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Santos
O cafetão
Antonio Soares
Está findo o processo que me moveu o cafetão
Antonio Soares, português,natural de Arouca, e estabelecido com um botequim à Rua Martim Afonso, n. 57, nesta cidade.
Tendo eu, numa publicação feita pel'A Vanguarda,
dito que Antonio Soares era cafetão e explorava a cafetina Annita Blid, o mesmo indivíduo constituiu seu advogado o sr. dr. Antenor de Moura e
chamou-me aos tribunais. Nomeei meu advogado o sr. Benjamin Mota, então diretor d'A Vanguarda, e o meu patrono, desde a primeira audiência,
protestou pela prova da verdade, e, findo o sumário, em minha defesa apresentou sólida argumentação, acompanhada da prova de que Antonio Soares,
apesar de ser negociante e proprietário, era um cafetão.
O íntegro magistrado sr. dr. Luiz Porto Moretzsohn
de Castro, julgando o processo, proferiu o seguinte
DESPACHO
Vistos etc.
Considerando que, para dar-se a pronúncia, é
indispensável que o juiz tenha pleno conhecimento do delito e que existam indícios veementes de quem seja o delinquente (Cód. de Proc. Criminal,
arts. 144 e 145);
Considerando que, para existência do crime de
calúnia, é elementar que seja "falsa" a imputação a alguém feita de fato que a lei qualifica crime (Cód. Pen., art. 315);
Considerando que o ., em sua defesa, PROVOU SER
VERDADEIRA A IMPUTAÇÃO FEITA AO QUEIXOSO NO IMPRESSO DE FLS. 6, e objeto da queixa de fls. 2;
Considerando que, assim sendo, nos termos do art.
145, do Cód. do Proc. e 315 do Cód. Penal, e em vista da inexistência do crime atribuído ao R. na queixa de fls. 2, julgo improcedente a
mesma queixa e condeno o queixoso nas custas. Pub. int.
Santos, 29 de março de
1909.
Luiz Porto Moretzsohn de Castro.
O cafetão Antonio Soares ousou recorrer deste
despacho para a Egrégia Câmara Criminal do Tribunal de Justiça.
Então, o dr. promotor público da comarca de
Santos, dizendo sobre o recurso assim se expressou:
Egrégio Tribunal
O despacho de que se recorreu deve ser mantido,
não obstante as alegações do recorrente que não procedem, porquanto o crime de calúnia se caracteriza nos termos do art. 315 do Código Penal, isto
é, que seja falsa a imputação feita e que a lei qualifique crime.
Ora, DESDE QUE FICOU PROVADO que A IMPUTAÇÃO NÃO
FOI FALSA E SIM VERDADEIRA, ficou o querelado isento de pena nos termos do §
único do citado art. 315 do Código Penal. Em tais condições não podia deixar de ser julgada improcedente a queixa de fls. 2, sendo portanto o
despacho recorrido dado de acordo com a lei. Entretanto este Egrégio Tribunal resolverá com a sua costumada justiça.
Santos, 30 de abril de
1909.
O promotor
público
Norberto Cerqueira.
O íntegro magistrado sr. dr. Luiz porto Moretzsohn
de Castro, sustentando o seu despacho e mandando subir o recurso, disse:
Egrégio Tribunal
Sustentando o despacho recorrido, pelos seus
fundamentos, aguardo a decisão desse Egrégio Tribunal, que fará a costumada justiça. Siga o recurso, independente de traslado.
S. Paulo, 4 de maio de
1909.
Luiz Porto Moretzsohn de Castro.
O Tribunal proferiu no recurso o seguinte
ACÓRDÃO
Acórdão em Tribunal:
Que, vistos, relatados e discutidos estes autos,
em que é recorrente Antonio Soares e recorrido Manuel Cardoso Loureiro, depois do sorteio dos juízes adjuntos, negam provimento ao recurso para
confirmar, como confirmam, pelos seus fundamentos, que são jurídicos o estar de acordo com a prova dos autos, a sentença de fls. 91, que julgou
improcedente a queixa de fls. 2. E assim julgando condenam o recorrente nas custas.
S. Paulo, 5 de julho de
1909.
XAVIER DE TOLEDO, P.
ALMEIDA E SILVA
CAMPOS PEREIRA
CUNHA CANTO
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Eu podia fazer ponto aqui. Acusado, como um
caluniador, pelo cafetão Antonio Soares, proveu, perante os meus juízes, que não havia caluniado, e que, efetivamente, Antonio Soares era um
cafetão.
Despendi dinheiro e perdi tempo para prestar
serviço à sociedade em que vivo.
O honrado magistrado sr. dr. Luiz Porto Moretzsohn
de Castro, juiz de direito da segunda vara de Santos, o sr. dr. Norberto Cerqueira, promotor público, e o Tribunal de Justiça do Estado declararam
ser Antonio Soares um cafetão.
Resta, pois, que, sendo o lenocínio um crime
previsto nos arts. 277 e 278 do Código Penal, e estando judicialmente provado que Antonio Soares é cafetão, que o sr. dr. promotor público de
Santos, pedindo o traslado do meu processo, instaure contra Antonio Soares o competente processo.
Assim a sociedade santista ficará livre de um
indivíduo que se entrega a tão baixo e aviltante meio de vida.
Era o que eu tinha a dizer aos meus amigos e à
sociedade que me acolhe.
Santos, 21 de julho de 1909.
Manuel Cardoso
Loureiro. |