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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - BELMONTE - BIBLIOTECA NM
Belmonte e No tempo dos bandeirantes

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Conhecido principalmente pela atividade cartunística nos jornais paulistanos, e pelo seu personagem Juca Pato, o desenhista Benedito Bastos Barreto (nascido na capital paulista em 15/5/1896 e ali falecido em 19/4/1947), o Belmonte, foi autor de inúmeros livros, entre eles a obra No tempo dos Bandeirantes, que teve sua quarta e última edição publicada logo após a sua morte. Sua biografia é aqui transcrita do site Spacca (consulta em 28/7/2007):
 
Bibliografia

Benedito Bastos Barreto (1896-1947) assinava Belmonte e tinha cara melancólica de índio paraguaio. "Por que motivo quase todos os humoristas são tristes? Não sei, francamente, como responder. Creio que são tristes pela mesma inexorável razão por que as caveiras são alegres!" (em "A Cigarra", 1924).

Por duas décadas, Belmonte dominou a imprensa paulistana com o personagem Juca Pato, sujeito enfezadinho, careca e de óculos, que reclamava do custo de vida e do desgoverno dos governantes. Publicou na Folha da Noite, na Careta, na Folha da Manhã. Neste jornal, suas charges contra o nazifascismo chegaram ao conhecimento de Joseph Goebbels, ministro da Propaganda e da Informação de Hitler. Consta que o político nazista reagiu furiosamente, acusando o brasileiro, pelo rádio, de ter sido comprado pelos aliados.

Herman Lima, historiador da caricatura no Brasil, observa que Belmonte nunca teve a espontaneidade que se espera de um cartunista. Seu trabalho nunca dava "a impressão de ter sido feito a jato, sair-lhe fumegante das mãos". O traço era comportado, as figuras estáticas, duras como estátuas, adquiriam certa leveza quando Belmonte submetia-se à influência poderosa do elegantíssimo J. Carlos.

Além de chargista, foi um dos melhores ilustradores da obra infantil de Monteiro Lobato (o meu preferido é o cubano André Le Blanc). Segundo Lobato, o artista era bom também com as palavras: "A mesma finura de humor que mostra no desenho ressalta dos seus comentários escritos". Assinou crônicas e artigos na "Fon-Fon!", "O Cruzeiro" e outras publicações.

Belmonte atribui essa versatilidade a seu espírito irrequieto: "Gosto de ser caricaturista, desenhista, pintor, escritor, jornalista, historiador, o que, afinal, se não chega a dar notoriedade em nenhuma dessas atividades, pelo menos é um bom processo de se distrair de cinco formas diferentes" ("D. Casmurro", 1942).

A mais discreta dessas distrações talvez tenha sido a mais apaixonante: a pesquisa histórica. Muitos chargistas usam o expediente de satirizar um político, representando-o como César ou Hamlet, utilizando o passado como metáfora do presente; mas é tão evidente o prazer com que Belmonte lança mão desse recurso, que podemos pensar o contrário: para ele, o presente é que se torna um pretexto para se entregar à absorvente tarefa de reviver o passado.

Historiador do Cotidiano - Em No Tempo dos Bandeirantes (1939), o autor declara diversas vezes que não se trata propriamente de um livro de História: "poder-se-ia, antes, classificá-lo na categoria dos livros subsidiários, se é que este trabalho merece classificação", ou ainda, "simples reportagem retrospectiva sobre a vila de S. Paulo".

Aqui, Belmonte não está sendo apenas modesto. Com efeito, para ele, "História" (assim mesmo, com agá maiúsculo) é a ciência que determina como se deram os fatos históricos, descrevendo-os e explicando-os de modo "infalível e definitivo". Um livro de História diria, por exemplo, como e a que custo S. Paulo do Campo de Piratininga sobreviveu aos perigos do sertão, narrando as batalhas e localizando os fatos no tempo.

Ora, o livro de Belmonte é um painel que retrata, em palavras e imagens, a vida cotidiana dos paulistas de 1600, suas casas, seus móveis, a limpeza das ruas, os preparativos das festas e procissões, a medicina, a escravidão indígena, o comércio de vinho adulterado... é o que se batizou mais tarde de "história do cotidiano", o relato dos hábitos e costumes corriqueiros do dia-a-dia, em oposição à História do Grandes Personagens e suas batalhas e conquistas.

Recorrendo à pesquisa minuciosa em testamentos e atas da Câmara Municipal, obras sobre arquitetura, armamento e heráldica, Belmonte foi verdadeiramente um historiador do cotidiano, antecipando essa tendência futura precocemente trilhada pelo sociólogo Gilberto Freire (que também era desenhista). O desenho detalhista, que para a charge foi uma camisa-de-força, se torna o complemento natural da reconstituição histórica, que não pode prescindir da informação visual.

É verdade que o seu bandeirante ressurge demasiadamente heróico para o gosto revisionista de hoje (que retrata os paulistanos seiscentistas como bárbaros sanguinários, sujos e descalços escravizadores de índios - o que não deve estar muito longe da verdade). Mas Belmonte não deixa registrar a penúria dos paulistas, assim como destaca o luxo com que se vestem em dias de festa.

O leitor que vencer a linguagem um tanto fora de moda do caricaturista-historiador, terá diante de si um retrato vivo dos primeiros habitantes de Piratininga, entremeado aqui e ali com o sutilíssimo humor belmontiano:

"Consome-se vinho larga e abundantemente, em S. Paulo do Campo. E esse consumo contribúe para que o comércio da vila tome uns aspetos importantes, não só devido ao produto da terra, em geral azedo, mas também ao vinho do Reino, muito apreciado por todos e, principalmente, pelos negociantes que realizam o inverso milagre bíblico, transformando-o em água."

É o Juca Pato denunciando os crimes contra a economia popular, desde o século dezessete...

Seu falecimento foi assim registrado pelo jornal Folha da Manhã num domingo, 20 de abril de 1947 (consulta em 28/7/2007):

Faleceu o caricaturista Belmonte

Morreu ontem, após prolongados padecimentos, o admiravel criador do Juca Pato - Benedito de Bastos Barreto, Belmonte - que no Brasil inteiro e mesmo alem das nossas fronteiras era aplaudido pelas suas "charges" politicas e os seus desenhos no terreno da ilustração historica.


Publicado na Folha da Manhã, domingo, 20 de abril de 1947
Neste texto foi mantida a grafia original

Faleceu ontem o desenhista Belmonte, criador do Juca Pato

A morte de Benedito Bastos Barreto ocorreu pela madrugada no Hospital São Lucas, tendo-se realizado à tarde o sepultamento

Causou a maior consternação nesta casa, que ele sempre distinguiu com a sua fidelidade e o seu talento; em todo São Paulo, cuja vida politica e social deixa narrada através de suas "charges" e das suas ilustrações de carater historico; e mesmo em todo o país, de cujo resumido grupo de caricaturistas era nome de primeira plana, a morte do admiravel jornalista e desenhista Benedito Bastos Barreto, desde os seus primeiros passos conhecido por Belmonte, o criador da figura imortal do Juca Pato, tão cheia da sua "verve" nas linhas simples que a compõem.

Não há melhor necrologio para Belmonte, nesta hora de tristeza, que a recordação das figuras que sairam animadas do seu lapis e que se celebrizaram por todo o país, seja o seu Juca Pato, simbolo da ingenuidade admirada e perguntona do nosso povo diante dos acontecimentos politicos e administrativos que não compreende, mas cujas consequencias sempre acaba sofrendo, seja a sua curvilinea Melindrosa de há vinte anos, quando o batom e os cabelos "à la garçonne" nos chegaram de Paris, seja ainda os seus bandeirantes barbaçudos, heróicos nas vestes de couro, empunhando aqueles horrendos bacamartes que vomitavam metralha nos dias ardentes da conquista do sertão. Esse é o Belmonte, o Belmonte que lembraremos sempre e que tem o seu lugar marcado dentro da historia da "charge" na vida da nossa imprensa e da ilustração no terreno da reconstituição historica.

Como era conhecido e admirado pelo nosso zé-povinho, testemunha-o um fato que ainda ontem, dia de sua morte, observamos no centro da cidade. Saia a edição unica da "Folha da Noite" com seu retrato na primeira pagina, e os jornaleiros, sobraçando punhados de vespertinos, disparavam do balcão aos gritos de "Morreu Belmonte! Morreu Belmonte!". Os transeuntes paravam, um espanto incredulo nos olhos, o gesto em meio de tirar o niquel do bolso e chamar os moleques que corriam...

Daí a pouco, na praça da Sé, nas ruas Direita, São Bento e Quinze de Novembro, as folhas eram disputadas, e os jornaleiros, numa homenagem postuma ao grande caricaturista, espalhavam nas calçadas os exemplares que traziam, só deixando visivel o retrato daquela figura melancolica de Belmonte, à qual tambem já estavam acostumados, pois eram os primeiros a "ler o Belmonte" logo que adquiriam a "Folha da Noite" em nosso balcão. Outros continuavam a correr pelo centro, repetindo sempre o mesmo grito - "Morreu Belmonte! Morreu Belmonte!" - que fazia entreparar os transeuntes e de subito os mergulhava num espanto vizinho da incredulidade. Morrera Belmonte!

Nota predominante da sua formação de artista era o amor que dedicava à Capital paulistana, donde nunca se afastou nem mesmo doente. Amor de todas as horas, demonstrado em todas as oportunidades, a proposito de qualquer coisa e até de coisa nenhuma. Dez dias antes do seu passamento pediu ao nosso reporter Nelson Wainer que o acompanhasse num passeio pelos pontos mais caracteristicos da cidade. E lá se foram ambos, de automovel, pela noite a dentro, visitando as avenidas iluminadas, os monumentos distantes, os arranha-céus que estão nascendo nas novas ruas abertas pela picareta da Prefeitura. Era a ultima visita, dizia ele. Não queria morrer sem ter na retina as imagens da sua cidade de São Paulo.

Era uma criatura esguia e silenciosa, afavel e amiga, inclinada ao aplauso e à compreensão, incapaz de mostrar-se e descuidado do lucro. Embora nada comunicativo, como se toda a sua exuberancia a consumisse o lapis por que falava, rodeava-se, entretanto, de largo circulo de amigos, cujo carinho cultivava com desvelo. Sobretudo nesta casa, de cujo progresso e prestigio entre o publico leitor de todo o Brasil, desde os dias da fundação, foi fator preponderante, deixa ele em cada trabalhador um companheiro inconsolavel, fiel à memoria da sua amizade e do talento criador. A Belmonte, portanto, com a nossa saudade, as nossas homenagens.

Traços biograficos de Belmonte - Benedito Bastos Barreto nasceu nesta Capital, a 15 de maio de 1896, e era filho do dr. João Caneros de Bastos Barreto e de d. Rita do Espirito Santo Barreto, ambos já falecidos.

Frequentou, na cidade natal, a Escola Modelo "Caetano de Campos", o Ginasio "Macedo Soares", o Instituto de Ciencias e Letras, o Curso "Alfredo Paulino" e outros. Ingressou na Faculdade de Medicina, mas ali permaneceu um ano apenas, pois tinha pendor para as letras e as artes, o que o fez abandonar completamente o curso medico.

Colaborou, a principio, em varias publicações, sendo, em 1921, com a fundação da "Folha da Noite", convidado para integrar o corpo redatorial do nosso vespertino. Escreveu artigos de fundo, cronicas e topicos, ilustrando-os com seus desenhos. Alguns anos depois, criou o famoso "Juca Pato".

De outro lado, grangeou fama com suas charges. Suas caricaturas, durante muitos anos pelas "Folhas", eram constantemente reproduzidas nos maiores orgãos da imprensa mundial.

Ocupou Belmonte varios cargos publicos; foi redator do DEIP e assistente-tecnico, de Festejos Populares, da mesma entidade.

Era membro do Instituto Historico e Geografico de São Paulo, do Instituto Heraldico-Genealogico, da Sociedade dos Escritores Brasileiros, da Associação Paulista de Imprensa e da Associação de Belas-Artes. Alem disso exerceu, em 1936 e 1937, o cargo de membro da Comissão Municipal de Diversões Publicas e em 1940 o de membro da Comissão incumbida de estudar a urbanização da fazenda e morro do Caraguá.

Deixa publicadas as seguintes obras: "Angustias de Juca Pato" (album de caricaturas); "O amor através dos seculos" (album de caricaturas, edição de luxo); "Assim falou Juca Pato" (cronicas humoristicas, edição da Companhia Editora Nacional); "A cidade do Ouro" (livro para crianças); "Idéias de João Ninguem" (cronicas humoristicas, edição da Livraria José Olimpio Editoria); "No reino da confusão" (album de caricaturas); "Musica, maestro!" (album de caricaturas); "A guerra do Juca" (album de caricaturas); "No tempo dos Bandeirantes" (livro de historia, duas edições do Departamento de Cultura, uma da Cia. Melhoramentos e a quarta, que se acha no prelo, da mesma editora).
*
Benedito Bastos Barreto deixa viuva, d. Francisca Cardoso Bastos Barreto, e uma filha, srta. Laís.

O falecimento de Belmonte - O falecimento de nosso companheiro ocorreu ontem às 3 h 45 no Hospital São Lucas, onde se achava há dias em tratamento.
Trasladado o corpo para a residencia do extinto, à rua Atibaia, nº 129, desde cedo ali, compareceu, para prestar-lhe as ultimas homenagens, avultado numero de pessoas. Viam-se entre os presentes os representantes do governador do Estado e de outras autoridades da Academia Paulista de Letras, do Departamento Estadual de Informações e de outras entidades; figuras de relevo em nossos meios sociais, artisticos e literarios e numerosos amigos do falecido. Pelas "Folhas" compareceram o dr. José Nabantino Ramos, diretor-superintendente, e varios redatores.

Os funerais - O sepultamento realizou-se às 17 horas, no cemiterio São Paulo, com grande acompanhamento. Estiveram presentes, entre outras pessoas, os srs. tenente Delfim Cerqueira Neves e Joaquim Severino de Paiva, representando o sr. Ademar de Barros, governador do Estado, e familia; Lellis Vieira, diretor do Departamento de Cultura, por si e pelos srs. Cristiano das Neves, prefeito municipal, e Ubiratã Pamplona, secretario de Cultura e Higiene; Carlos Rizzini, diretor-geral do Departamento Estadual de Informações; Casimiro da Rocha Filho, representando o sr. Aluisio Lopes de Oliveira, diretor-geral da Secretaria da Educação; José Nabantino Ramos, diretor-superintendente da Empresa "Folha da Manhã" S/A; Menotti Del Picchia, presidente, e Manuel Mendes, do Sindicato dos Proprietarios de Jornais e Revistas de São Paulo; deputado Aureliano Leite, deputado padre João Batista de Carvalho; representante do Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Comerciarios; Manuel Domingues, por si, pela Associação Paulista de Imprensa e pela Agencia France Presse; Mario da Silva Brito, por si, pela Livraria do Globo e pelos srs. Edgar Cavalheiro, Henrique Marinho de Azevedo e Luís Camilo de Farias; René Thiollier, por si e pela Academia Paulista de Letras; Pericles da Silva Ramos, Cassiano Ricardo, Corifeu Azevedo Marques, Cleomenes de Campos, Otaviano Alves de Lima, Ariovaldo Teles de Meneses, com F. Rubbiani, viuva Olival Costa, Rui Bloem, Honorio de Silos, Candido Mota Filho, Henrique A. Costa, Jofre da Cunha Batista, Fernando Pimentel, Odair Lisboa e senhora; A. Freitas Nobre, Enildo S. Franzosi, por si e pelo "Jornal de São Paulo"; Artur Pacheco, Bernardes de Sousa, da A. P. B. A.; Altino Mendes, João de Guglielmo Neto, Mucio Porfirio Ferreira, Oduvaldo Viana, Laurindo de Brito, Rubens Caiubi e senhora; Pompilio Xavier, Decio Pacheco Silveira, Francisco Sinesio da Silva Filho, por si e pelo Centro Paulista dos Cronistas Carnavalescos; Ari Jorge Linhares, Luciano Bicudo, Orlando Mota, Tacito Macedo, Cassio Villaça e senhora; Osvaldo Mariano, Osmar Pimentel, Francisca Maria da Silva, Edmar Mariano Leme da Costa, do Departamento Estadual de Informações; Stela de Carvalho, Henrique de Carvalho, Presciliana da Silva, Luís A. Fuzzaro, Edite Nehring Lisboa, Matos Pacheco, Elisa da Costa Simões, Osvaldo Piedade Trindade, Geraldo Russomano, Manuel Mendes, Renato Pacheco Braga, Edgar Braga, Mario Graciotti, Emilio Tisi, Antonio Tisi, Bernardino Pereira, Cleno Machado, Açucena Felicio, Edgar Braga Filho, Inacio Diniz, Ricardo Cipicchia, L. A. Pereira de Queirós, Carlos Schneider e senhora; G. Paulo Felizardo, Epiteto Fontes, Emilia Fontes, Lisete Fontes, Marinulia Fontes, Dail Fontes, Leonor M. Araujo, L. Cunha, João Pereira, Luciano Farina, Aristides Faucon, Argemiro Assis Saes, Sofia Bedran; Nelson Wainer, por si e pela "Revista da Semana"; Francisco Pugliese, Celia Vilaça, Rosa Natale Calabreze, Maria Graciotti Machado, Gustavo Santana e Silva, Alberto F. Silva, Oliverio Graciotti, Pedro Xavier Araujo, Amelia Matos Araujo, A. Araujo Filho, Henrique Linck, Nicanor Martins e senhora; Olivio Gomes, A. Ulhoa Cintra, Geraldo de Ulhoa Cintra, da Editora Anchieta; Amadeu Nogueira e senhora; Nair Ammirabile, Altamiro S. Ferreira, Lucia Cercchiaro, José M. Fernandes, Valter Gallembeck, Tsugue Kishimoto, Gustavo Silva, por si e pela "Publitec" Ltda.; Valter Forster e senhora; Aurea Teixeira Martins, Armando Americano, e senhora; Manuel Joaquim de Sousa, familia Antonio Accorsi, Edgar Xavier, O. da Costa Guimarães, Olavo Vieira, Manuel de Oliveira Moreira, Luís Monteiro, José Geraldo Salgado Nunes, Paulo Henriques, por si e familia.

Discurso do sr. Aureliano Leite - Ao baixar o corpo à sepultura, o deputado Aureliano Leite proferiu o seguinte discurso:

"O destino reservou-me a situação cruel de, vindo a São Paulo por 48 horas, assistir ao enterramento de Belmonte nesta tarde chuvarenta de abril.

"Todos vós, que tomais parte neste ato, o mais tragico e solene da existencia humana, conhecieis e admiraveis o morto. Mas nenhum de vós o conhecia e admirava mais do que eu.

"O meu perfeito conhecimento de Belmonte não é de extensão no tempo, não significa que acompanhe a sua vida operosa desde a infancia: o meu conhecimento é por haver penetrado a fundo a sua alma e o seu carater.

"Realmente, debaixo daquele seu feitio menos exotico que singular, ninguem amava mais São Paulo do que ele. E ninguem sabia mais servir o seu povo.

"Diz com razão a "Folha da Noite" de hoje que as suas "charges" eram apreciadas pelo povo porque refletiam as suas aspirações, o seu julgamento dos fatos e homens do dia. O povo falava, assim, pelo seu lapis. Na verdade, ele estava sempre com o seu povo, errado ou certo. Nunca o abandonou, nunca o traiu.

"Lembro-me de quando o Estado Novo derramava o seu ouro em São Paulo, para conquistar dedicação e apaniguados... Poderia jamais esse ouro poderoso conseguir corrompê-lo. Jamais logrou ele trocar o amor do seu povo pelo amor da gloria facil, da posição duvidosa, do reclame balofo.

"O seu lapis nem se alugou nem se vendeu, foi sempre dele, exclusivamente das suas idéias e impressões, dos seus juizos e conceitos. Sem a extravagancia dos grossos traços do inesquecivel Voltolino e o academismo rigoroso de Wilson Rodrigues, ele foi ele, tão somente ele, com criações imorredouras.

"A "Folha da Noite" fala, ainda, na sua criação do "Juca Pato", esse endiabrado boneco calvo, de oculos, trajando fraque e luvas, mas que berrava e protestava contra as injustiças cometidas pelos governos e subadministrações publicas.

"Mas Belmonte teve outras inumeras criações nas cenas e figuras dos nossos principais sertanistas, julgados por uns como um tanto cinematograficos. Seja como for, de dois destes ultimos sei que firmou retratos consagrados.

"Quero referir-me a Amador Bueno, o Aclamado, e a Amador Bueno da Veiga, o cabo maior dos paulistas na guerra com os "Emboabas". Inspirando-se nas linhas fisionomicas dos seus descendentes autenticos, concebeu dois desenhos ricos de traços e de fidelidade historica.

"Foi na realidade as duas coisas ao mesmo tempo e em ambas perfeito: artista e patriota, fundamentalmente paulista.

"Podendo viver muito mais amplamente, brilhando em cenario maior, fora do Estado, na magnifica Rio de Janeiro ou nos formidaveis Estados Unidos, preferiu estabilizar-se em São Paulo, sofrendo imenso com o seu clima inconstante, mas de alerta ininterrupta, sem deixar um instante a pena e o lapis, para servir regionalmente, apaixonadamente, a terra que lhe deu o berço e que hoje abre o seu seio, a fim de recebê-lo por todo o sempre.

"Reafirmo: conhecieis e admiraveis o morto, mas nenhum de vós o conhecia e admirava mais do que eu.

"Choremos sinceramente o seu desaparecimento e, como consolo, levemos para nossas casas o seu espirito inconfundivel, que soube servir e amar a fundo a sua terra e a sua gente."

O pesar da Assembléia Legislativa - Por proposta do deputado Arimondi Falconi, a Assembléia Legislativa estadual, em sua reunião ordinaria de ontem, aprovou um voto de pesar pelo falecimento de Belmonte.