejo, através do noticiário mentiroso da imprensa, que desde 1892 acusava Belmonte de ser um reduto de restauradores que queriam trazer o rei de volta, de bandidos e fanáticos - que na verdade só desejava sobreviver. De 7 de novembro de 1896 a 5 de outubro de 1897, Canudos/Belmonte resistiu a 4 expedições militares, a última com tropas de 11 Estados que conseguiu fuzilar e degolar todos os resistentes que restavam.

As crianças sobreviventes, cerca de três mil, foram reescravizadas e vendidas pelos oficiais a bordéis e coronéis, esmagando os restos da maior organização livre que o país conheceu. Nestes 100 anos da fundação de Belmonte, é preciso resgatar o seu sentido de sonho da construção de espaços para plantar e viver para as maiorias populares - a grande necessidade de nossa época: a Reforma Agrária.

Imagem: reprodução do folheto sobre o evento de 1993, cedida a Novo Milênio em 8/2012 pelo acervo da família do jornalista Paulo Matos

Facó, o retorno necessário

No momento em que a luta pela Reforma Agrária explode nos conflitos da luta pela terra em todo o país, em que a injustiça da concentração da propriedade nas mãos de poucos se traduz na crise social das grandes cidades, superlotadas pela massa humana expulsa do campo, tem o significado de resgate a homenagem que prestamos ao escritor Rui Facó - neste seminário comemorativo ao centenário de Belmonte - episódio maior da luta por espaços para plantar e viver.

Resgatamos Facó, que faria 80 anos neste 4 de outubro de 1993, ano do centenário de Belmonte, que marca os 30 junhos de seu desaparecimento - na véspera da data que marcou o massacre final da odisseia sertaneja, em 1897 - porque foi ele que resgatou o significado de Canudos. Mais do que a coincidência de datas, é a versão fiel do episódio sua ligação com o fato histórico - fruto de pesquisa atenta e comprometida com a caminhada do povo brasileiro, rumo ao progresso e à liberação.

Foi este jornalista, advogado, escritor, pesquisador e intelectual, engajado com as causas sociais, quem resgataria o verdadeiro significado da Guerra dos Canudos como um conflito de latifundiários e sem-terra, opressores e oprimidos, exploradores e explorados do Nordeste semi-feudal, em seu livro Cangaceiros e Fanáticos - editado em 1963. Logo após a queda do avião que o levava do Chile para a Bolívia, em junho, retirando Facó da sociedade a que ele tanto se dedicou a evoluir. Nesta obra, o jornalista retoma Canudos, lançando sobre Berlmonte as luzes da correta análise histórica, que pavimenta a trilha da humanidade rumo ao futuro.

Segundo Carlos Mariguela, falando em nome de Luiz Carlos Prestes na despedida final de Facó, ao lado de Dias Gomes - entre diversas personalidades da vida cultural e política presentes - "... ante o contraste gritante da terra que nasceu, no Ceará, entre camponeses sem-terra e latifundiários sem piedade, Facó manteve-se fiel à sua origem pobre e escolheu o caminho da luta contra o latifúndio e pela emancipação de seu povo. Trabalhando e estudando, fez-se um intelectual de valor a serviço das massas. Seu amor à classe operária e aos camponeses está revelado nos trabalhos e estudos que escreveu. O povo - para ele - era o fator da história".

Era essa fé de Rui Facó, aqui resgatado e homenageado.

Imagem: reprodução do folheto sobre o evento de 1993, cedida a Novo Milênio em 8/2012 pelo acervo da família do jornalista Paulo Matos

Programação

23/11 - Terça - 20 h - Local: Centro de Cultura "Patrícia Galvão" - Av. Pinheiro Machado, nº 48 - ABERTURA DA EXPOSIÇÃO "CANUDOS"

24/11 - Quarta - 20 h - Local: Faculdade de Comunicação da Unisantos - Rua Euclides da Cunha, nº 264 - EXIBIÇÃO DO FILME "CANUDOS', DE IPOJUCA PONTES - DEBATE - Vereadora Mariângela Duarte

25/11 - Quinta - 20 h - Local: Centro de Cultura "Patrícia Galvão" - Av. Pinheiro Machado, nº 48 - DEBATE: A GUERRA DE CANUDOS NO CONTEXTO DA LUTA PELA TERRA - Prefeito David Capistrano; Deise Evangelista, líder dos Sem-Terra de Getulina; Padre Naves - Coord. Estadual da Comissão Pastoral da Terra; Hamilton Pereira - secretário agrário nacional do PT; José Rainha Jr. - Direção Nacional do Movimento dos Sem-Terra. Mediador: historiador Paulo Matos.

26/11 - Sexta - 20 h - Local: Centro de Cultura "Patrícia Galvão" - Av. Pinheiro Machado, nº 48 - DEBATE: A GUERRA DE CANUDOS NO CONTEXTO DA LITERATURA BRASILEIRA - Júlio José Chiavenato, escritor; vereadora Mariângela Duarte; historiadora Maria Aparecida Franco Pereira, Unisantos. Mediador: historiador Paulo Matos.

LANÇAMENTO DO LIVRO "AS MENINAS DO BELO MONTE", DE JULIO JOSÉ CHIAVENATO - NOITE DE AUTÓGRAFOS (depois do debate, o papo continua no Fritz Lang Bar - Rua Djalma Dutra 24, ao lado da Praça Independência, onde o autor vai autografar o livro e falar sobre ele).

27/11 - Sábado - 20 h - Local: Centro de Cultura "Patrícia Galvão" - Av. Pinheiro Machado, nº 48 - EXIBIÇÃO DO FILME  "CANUDOS', DE IPOJUCA PONTES - DEBATE

28/11 - Domingo - 20 h - Local: Centro de Cultura "Patrícia Galvão" - Av. Pinheiro Machado, nº 48 - EXIBIÇÃO DO FILME  "DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL" DE GLAUBER ROCHA- DEBATE

A exposição "Canudos", de fotos, livros, reportagens e cartazes estará no centro de Cultura "Patrícia Galvão" de 23 a 28 de novembro, de 9 às 21 horas. Entrada franca em todos os eventos.

O mesmo jornalista Paulo Matos redigiu este artigo, em 1997:

Santos, Imprensa e Canudos

Paulo Matos [*]

Há um século, em um restaurante santista de nome Carioca - que certamente não era este da Praça Mauá -, se reuniam os poderosos da cidade para cear, à meia noite. Encerravam o dia de manifestações populares saudando os soldados que marchavam para Canudos. No sertão nordestino, transcorria a grande ação militar contra o núcleo sertanejo, já em seu final. O registro é do jornal Diario de Santos, de cem anos, no arquivo da Humanitária.

Eram cinco mil soldados de onze estados contra os moradores de Belmonte, na quarta e derradeira investida. E chegava a Santos, de trem, o Primeiro Batalhão da Brigada Policial, que aqui embarcaria marchando para Canudos - o marco da luta pela reforma agrária que, neste ano, completa um século de seu extermínio.

A fazenda Canudos fora ocupada 4 anos e 2 meses antes - era agosto - pelos seguidores de Antonio Conselheiro, o líder de sete estados, transformando a terra seca no digno e produtivo arraial do Bom Jesus. Fazendo o sertão virar um mar de fartura coletiva. Em Santos, no Diario, circulava a notícia de que as tropas da República - "do cão", como a chamavam os resistentes -, haviam finalmente entrado em Canudos. Era o fim do sonho da terra para todos. Manifestações populares de regozijo na porta do jornal, estourando foguetes e hasteando o pavilhão pátrio...

A imprensa de todo o país clamava contra os "malfeitores" de Canudos e seu "ensandecido" líder, a esta altura já no céu, obtendo apoio popular à República e à investida militar. Que resistia tenazmente como um quilombo pós-escravatura, composto de índios, sertanejos e ex-escravos expulsos da terra. Acusados de "monarquistas" e de tentarem restaurar d. Pedro, só queriam viver. Há 4 anos, quando chegaram, eram 300; agora, 30 mil - quando foram exterminados...

Eram cinco mil casas, plantações e uma estrutura produtiva organizada e comum, uma nova estrutura social no sertão. Mas a imprensa daqui e de todo o Brasil vociferava contra Canudos, o "foco insurgente monarquista". A própria monarquia já havia se sentido ameaçada com o "místico religioso" - na verdade organizador popular - Antonio Conselheiro, 20 anos antes... Seu crime: reunir contingentes miseráveis e marchar com eles.

A própria Folha de São Paulo, ainda hoje, "o maior jornal do país", insiste nas mentiras contra Canudos, século depois. Em sua enciclopédia, no verbete Canudos, escreve que foi um fenômeno frutificado do "misticismo religioso", ocultando seu caráter revolucionário e vanguardista das transformações sociais que o país aguarda.

Presentes nos eventos que saudavam as tropas há cem anos, chegadas de trem de São Paulo e que embarcariam no vapor Imbiúba no final da tarde - o diretor do Diario de Santos, Heitor Peixoto, e seu jornalista, Juvenal Pacheco - entre as autoridades. Este discursou, inclusive, distante de uma reportagem imparcial, inexistente na época. Eram todos contra Canudos.

Em seu discurso, Juvenal saudava Floriano Peixoto e Moreira Cesar - o "herói" de Canudos, morto quando comandava a terceira investida. Ele ganharia seu nome em uma praça em Santos, a atual Rui Barbosa. O jornalista comparava a investida militar contra o minúsculo mas significativo núcleo sertanejo "... à milagrosa coluna de fogo que guiava o povo hebreu em demanda à terra da promissão..."

"As ovações - às tropas que aniquilariam Canudos - atingiram o delírio, a loucura", escreve o jornalista dias após, sobre o embarque em Santos de 481 praças e 20 oficiais, assistidos por 3 mil pessoas. Era a página santista do genocídio oficial, de uma população empulhada pela imprensa e pelos mitos da redenção republicana. Na epopeia heroica perpetuada, nos seu real significado, na obra de Rui Facó. O fim de Canudos fará 100 anos em 5 de outubro de 1997. um dia, a terra voltará a ser de todos, como é redonda e azul - o que também foi difícil provar. Canudos resiste na memória.

[*] Paulo Matos é jornalista e historiador pós-graduado.

Leva para a página seguinte da série