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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - BELMONTE - BIBLIOTECA NM
No tempo dos bandeirantes [30]

Conhecido principalmente pela atividade cartunística nos jornais paulistanos, e pelo seu personagem Juca Pato, o desenhista Benedito Bastos Barreto (nascido na capital paulista em 15/5/1896 e ali falecido em 19/4/1947), o Belmonte, foi autor de inúmeros livros, entre eles a obra No tempo dos Bandeirantes, que teve sua quarta e última edição publicada logo após a sua morte.

A edição virtual preparada por Novo Milênio objetiva resgatar esse trabalho, que, mesmo sendo baseado em pesquisas sem pleno rigor histórico, ajuda a desvendar particularidades da vida paulistana, paulista e, por conseqüência, também da Baixada Santista. Esta edição virtual é baseada na quarta edição, "revista, aumentada e definitiva", publicada pela Editora Melhoramentos, São Paulo, sem data (cerca de 1948), com 232 páginas e ilustrações do próprio Belmonte (obra no acervo do professor e pesquisador de História Francisco Carballa, de Santos/SP - ortografia atualizada nesta transcrição):

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[30] As igrejas

Ainda o roteiro de Céspedes Xéria - Simbologia cartográfica - Igrejas com alpendres - Matriz, Colégio, Carmo e Misericórdia - Três séculos depois: a Capela de São Miguel

s dois capítulos anteriores - artigos que publiquei na Folha da Manhã nos dias 17 de abril e 1º de maio de 1938 - nos quais focalizei um problema da quase inexistente iconografia seiscentista referente à vila de São Paulo, encontram-se neste livro por vários motivos, dois dos quais desejo especificar: primeiro, para que, com a sua maior divulgação, possam opinar sobre este problema os doutos na matéria; e segundo porque, voltando ao assunto, desejo opinar contra mim mesmo, refutando uma das conclusões a que havia chegado.

Em verdade, no primeiro daqueles artigos, referindo-me ao torturante esboço do roteiro de Céspedes, escrevi: "E, se esse esboço não pretende figurar uma igreja, hipótese aceitável..."

Vejo agora, porém, que a hipótese é absolutamente inaceitável e que o malsinado "borrón" não representa, de modo algum, nenhuma das principais igrejas da vila de São Paulo, pela mesma razão por que não representa a casa da Câmara paulistana: por causa do alpendre.

Senão, esmiucemos o caso que não ocorreu ao mestre Afonso de Taunay nas refutações que opôs às minhas duas hipóteses, mas que eu faço questão de levantar contra mim mesmo. Destruo a primeira mas, até prova em contrário, finco pé na segunda, isto é, os esboços do mapa-roteiro de Céspedes não passam de representações simbólicas.


Janelas, porta e chaminé seiscentistas (M'Boy e Carapicuiba)
Ilustração: Belmonte, publicada com este capítulo do livro

Já demonstrei que o fato de as famosas figurinhas não terem aspecto de igrejas, nada significa porque, numa vila paupérrima como São Paulo, não era possível a construção de templos com as suas características principais, pois todos os seus edifícios pareciam construções provisórias, erguidas como que a título de experiência num lugar e numa época em que a vila vivia continuamente ameaçada e a sua existência em constante perigo. O que, todavia, desfaz a suposição de que o "borrón" de Céspedes não representa, talvez, uma igreja do planalto, é que a maioria dos templos paulistas não tinha aquele aspecto - como não o tinha a casa da Câmara.

Ao tempo em que por aqui passa Céspedes Xéria, existem na vila seis igrejas, além das ermidas que situam fora do núcleo urbano - capelas e ermidas de N. S. de Maruí, de N. S. Pinheiros, de N. S. da Conceição dos Guarulhos, de N. S. da Espetação - na atual Freguesia do Ó, e das mais distantes, como a de Barueri e Sant'Ana de Parnaíba.

Na colina central a matriz, cuja atribulada história resumimos num dos capítulos anteriores; a do convento do Carmo, fundada em 1594 por frei Antônio de São Paulo; a do mosteiro de São Bento erguida, como pequena ermida, por frei Mauro Teixeira e, por contrato assinado em 17 de janeiro de 1650, reedificada por Fernão Dias Pais; a da Misericórdia, cuja data de fundação se desconhece, mas que já existe em 1608, como se depreende da ata da Câmara, de 17 de setembro desse ano, na qual se lê: "... nesta dita villa as portas da igreja da samta mizericordia que serve de matriz"; - a igreja de Santo Antônio, erguida no mesmo local em que hoje se encontra e, finalmente, a igreja do colégio ou igreja de Santo Inácio, berço do incipiente povoado. Quanto à igreja de São Francisco, só foi começada a edificar em 1639.


"...que tivessem cuidado com os alpendres e adros das igrejas desta villa, os quaes os gados sujavam..." (1624)
Ilustração: Belmonte, publicada com este capítulo do livro

Se, na rumorosa travessia que levou a efeito em 1628, rumo ao Guairá, o governador do Paraguai pretendesse fixar no papel, com sua mão indecisa, uma das igrejas da vila, teria optado, certamente, pela que apresentasse melhor aspecto - isto é, qualquer delas menos a de São Bento e a de Santo Antônio que não passavam de humílimas capelas, tão humildes como algumas das que se situavam nos circuitos da vila.

Entretanto, tal não aconteceu, pois as principais igrejas do povoado, como a sua casa da Câmara, tinham alpendre.

Onde?

No único lugar em que se admitia um alpendre: na frente do prédio, desde que, como vimos num dos primeiros capítulos deste livro, os "alpendres" laterais ou posteriores tinham, aqui, o nome genérico e inconfundível de corredores.

Senão, é bastante passarmos a vista pela ata da sessão realizada pela Câmara no dia 21 de dezembro de 1624 - quatro anos antes da passagem de Céspedes Xéria pela vila de São Paulo.

Nesse dia, com efeito, o escrivão Calixto da Mota, redigindo a sua ata, escreve:

"... que eu escrivão de novo notificasse aos ditos aleixo jorge e bartholomeu glz. que cõ pena de quinhentos rs. pera obras do cõselho e acuzador tivessë cuidado todos os dias de mandarë alinpar os alpendres dos templos desta villa a saber aleixo jorge o da igreja matriz e do carmo e logo notifiquei ë prezença dos ditos ofisiais e a bartholomeu glz. que tivesse cuidado do alpendre da mizericordia e o da companhia..."


"Uma cantareira de taboádo"
Ilustração: Belmonte, publicada com este capítulo do livro

Como se vê, é indiscutível a existência do alpendre nas quatro principais igrejas da vila, Misericórdia, Carmo, Colégio e Matriz, tão indiscutível como a sua presença na casa da Câmara de São Paulo, ao tempo em que aqui passa o misterioso governador do Paraguai. E isso vem tornar mais sólida a minha asserção sobre a existência de alpendres na frente das casas e não nos fundos. Em não poucas aldeias de Portugal encontram-se, ainda hoje, igrejinhas alpendradas e, para não irmos tão longe, basta que nos voltemos para o burgo humilde que, surgido de uma aldeia de índios, se transformou no povoado de São Miguel, a menos de vinte quilômetros da capital paulista.


Capela de São Miguel, erigida em 1622, com seu alpendre característico,
no estado em que se encontra hoje (N.E.: 1938)
Está situada na vila do mesmo nome, nas proximidades da capital paulista
Ilustração: Belmonte, publicada com este capítulo do livro

Nascida com a mudança do aldeamento dos índios guaianás de Guarapiranga, a povoação de São Miguel começa com a construção de uma capela, pelo padre João Álvares, da Companhia de Jesus, em 1622. Humilde construção de taipa, coberta de telha, sem nenhuma das características arquitetônicas das casas de religião, a ermida de São Miguel é, hoje, na sua humildade caipira, o mais sugestivo documento, vivo e palpável, que nos veio da época do seiscentos.

Nada, no seu aspecto exterior, indica tratar-se de uma igreja, mesmo humilde igreja de aldeamento indígena. E, entretanto, ela ali está, desafiando os séculos e os "reformadores", com seu alpendre característico e seu cruzeiro à frente - cruzeiro que sofreu não poucas reformas e que ostenta, hoje, uma cruz de ferro forjado, provindo talvez de algum cemitério.


"Uma frasqueira com quatro frascos" (Inv. e Test.)
Ilustração: Belmonte, publicada com este capítulo do livro

A verdade, contudo, é que os alpendres, nas igrejas como nas Câmaras, tinham, entre outros, um objetivo social, pois serviam para separar os senhores dos servos. Enquanto aqueles se instalavam dentro do edifício, estes se amontoavam do lado de fora, sob o telheiro.

Tudo isso vem desfazer não poucas fantasias criadas pelos cérebros imaginosos a respeito das igrejas da vila e, principalmente, da igreja do Colégio, no tempo do bandeirismo. E, quanto ao caso da notificação feita aos dois cidadãos de Piratininga para limparem os alpendres das igrejas, não deixa de ser curioso registrar que a Câmara os forçava a tão desagradável tarefa apenas porque fora o gado daqueles senhores que, andando às soltas, sujara os quatro alpendres. A notificação devera ter sido feita anteriormente. E se isso não aconteceu, foi apenas porque o escrivão Manuel da Cunha, indicado, se negou a realizá-la, o que lhe valeu uma suspensão por quinze dias.

Isso, contudo, se era muito importante para os senhores oficiais da Câmara, tão ciosos da limpeza da vila, tem para mim apenas o valor da retificação que se impõe no difícil problema iconográfico em que me empenhei com muita petulância e nenhum brilho. Mas, destruindo uma das hipóteses que levantei, continuo cada vez mais firme na outra: no complicado "borrón" de Céspedes, o que ali aparece como la villa de sanpablo, não passa de uma convenção simbólica.


Peroleira de azeitonas, vinho ou mel
Ilustração: Belmonte, publicada com este capítulo do livro


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