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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - QUILOMBO
Jagunços e luta pela terra. É Santos: 1980 (3)

No Sítio do Quilombo, a força das armas era poderosa, em pleno século XX

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Quem vive na área insular de Santos talvez nem imagine quão recentes eram as disputas armadas por território dentro do município, com jagunços enfrentando posseiros numa terra sem lei - ou melhor, onde a lei era ditada pelo poder de fogo do mais forte. Uma explosão de violência, fazendo aflorar às manchetes um assunto então pouco abordado na imprensa, ocorreu em 1980 na área continental de Santos, divisa com Cubatão, sendo assim continuado o noticiário a respeito, pelo antigo jornal Cidade de Santos, na edição de 13 de novembro de 1980 (uma quinta-feira), na primeira e última páginas:

Imagem: reprodução parcial da última página do Cidade de Santos de 13/12/1998

 

Quilombo: juiz determina inspeção

A Justiça realizará uma rigorosa inspeção no Sítio do Quilombo para verificar as barbaridades cometidas por jagunços, segundo denúncia das 11 famílias que ali residiam, fartamente divulgada pela imprensa, inclusive havendo um relato dos oficiais de Justiça a respeito. A inspeção será às 14 horas de amanhã, conforme determinação do juiz substituto da 3ª Vara Cível, José Orestes de Sousa Nery.

Além da determinação da inspeção, no final da tarde de ontem, o oficial de JUstiça do Cartório do 6º Ofício Cível intimou os advogados das partes para que - se quiserem - acompanhem a diligência. Também deverão estar presentes os oficiais de Justiça que realizaram a imissão de posse.

Por outro lado, com a intimação e notificação do advogado de Lúcio Salomone, a partir de hoje passou-se a contar as 24 horas - prazo improrrogável para que o inventariante preste esclarecimentos acerca do ocorrido no local, quando foram praticados atos de vandalismo. Logo que as casas ficaram vazias, os empregados da Imobiliária Savoy foram se apossando dos equipamentos das firmas; pegaram um trator e demoliram casas, e mataram galinhas e pássaros.

O despacho do juiz substituto da 3ª Vara Cível foi dado na petição que deu entrad ontem na Justiça, em que os herdeiros, através de Waldemar da Silva, nos autos de inventário dos bens deixados por Matilde Leadisson da Silva e Benedito Roque da Silva, pedem que o juiz, pessoalmente, inspecione o local inventariado, a fim de constatar a existência de atos de vandalismo com a destruição total de construções nele levantadas, como também da destruição de outros objetos, e ainda apurar os autores desses atos criminosos.

Constatada a veracidade dos fatos narrados, os herdeiros resolveram requerer ao juiz da 3ª Vara Cível que se digne de determinar à autoridade competente para o fim de se processar à denúncia dos culpados, para que respondam pelos atos criminosos praticados.

Não querem Salomone - Em outra petição assinada por Waldemar da Silva e sua mulher Neles Pereira da Silva, Natália da Silva Fonseca e seu marido Manoel Benedito da Fonseca e Helena da Silva Santana, requerem também a remissão do inventariante Lucio Salomone.

Alegam que o inventariante, sob o falido pretexto de bem administrar os bens do espólio, requereu a imissão de posse, dos bens inventariados, e que está legalmente amparado, foi sabiamente deferido pelo magistrado, através dos autos que autorizou os oficiais de Justiça, para o bom desempenho de seu mandato utilizassem, se necessário, auxílio de força policial.

"O inventariante, tendo prévio conhecimento - continua a petição - da data em que os oficiais de Justiça diligenciariam o mandado de imissão de posse, teve por bem instruir aproximadamente 20 jagunços, armados, que acompanhando os dois oficiais e mais oito policiais da P.M. de Cubatão, procederam total devastação da propriedade, demolindo as residências existentes na área que deveria ser imitida".

Finalmente afirma que "apropriaram-se indevidamente de tratores de propriedade das firmas que funcionam no local, cometendo toda uma série de atrocidades e desrespeito não somente aos princípios de Direito, como igualmente aos princípios morais, cristãos e mesmo ao Direito Humano, usando um direito que não possuíam e que a ninguém jamais será concedido, maculando o nome da Justiça, declinando estarem 'eles' agindo em nome do juiz titular da 3ª Vara Cível". Com a revogação, eles pedem a nomeação do herdeiro Waldemar da Silva, para substituir o inventariante e cessionário, Lucio Salomone.

Amanhã a Justiça inspecionará o Sítio do Quilombo, onde foram destruídos vários barracos

Foto e legenda publicadas com a matéria

O mesmo jornal, na última página da edição de sexta-feira, 14 de novembro de 1980:

O juiz verificará as barbaridades cometidas no Sítio Quilombo

Foto e legenda publicadas com a matéria

 

Juiz inspeciona Sítio do Quilombo

O Sítio do Quilombo, onde houve cenas de vandalismo, de acordo com declarações das onze famílias que residiam no local, será inspecionado hoje, às 14 horas, pelo juiz da 3ª Vara Cível, que estará acompanhado dos dois oficiais de Justiça que realizaram sábado a imissão de posse, bem como de outros funcionários do Cartório do 6º Ofício Cível.

Também deverão estar presentes os advogados dos herdeiros - Waldemar da Silva e sua mulher Neles Pereira da Silva, Natalina da Silva Fonseca e seu marido Manoel Benedito da Fonseca e Helena da Silva Santana - e o inventariante do espólio de Matilde Leedison da Silva, Lucio Salomone.

Na oportunidade, o magistrado deverá verificar in loco as barbaridades cometidas contra aquelas famílias, com a derrubada de casebres por trator e a matança de galinhas e passarinhos. De acordo com as informações, logo após que as casas foram esvaziadas, os empregados da Imobiliária Savoy foram se apossando dos equipamentos das firmas, pegando um trator e demolindo as casas, além de cometerem outras barbaridades.

Em vista da grande repercussão do caso, que teve inclusive a necessidade de participação do prefeito de Cubatão, para acolher as famílias, o juízo da 3ª Vara determinou a inspeção que será realizada hoje.

Salomone esclarece - Para responder o despacho do juízo determinando que o inventariante prestasse esclarecimentos em 24 horas acerca do ocorrido no local, por ocasião do ato de imissão de posse, o advogado Lucio Salomone encaminhou à Justiça um relatório.

Nele, afirma que não tem nada a acrescentar porque, não tendo acompanhado a diligência pessoalmente, só pode transmitir as informações que recebeu de seus prepostos, que coincidem, exatamente, com as dos oficiais de Justiça.

Na ocasião, os representantes da Justiça afirmaram que "devido à grande extensão da área e distância entre um casebre e outro, à medida que íamos desocupando os mesmos, sem nenhuma violência de nossa parte ou dos policiais, os ocupantes da área, a despeito de alguns 'encarar' a nós Oficiais de Justiça, bem como os policiais, que estiveram perfeitos, iam saindo pacificamente. Os advogados, em nome do autor, que iam recebendo as áreas desocupadas, tomaram por bem derrubar alguns casebres, constatados por nós posteriormente, não sabendo informar a que pretexto, já que a nossa missão era no sentido de desocupar a área e imitir o requerente".

Lucio Salomone alegou, após tecer considerações sobre o noticiário da imprensa, manchetes, textos e fotos, que "quanto às alegações da assistente social que fé poderia merecer essa ilustre funcionária quando sustenta em seu relatório a presença no local dos advogados que ela menciona (um deles o signatário), quando nunca os viu, não os conhece e não os poderia ter visto no local porque, simplesmente, não estavam?"

"Entendo - prossegue - que para ser imitido 'na posse de todos os bens imóveis do espólio', é indispensável demitir quem se encontre na posse desses mesmos bens. Esse desalojamento, demissão, desocupação, 'despejo', tem que ser material e efetivo, de nada adiantando selá-lo, firmá-lo no papel, tanto mais que têm sido uma constante as ameaças, represálias e tentativas de agressão, manifestadas por Valdemar e seus sobrinhos Dema, Nico, Walter e Franklin". Aliás, dos herdeiros, a única que reside no imóvel é a sra. Helena da Silva Santana. Valdemar reside em Santos e Natália no Guarujá.

Contra o retorno - Esclareceu ainda sobre a decisão judicial determinando o retorno dos herdeiros ao imóvel, para residir e não administrar, ser "inviável ou causadora de problemas de toda ordem". E que o imóvel diz respeito a extensa área, onde partes dele são consideradas de posse exclusiva dos respectivos condôminos, onde possuem benfeitorias e, assim, para se alcançar a casa do espólio, onde morava Helena, é necessário passar por parte de posse exclusiva dos condôminos do espólio de Matilde Letzel da Silva e outro. Ademais, ninguém poderá impedir que Helena receba e abrigue na sua moradia, casa pertencente ao espólio, quem bem entender, inclusive Valdemar, sua mulher e seus sobrinhos, que já deixaram claro e expresso, em várias oportunidades, sua animosidade contra o inventariante".

Finaliza alegando ainda: "Com a devida vênia, a única maneira de prevenir problemas maiores e possibilitar o normal exercício da inventariança é afastar do imóvel os herdeiros e seus apaniguados".

Herdeiros contra - Também correm na Justiça, 3ª Vara Cível, petições feitas pelos herdeiros do espólio contra o inventariante e cessionário Lucio Salomone, pedindo a revogação do ato judicial que concedeu o cargo de inventariante, nomeando-se para substituição do cargo o herdeiro Waldemar da Silva, o qual se encontra na posse da terra inventariada, há aproximadamente cinqüenta anos, além da revogação do ato judicial que concedeu a imissão de posse.

Na petição, os herdeiros declaram que Lucio Salomone, tendo prévio conhecimento da data em que os oficiais de Justiça diligenciariam o mandado de imissão de posse, achou por bem instruir aproximadamente 20 jagunços armados, que procederam total devastação da propriedade, demolindo as residências, utilizando para tal a apropriação indevida de tratores de propriedade de firmas que funcionam no local, cometendo toda uma série de atrocidades e desrespeito não somente aos princípios de Direito, maculando o nome da Justiça.

Campos defende favelados - O prefeito nomeado de Cubatão, Carlos Frederico Soares Campos, esclareceu ontem seu relacionamento com Waldemar da Silva, que tem sofrido insinuações maldosas da parte a que se opôs desde o início. As insinuações tiveram origem no relatório em que os oficiais de Justiça historiam os acontecimentos do último dia 8, que acabou se transformando num dos mais violentos (realizados com a proteção da Polícia Militar) de que se tem notícia na Baixada Santista.

Campos considerou natural o uso do nome do prefeito para revelar algum prestígio, encontrando-se as vítimas da forma como se encontravam, em pleno sábado, a cerca de 3 quilômetros da rodovia Piaçaguera-Guarujá, sem qualquer proteção, tendo os selvagens total cobertura oficial.

Afirmam os oficiais de Justiça que o sr. Waldemar da Silva disse ser fornecedor de areia à Prefeitura, advindo daí seu prestígio. "Não conheço o sr. Waldemar, mas entendo que tenha usado meu nome nessa situação aflitiva. Quanto a fornecer areia para a Prefeitura, é bem possível, só que após o cumprimento de todas as normas legais. O que tentei - disse Campos - foi dar condições para que o tratamento dado às pessoas que estavam sendo desalojadas fosse o mais humano possível. É lamentável, mas talvez por ter muito dinheiro o sr. Lucio Salomone não tem coração. De minha parte fiz o que minha consciência mandou".

"Não conheço o sr. Waldemar. Conheço o sr. Salomone como homem bilionário que, na pior das hipóteses, por respeito e dignidade humana poderia oferecer casebres para aquela gente. Não ia pesar no seu bolso. Tenho certeza de que o juiz que está cuidando do problema saberá julgar aqueles que não conduziram as coisas de forma adequada".

Área é santista - O alcaide nomeado Paulo Gomes Barbosa afirmou ontem que o Sítio do Quilombo, onde ocorreram as violências, localiza-se em Cubatão e não em Santos. Entretanto, apesar de ser nas proximidades dos limites dos municípios, já foi confirmado que a região afetada é santista.

O burgomestre disse ainda que as famílias desalojadas não estão sendo assistidas pela Prefeitura santista porque ainda não pediram ajuda. "Estamos à disposição para atender, mas até agora ninguém veio aqui pedir auxílio", justificou.

Explicação - Foi encaminhada, pela Savoy Imobiliária Construtora Ltda., carta explicando que: "Esta empresa apenas atendeu a solicitação do inventariante dos espólios de Matilde Letzel da Silva e outro, no sentido de fornecer condução e funcionários qualificados à disposição de oficiais de Justiça, que estavam dando cumprimento ao mandado de imissão de posse expedido nos autos do Inventário nº 437/68 do Cartório do 6º Ofício de Santos, não tendo, pois, qualquer participação, quer direta, quer indireta, nas alegadas "violências e insinuações contidas na referida publicação".

Informou ainda essa empresa: "subtítulo da primeira página: Não havia 'representantes da Imobiliária Savoy' para a prática de quaisquer atos de 'invasão', 'violência' e 'despejo'. Apenas foram requisitados três auxiliares, três motoristas e um tratorista para atender determinações dos srs. oficiais de Justiça que viessem a facilitar o cumprimento do mandado (transporte, remoção, alojamento, alimentação)".