Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/santos/h0380c00.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 07/28/07 20:00:23
Clique na imagem para voltar à página principal
HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - BELMONTE - BIBLIOTECA NM
No tempo dos bandeirantes [00]

Conhecido principalmente pela atividade cartunística nos jornais paulistanos, e pelo seu personagem Juca Pato, o desenhista Benedito Bastos Barreto (nascido na capital paulista em 15/5/1896 e ali falecido em 19/4/1947), o Belmonte, foi autor de inúmeros livros, entre eles a obra No tempo dos Bandeirantes, que teve sua quarta e última edição publicada logo após a sua morte.

A edição virtual preparada por Novo Milênio objetiva resgatar esse trabalho, que, mesmo sendo baseado em pesquisas sem pleno rigor histórico, ajuda a desvendar particularidades da vida paulistana, paulista e, por conseqüência, também da Baixada Santista. Esta edição virtual é baseada na quarta edição, "revista, aumentada e definitiva", publicada pela Editora Melhoramentos, São Paulo, sem data (cerca de 1948), com 232 páginas e ilustrações do próprio Belmonte (obra no acervo do professor e pesquisador de História Francisco Carballa, de Santos/SP - ortografia atualizada nesta transcrição):

Leva para a página anterior                                                  NO TEMPO DOS BANDEIRANTES

[00] Este livro...

...não é, propriamente, um livro de História, infalível e definitivo. Poder-se-ia, antes, classificá-lo na categoria dos livros subsidiários, se é que este trabalho merece classificação. Pareceu-me, contudo, quando o planejei, o escrevi e o ilustrei, que um livro deste gênero poderia ser útil aos espíritos curiosos das tradições de sua terra, aos literatos que desejem tratar do seiscentismo paulista e aos artistas que se proponham fixar na tela ou no "Whatman" episódios deste ciclo de nossa História, tão fascinante e ainda tão obscuro. Como, porém, não é possível a infalibilidade em assuntos históricos, o autor receberá como graças todas as correções que a Crítica fizer aos seus prováveis erros e cochilos...

Quanto aos historiadores, estou certo de que perdoarão o humorista curioso que, com tanta sem-cerimônia, mas com a melhor das intenções, lhes invadiu os domínios.

B.

[00] O historiador de Piratininga

São Paulo não é uma terra fecunda em caricaturistas. Talentos, há por aí. Sempre houve. Mas não têm ambiente nem campo. Os diários raramente estampam caricaturas. Revistas, poucas têm nascido e sobrevivido. E a falta de estímulo e oportunidades faz com que as melhores vocações se estiolem em silêncio e nas trevas, sem as florações que iluminariam a nossa arte e o nosso pensamento em graça, ironia ou sarcasmo.

Belmonte, como Voltolino, é uma grande e bela e nobre exceção. Lutou contra o meio e venceu-o, submetendo-o senhorilmente a uma admiração que durou intata, crescente, por trinta anos. No decorrer desse largo prazo, foi ele o dono da caricatura paulista. Não houve jornal ou revista que precisasse de um lápis e não recorresse ao seu, monopolisticamente. Por isso, ao apagar-se, abriu um vácuo, que há de ser preenchido, mas ainda não sei como.

Não falemos do traço de Belmonte, elegante e sutil, que o público tanto conheceu. Digamos, antes, o que nem todos sabem, isto é, que neste artista, ao contrário do que é comum, tudo era dele mesmo, o traço, a idéia, a interpretação. E digamos, sobretudo, que ele foi um sorriso e uma gargalhada a serviço de ideais puros, jamais se tendo maculado em empreitadas por contrato de homens, empresas, partidos ou qualquer coisa que não fosse o seu povo e a sua terra.

Belmonte foi maior como caricaturista, que viveu e marcou toda uma época. Mas nele fulgurou também o ilustrador, na imprensa e nos livros, com uma arte que nem por ter sido abundante deixou de ser alta e magnífica. Crônicas, contos para crianças e para adultos, romances e principalmente a história de São Paulo, encerram páginas que figurarão como criações artísticas e como documentos fiéis da nossa era e das eras idas, que ele retratou com talento alicerçado em exatidão. Seus desenhos, que os colecionadores disputam, permanecerão preciosos nos anais históricos, políticos e sociais de São Paulo, como fonte excelente e de confiança para os futuros historiadores e ensaístas que queiram fixar o quadro da vida paulista e brasileira de três décadas decisivas.

O caricaturista e ilustrador dedicou-se também à crônica e à história, lá com o mesmo humor, aqui com saber e honestos cuidados de pesquisador profundo e minudente. Empolgaram-no especialmente os ciclos bandeirantes, que descreveu e ilustrou com entusiasmo e amor. Mas sentiu toda a história de Piratininga, desde João Ramalho, Anchieta e Tibiriçá, rememorando-a episódio por episódio tanto com a pena como com o lápis, em páginas de estudo e de evocação que ressuscitam o passado e são a biografia da pequenina aldeia que agigantou o Brasil até o Prata e até os Andes.

Este livro, No tempo dos Bandeirantes, de que já se esgotaram três edições, é a reconstituição ao mesmo tempo artística e escrupulosa da fase heróica de Piratininga, nos seus bastidores, por dentro. Nela os nossos avós comparecem a nossos olhos com seus trajes, seus utensílios, suas habitações, suas armas e suas lutas, em usos e costumes que as crônicas e os desenhos fotografam vividamente, como se houvéssemos retrogradado nos séculos e percorrêssemos agora as vielas e a sociedade da aldeia que foi a forja mestra da nacionalidade.

Belmonte brilhará em eternas luzes como caricaturista e ilustrador, mas não se ofuscará o historiador que somou a arte ao saber para perpetuar, nos dias escuros e opacos, os dias luminosos, gloriosamente solares, da nossa Piratininga.

São Paulo, 25 de janeiro de 1948.

Rubens do Amaral


Frontispício da 4ª edição


[...]Leva para a página seguinte da série