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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - Crônica policial - 18
O contrabando que não houve

Comerciante queria uma história para valorizar a mercadoria. Ficou sem ela

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Esta história se passou num tempo em que até os criminosos eram mais inocentes. Foi contada na página 6 do jornal santista A Tribuna, de 11 de janeiro de 1927 (ortografia atualizada nesta transcrição):

Imagem: reprodução parcial da matéria original

Um contrabando fantástico

As aventuras de três negociantes da Aparecida do Norte

As "mercadorias" estavam no Casqueiro – A vítima entregou 13:400$ adiantadamente ao célebre "contrabandista" Santos Silva, vulgo "Garrafão" – Quem são os seus cúmplices – A fuga, a bordo do "Portuguese Prince", de um dos espertalhões – Os irmãos Chad prestaram, ontem, declarações à polícia – A prisão de um cúmplice, o mais "inocente" deles todos – Como se conta a "história"

Tufay Chad é negociante estabelecido em Aparecida do Norte, à Rua Major Martiniano n. 2, tendo, na mesma cidade, outros dois irmãos, Miguel e José, ali também comerciantes.

Aparecida do Norte, a pitoresca cidade que se ergue sobre uma colina, dominando grande extensão do vale do Paraíba, é uma excelente praça para o comércio de armarinho e miudezas, assim como de artigos próprios para o culto católico, dado o extraordinário número de pessoas, de todo o Estado, e mesmo de outros, que afluem àquela cidade, onde, majestoso, se levanta o santuário de Nossa Senhora da Aparecida.

Tufay, como seus irmãos, ali reside,onde é estabelecido há muitos anos e, dada a natureza do negócio que explora, não perde ocasião de levar para o seu estabelecimento um estoque de mercadorias que lhe possa dar um lucro mais ou menos regular.

Tufay, no silêncio das noites do Norte, e finda a labuta diária, antevia um ótimo negócio, a compra de uma boa partida de mercadorias por um preço que lhe desse margem para ótimos lucros.

A compra de um contrabando, por exemplo, seria magnífica transação. E Tufay idealizava uma viagem a Santos, onde, certo, sabia, pululavam os contrabandistas.

E, assim, depois de arrumar as malas, veio para Santos. Aqui, depois de muito contemplar o mar, teve minutos de ternas saudades pela pátria distante, que ele, da praia, antevia, em sua contemplação, por entre as brumas que se perdiam ao longe, no horizonte. Além, muito além, estava a Síria, e Tufay teve, pensando na pátria tão distante, um olhar, rápido, para o passado…

Mas o presente o chamou à realidade e a realidade era o futuro… negócio, a compra, por bom preço, de uma muamba.

E isto, ademais, oferecia, além da parte prática, da parte puramente comercial, um lado também que lhe daria vaidade e prestígio perante o freguês vindo das "cidades mortas", perdidas no Norte do Estado, ao qual Tufay, orgulhoso, em Aparecida, lhe diria:

- E olhe, amigo, vendo-lhe por este preço porque o comprei de um contrabandista. Isto é o que há de melhor e você não imagina o quanto me custou a sua compra, lá numa estrada erma, em Santos, alta madrugada, bem em frente ao mar, que, furioso, bramia… Veja você o perigo a que me expus para lhe vender "isto" por uma tuta e meia. Você não imagina: a polícia já sabia, a Alfândega também, podiam aparecer soldados, guardas aduaneiros e era uma vez "seu" Tufay… Cadeia na certa…

O negociante de Aparecida deixou-se de contemplações sem resultado prático e foi até o Mercado.

***

Um indivíduo qualquer, que um um dos heróis desta "aventura" diz não conhecer, lhe ofereceu à venda, no Mercado, várias mercadorias, como sedas, relógios e outras miudezas.

Tufayt, no momento, não quis comprar, mas o mesmo indivíduo lhe pediu o endereço, que foi dado, regressando depois a Aparecida, onde, há poucos dias, recebeu este telegrama: "Venha, urgente".

O endreço, Tufay já o tinha: Rua 7 de Setembro n. 116.

Era o negócio sonhado, a compra, afinal, de um contrabando.

Muniu-se de dinheiro, assim como os seus irmãos Miguel e José, e vieram todos para Santos, anteontem, à procura de Antonio Peixeiro, o mesmo que lhe havia passado o telegrama.

Na casa da Rua Sete de Setembro foi procurado, mas ali, os negociantes, ex-futuros compradores de mercadorias a bom preço, vieram que o Antonio do telegrama e do Mercado, não era o mesmo Antonio que lá se achava.

Isto, porém, não tinha importância, visto que o negócio seria feito do mesmo modo, como de fato foi, mas por outros "modos"…

A mercadoria era do valor de pouco mais de treze contos. O negócio, em três tempos, foi feito. Havia, porém, uma condição: a "mercadoria" só seria entregue em horas mortas, pouco além do Saboó, perto de uma ponte. Todas estas condições foram, sem relutância, aceitas.

Afinal, no auto n. 53, de Guaratinguetá, os três irmãos, depois de uma hora, de sábado, foram para o local indicado.

Um grande silêncio pairava em tudo. Vultos misteriosos, como os antigos personagens dos romances de capa e espada, deslizavam pela sombra. O rio, ali perto, corria em doce remanso. Amarrada a uma estaca, estava uma canoa, perto da ponte do Casqueiro, onde vultos também se mexiam. Tudo "isto" era muito de aventura e iria, mais tarde, quando relatado aos futuros fregueses, com acréscimo de uns cento por cento, dar grande valor à mercadoria e embasbacar, pelo romance, os freqüentadores da loja da Rua Major Martiniano, que conheceriam, então, o perigo que oferece, na estrada do Casqueiro, a compra de um contrabando…

Os preliminares do negócio foram rápidos e Tufay, sem pestanejar, entregou ao tal Antonio – que não é outro senão o célebre Antonio Santos Silva, vulgo "Garrafão" -, a importância de 13:400$, valor das "mercadorias" compradas, quando passou por dolorosa surpresa.

Antonio, e os outros homens que estavam no Casqueiro – os terríveis contrabandistas -, começaram a dar tiros a torto e a direito, e depois fugiram, deixando os pobres negociantes no meio da estrada, à espera das mercadorias compradas por 13:400$.

Foi, deste modo, mais uma vez, passado, em Santos, o célebre conto do contrabando.

AMERICO JORGE - preso, ontem, no mercado. Serviu de barqueiro, às ordens dos contrabandistas

Foto publicada com a matéria

DANIEL RODRIGUES - apontado como

 sócio de Santos Silva,

na proeza de sábado

Foto publicada com a matéria

O negócio que Tufay fizera era o de um falso contrabando, idealizado por Antonio Santos Silva, o "Garrafão", com o auxílio de Daniel Rodrigues Guerrien, Manoel Corrêa Vergueiro, Americo Jorge e outros, cujos nomes são ignorados.

Não houve o que se possa chamar um assalto.

As vítimas quando perceberam o logro em que caíram, e quando o chofer do auto 53 havia, não de medo, mas por prudência, desaparecido para os lados de S. Paulo, outro remédio não tiveram senão retroceder, voltando para esta cidade, fazendo uma escala no quartel de polícia, de onde foram para a Delegacia Regional, ali relatando a "aventura", mas de modo diverso. Que iam para S. Paulo, e foram assaltados por terríveis bandidos, onde, sem dúvida, existiam cúmplices de todos os "Lampiões" e "Lamparinas" que infestam as estradas do Nordeste…

Segundo essa narrativa, estava-se ante um fato grave, um assalto de verdade. Mais tarde, porém, ficou a verdade restabelecida, e o próprio Tufay, nas declarações que, ontem, prestou à polícia, disse que entregou o dinheiro por livre e espontânea vontade, antecipadamente, para, depois, receber as… mercadorias.

José, irmão de Tufay, e isso dele ouvimos, narrou uma história complicada, luta, murros, taponas e… dinheiro tirado à força…

E José dizia que, se não fosse meio aleijado de um braço, impediria – mesmo com sacrifício da vida – que seu irmão fosse vítima dos assaltantes.

***

O dr. Armando Ferreira da Rosa, delegado regional, achou muito interessante toda a história do assalto, mas não a acreditou e pediu, com a delicadeza que o caracteriza, que a história fosse narrada tal qual ela se passou, que isso de um assalto estava mal contado.

Depois disto, Tufay e seus irmãos narraram a verdade. O dinheiro não foi tirado à força, nem houve assalto, apenas os tiros, depois que os "piratas" estavam com a "massa".

***

Antonio Santos Silva é conhecidíssimo da polícia, sendo o mesmo reincidente nestes negócios de "contrabando".

Sobre o fato foi aberto inquérito, iniciando a polícia as precisa investigações, tendo o dr. Armando Ferreira da Rosa determinado várias diligências, uma das quais surtiu efeito.

O inspetor Salvador Cianzaruso foi encarregado de uma captura e, certa de 13 horas, no Mercado, aquele inspetor, em companhia de seus companheiros Luis Correa e Clodomiro Marchetti, efetuou a prisão de Americo Jorge, cujo "cliché" estampamos, hoje, indivíduo esse cúmplice de "Garrafão", tendo ele servido de barqueiro, para a fuga dos espertalhões.

Americo, que, levado à presença do delegado regional, tudo confessou, viu quando o dinheiro foi entregue, mas afirma que, se soubesse do que se tratava, não tomaria parte no "negócio".

Antonio Santos Silva está foragido. Daniel Rodrigues, apontado como seu sócio, também fugiu, seguindo a bordo do "Portuguese Prince", estando também em local ignorado os demais "membros" da história do falso contrabando.

Tufay, assim como seus irmãos, regressou, ontem, a Aparecida, estando aquele, agora, convencido de que a compra de um "contrabando" é mesmo um negócio perigoso, e pode, com experiência própria, dizer isto aos seus fregueses, em sua loja…

***

A polícia prossegue nas diligências para a captura dos espertalhões, inclusive a de um indivíduo que, no Casqueiro, estava vestido de azul, com um dólmã, fingindo de "autoridade", para, certo, "afugentar" os heróis da novela, para melhor ser a encenação, imaginada por Santos Silva, que é o célebre carregador n. 1, o "Garrafão".

Antonio Santos Silva - Garrafão

Foto publicada com a matéria

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