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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - QUILOMBO
Jagunços e luta pela terra. É Santos: 1980 (5)

No Sítio do Quilombo, a força das armas era poderosa, em pleno século XX

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Quem vive na área insular de Santos talvez nem imagine quão recentes eram as disputas armadas por território dentro do município, com jagunços enfrentando posseiros numa terra sem lei - ou melhor, onde a lei era ditada pelo poder de fogo do mais forte. Uma explosão de violência, fazendo aflorar às manchetes um assunto então pouco abordado na imprensa, ocorreu em 1980 na área continental de Santos, divisa com Cubatão, sendo assim continuado o noticiário a respeito, pelo antigo jornal Cidade de Santos, na edição de 15 de novembro de 1980 (um sábado), na primeira e última páginas:

Quilombo: agora, verificações

O juiz José Orestes de Souza Nery inspecionou ontem os locais, no Sítio do Quilombo, onde se registraram atos de vandalismo. Afirmou que irá verificar se há responsabilidade de alguém a apurar, e os advogados dos herdeiros declararam que entrarão com ação penal competente, caso seja concluída existência de responsabilidade.

Foto publicada com a matéria, na primeira página do Cidade de Santos de 15/12/1998


Quilombo: juiz fará verificações

Os locais onde foram praticados atos de vandalismo, no Sítio do Quilombo, foram inspecionados na tarde de ontem pelo juiz substituto da 3ª Vara Cível de Santos, José Orestes de Souza Nery, que interrogou os moradores da área em litígio e verificou in loco os casebres que foram destruídos quando da emissão de posse, realizada no último sábado. Os nomes e depoimentos dos moradores foram anotados, por determinação do juiz que, no entanto, preferiu nada adiantar sobre o resultado da inspeção, mencionando somente que irá "verificar se há responsabilidade de alguém para apurar".

Esta responsabilidade, no entanto, apresenta-se como patente, principalmente se forem tomadas por base considerações anteriores, feitas pelo próprio magistrado, sobre a questão. Referindo-se aos fatos narrados pelos oficiais de justiça encarregados de emitir a posse, e ás notícias veiculadas pelos jornais, o juiz José Orestes de Souza Nery menciona, em documento datado de 11 passado, o seguinte: "A emissão na posse, todavia, concedida por este Juízo ao inventariante atual, não abrangia qualquer ordem de despejo, e principalmente dos herdeiros. Destinava-se, isto sim, a possibilitar, apenas e tão somente, a administração do espólio. Desse modo, aqueles ficam, desde já, autorizados a retornar ao imóvel em questão, se dele saíram. Sua permanência, todavia, fica adstrita, EXCLUSIVAMENTE, a nele residir. Não devem, E NÃO PODEM, praticar qualquer ato de administração".

Por sua vez, os advogados dos herdeiros Waldemar da Silva e sua mulher Neles Pereira da Silva, Natalina da Silva Fonseca e seu marido Manoel Benedito da Fonseca e Helena da Silva Santana, anunciaram que se o juiz concluir pela existência de responsabilidades, entrarão com ação penal competente. Durante a inspeção, também acompanharam o juiz Nery um escrivão, os dois oficiais de Justiça que sábado passado realizaram a emissão de posse e o advogado do inventariante Lúcio Salomone, Manuel Muniz. Ao final da inspeção, todos seguiram com o juiz para lavrar o auto de inspeção.

A inspeção - Um dos primeiros moradores do Sítio do Quilombo a ser interrogado foi Helena da Silva Santana, também herdeira e ex-inventariante, sendo solicitada a reconhecer fotografias estampadas pelos jornais da cidade e identificar os moradores na área. Nessa ocasião, o advogado de Lúcio Salomone, Manoel Muniz, tecia comentários sobre o "sensacionalismo da imprensa", considerando que muitos dos que estavam nas fotos não residiam no local. Por outro lado, os advogados dos herdeiros demonstravam descontentamento pelo fato de a inspeção não ter sido iniciada nos locais onde houve demonstrações de força, com a derrubada dos casebres.

O juiz José Orestes de Souza Nery, no entanto, não permitiu a interferência dos advogados, comandando ele próprio a inspeção e inquirindo os moradores. Assim sendo, ele ainda compareceu à casa de Carlos Cruz, administrador da Imobiliária Savoy (os moradores acusam seus funcionários de terem sido os demolidores das casas). Carlos não estava em casa, tendo sido ouvido o seu filho Wilson Cruz, que também identificou fotos estampadas nos jornais (entre elas, a da sra. Denise, que segundo ele mora do outro lado do rio, fora da área em litígio e que, segundo Helena Santana, também foi intimada a sair de casa).

Apesar de mencionar o fato de sua mulher estar prestes a dar à luz, o que a impediria de sair de casa, Wilson Cruz foi convidado pelo juiz a acompanhar a comitiva e, no decorrer da inspeção, a confirmar a residência de alguns dos inquiridos.

A verificação dos casebres derrubados teve início com a visita feita a Pedro Joaquim Silva, com mulher e 5 filhos, e Heronides Nunes, também casado e com 2 filhos, cujo casebre foi derrubado e, segundo contou Pedro, "pedi para dormir debaixo de uma pedra e não me deixaram. Minha mulher ia operar na segunda-feira, mas com tudo isto, não pode". Os ferimentos existentes na cabeça da mulher de Pedro, bem como em seu abdômen, foram mostrados ao juiz. Também as casas onde moravam Brasilino Bartolomeu (casado, com 6 filhos) foram tombadas.

Depredada ainda foi a residência de Rosalvo Muniz (com 2 filhos) e Maurício Nunes Erbas, sendo que, nesta, também mataram pássaros, galinhas e patos a cacetadas. Estas residências ficam distantes umas das outras e próximas a portos de areia.

O juiz José Orestes verificou os danos no Sítio Quilombo e interrogou os moradores

Foto e legenda publicadas com a matéria

A questão - A questão do Sítio do Quilombo data de mais de 12 anos, e reside na disputa de terras deixadas por Matilde da Silva para seus 5 herdeiros. Destes, Madalena da Silva e Nelson da Silva deixaram sua parte para Lúcio Salomone que, agora, é o inventariante (por ordem judicial), uma vez que a inventariante anterior e também herdeira, Helena da Silva Santana, não deu andamento e apesar de chamada a Juízo não compareceu, negando-se a prestar contas, entregar a posse da terra e administrar os bens do espólio.

Assim sendo, foi nomeado administrador Lúcio Salomone, e na primeira vez em que os oficiais de Justiça compareceram à área com o mandado de imissão de posse, dona Helena recusou-se a entregá-las, o que originou a requisição de força policial. No sábado passado, os oficiais de Justiça voltaram ao Sítio do Quilombo, acompanhados de elementos da 1ª Cia. 21º BPMI de Cubatão, ocasião em que - segundo o relatório dos oficiais - não houve resistência dos moradores. Neste mesmo relatório, eles apontam que "os advogados, em nome do autor, que iam recebendo as áreas desocupadas, tomaram por bem derrubar alguns casebres, isso constatado por nós posteriormente, não sabendo informar a que pretexto, já que a nossa missão era no sentido de desocupar a área e imitir o requerente".

Os moradores, no entanto, contam que foram feitas barbaridades no local: que após terem esvaziado as casas, empregados da Imobiliária Savoy foram se apossando dos equipamentos das firmas, pegando um trator e demolindo as casas, além de matarem galinhas e passarinhos e, ainda, levarem objetos de pequeno valor como relógios e ferramentas, cachos de banana. Isto, segundo eles, foi feito por 20 jagunções armados, que não respeitaram nem mesmo crianças e doentes, sendo que ainda havia dois oficiais de Justiça, que não apresentaram o mandado, e policiais militares.

A inspeção realizada ontem pelo juiz José Orestes de Souza Nery foi solicitada por Waldemar da Silva, um dos herdeiros que discute na Justiça a posse daquela área.

Imagem: reprodução parcial da última página do Cidade de Santos de 15 de novembro de 1980