HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS
Uma criticada epidemia de figurinhas... (2)
Também em Santos, em meados do século XX,
fizeram grande sucesso as figurinhas vendidas de forma avulsa, para serem colecionadas em álbuns especiais, sobre times de futebol, astros de cinema e
outros temas, muitas vezes sob o estímulo de prêmios para quem completasse o álbum ou encontrasse determinadas estampas.
Às vésperas da Copa do Mundo 2010 realizada na África do Sul, outra onda dessa mania voltou a aparecer em Santos, como
em outros lugares no Brasil, registrando-se até mesmo, na Grande São Paulo, um assalto a um caminhão transportador de figurinhas (os criminosos foram
presos e a carga recuperada). Em Santos, o assunto foi tratado pelo Jornal da Orla, em sua edição de 12 e 13 de junho de 2010, nas edições
eletrônica e impressa:
Foto: Leandro Amaral, publicada com a matéria
13/06/2010
Comportamento
A febre do momento
Felipe Pupo/Fotos: Leandro Amaral
O movimento de pedestres lembra a
euforia das grandes metrópoles brasileiras. São crianças, jovens, adultos e até idosos, que se aglutinam em busca de um mesmo produto. O cenário é
típico de uma feira livre, com muita agitação e algazarra, uma vez que a negociação é celebrada a céu aberto. Em apenas dois meses, a mercadoria
registra recordes de vendas e aquece o comércio local. Bom para os vendedores, que conseguem faturar até R$ 3.500 por mês.
Mas o clima esquenta no final da tarde, quando advogados, engenheiros, médicos e arquitetos se reúnem na Praça da
Independência. O local virou ponto para os colecionadores do álbum de figurinhas da Copa do Mundo.
Basta passar pelo local para receber a proposta dos vendedores: "Quer uma figurinha, amigo". Do outro lado, o garoto pergunta: "Tem o Felipe Melo?".
E, dessa forma, o hábito tradicional cativa uma multidão de aficionados. Os negociantes são figuras de todos os tipos: carismáticos, faladores,
humildes e despojados.
Mas, então, por que as pessoas aceitam pagar mais caro na compra com os ambulantes? A resposta é
simples: na banca, o colecionador pode comprar uma figurinha repetida. Ao contrário do que ocorre na venda avulsa, em que o comprador escolhe o
produto. "Todas as pessoas querem completar o álbum rapidamente e não querem ficar esperando pela sorte de achar a figurinha certa nas bancas", diz
a vendedora Bruna Chaves Pola, de 27 anos.
A vendedora conta que o movimento se intensifica nos finais de semana e o seu recorde de vendas foi de 500 unidades em um mesmo dia. "Larguei o
emprego para vender figurinhas. Hoje ganho em uma semana o que faturava em um mês".
Foto: Leandro Amaral, publicada com a matéria
Dedicação total - O
colecionador Jardel Barros, de 24 anos, diz que o hábito surgiu na Copa da França, em 1998, quando entrou na "onda" dos amigos e comprou o álbum sem
muito entusiasmo. O que era para ser uma simples brincadeira virou paixão pessoal. Não é por acaso que o fã de esportes guarda com muito carinho as
figurinhas de Tafarel, Cafú, Roberto Carlos, Rivaldo, Ronaldo e Bebeto. "É interessante observar a evolução dos jogadores de uma copa para outra. O
Ronaldo de 1998 é um sujeito franzino, magro e careca. Já o Fenômeno de 2002 é um cara mais forte e tem uma franjinha muito esquisita", comenta.
O hábito de colecionar álbum de figurinhas é uma diversão para qualquer idade. Em ano de Copa do Mundo, a brincadeira ganha fôlego entre os mais
adultos. Alguns acompanham o filho na montagem do álbum e outros preferem cultivar o tesouro de forma isolada.
É o caso da arquiteta Rose Ane Scaff, de 52 anos. Fanática por futebol, ela tentou convencer os
filhos para entrar na brincadeira, mas os garotões estavam desmotivados. Decepção? Que nada. Os filhos presentearam a dona Rose com o álbum e
cinqüenta pacotes de figurinha. "Eles não agüentavam mais as minhas queixas sobre o álbum", conta com irreverência. Por isso, a mãezona (corintiana
roxa) garimpa as últimas figurinhas com os colecionadores da Praça Mauá. "É uma oportunidade de conhecer pessoas e fazer novos amigos", diz.
A tradição se renova a cada Copa do Mundo, mas não perde o brilhantismo. Esse é o pensamento do portuário Marcelo Antônio, de 39 anos, que coleciona
álbuns desde a Copa de 1982, na Espanha. "Sou da época em que a figurinha vinha embalada no chiclete", anuncia. Antes de fazer qualquer negócio, ele
expõe as suas regras: "Só aceito troca de uma por uma. Não compro e não vendo". O portuário estava organizando o movimento para a troca de
figurinhas na praça, que divide a atenção com os vendedores ambulantes. "De quatro em quatro, eu me dedico para este divertimento. Troco figurinhas
na praça e no meu emprego. Na verdade, eu sou fascinado pela Copa e tudo aquilo que envolve o evento".
Quem deseja efetuar a troca deve portar uma lista com as figurinhas pendentes e negociar de igual para igual com outra pessoa.
Houve até um colecionador que estava trocando figurinhas escondido da esposa. Ele já completou quatro álbuns e estava buscando material para o
quinto. Só que ele precisou dar uma "escapada", porque a mulher não gosta do seu fanatismo. "Minha esposa trabalha no Gonzaga e sai do emprego às
20h. O meu expediente encerra às 18h e, por isso, eu fico duas horas trocando figurinhas. Mas ela não pode saber disso de jeito nenhum".
A mania também é compartilhada entre a família. Paulo Sérgio Barriento aproveitou o final da tarde para negociar as últimas figurinhas do álbum, que
ele coleciona ao lado do filho. "Estou incentivando o garoto a entrar no clima da Copa. Ele não conhece bem os jogadores, mas já se familiarizou com
os emblemas".
Já o aposentado Nicola Del Busso, de 61 anos, é um entusiasta da tradição. Ele incentiva o
neto Lucas (5 anos), que junta figurinhas para o seu primeiro álbum de Copa do Mundo. " É impressionante como ele se dedica, mesmo sendo tão novo",
afirma o avô coruja.
Tino para o negócio - O comércio de figurinhas também revela novos
valores para o ramo empresarial. Com apenas 11 anos, o garoto Marcelo Paiva fez uma simples diversão virar um grande negócio. Após completar o
álbum, começou a trocar figurinhas no sistema dois por um. Em pouco tempo, ele acumulou um acervo de 1.500 unidades e hoje as vende — já chegou a
faturar R$ 200 em um só dia. "Eu não sabia que vender figurinhas é um negócio tão fácil e vantajoso".
Se alguém pensa que a venda se limita ao período de Copa, está enganado. Amélia Kairalla, de 60 anos, transformou a atividade em uma indústria para
a comercialização de figurinhas. Ela tem um site na Internet para a venda de imagens antigas e lançou o sistema de "disque figurinha". "Já fiz
negócio até com um colecionador de Portugal", conta. O negócio também é abastecido nas ruas. Em um final de semana, ela fatura, em média, R$ 600.
"Por incrível que pareça, eu ganho mais do que muita gente diplomada", brinca.
Imagem: capa do álbum oficial de figurinhas da Fifa/Copa do Mundo 2010, da editora Panini
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Em 29 de maio de 2010, o jornal A Tribuna publicava, na página A-4:
GM intervém no mercado de figurinhas
Da Redação
A febre das figurinhas da Copa 2010
que transformou um pedaço do Gonzaga, em Santos, provocou a intervenção da Guarda Municipal (GM), ontem, para ordenar o "mercado".
Após alguma discussão, ficou decidido informalmente que trocadores e vendedores das estampas vão
ocupar a Praça da Independência.
A decisão foi motivada por reclamações de pedestres e comerciantes, incomodados com a aglomeração
na calçada onde fica a Banca Estátua, na Avenida Ana Costa.
Desde a Copa de 2002, o trecho se destaca entre os pontos de encontro de quem quer completar os
álbuns ou fatura com a febre das figurinhas na Cidade. "Tivemos que intervir porque pessoas com crianças, carrinhos de bebê e os comerciantes
reclamaram muito", afirmou um GM.
Um dos seis negociadores que estavam no local ontem, o estudante Juan Carlos Henrique, de 18
anos, reclamou. "Não faço nada ilegal, tenho nota das figurinhas", explicou. Ele gastou R$ 500,00 e calculava que tinha lucrado perto de R$ 2 mil
nos últimos 30 dias.
Ricardo Santana de Miranda, também de 18 anos, disse ter lucrado o mesmo que o colega Juan. "O
dinheiro vai ajudar a pagar a faculdade de Educação Física", alegou. |
Na edição de segunda-feira, 31 de maio de 2010, o jornal A Tribuna publicava, na página A-8:
Prefeitura transferiu os colecionadores para a Praça da Independência sob alegação de que espaço
é maior
Foto: Alberto Marques, publicada com a matéria
Mercado de figurinhas do álbum da Copa
causa polêmica no Gonzaga
Da Redação
A polêmica está estabelecida. De um
lado, comerciantes e pedestres. De outros, jovens e adultos que vendem ou trocam as figurinhas da Copa 2010. O palco desse imbroglio é um
trecho da Avenida Ana Costa, no Gonzaga, em Santos.
Desde a semana passada, o "comércio" informal foi transferido de lugar, passando a ficar na Praça
da Independência, a pedido da Secretaria Municipal de Finanças (Sefin). Há quem aprove a mudança e aqueles que desaprovam.
Para quem está interessado em adquirir as famosas figurinhas, o novo local é até melhor, já que
possui mais espaço e as pessoas não precisam ficar aglomeradas.
Já para quem vende, a mudança não foi boa. A reclamação geral é que a clientela estava acostumada
a ir ao lugar onde os vendedores ficavam anteriormente, em frente a uma banca de jornais, a poucos metros da esquina da Ana Costa com a Rua
Marechal Deodoro. No outro lado da avenida, eles temem perder fregueses.
Segundo comerciantes daquele trecho, a reclamação maior partia de pedestres, que eram obrigados,
às vezes, a passar pela rua, para conseguir atravessar a área onde ocorria a venda de figurinhas.
"Tem cliente que entra aqui e reclama da bagunça, diz que não consegue andar direito na calçada.
Mas os pais dos meninos que vendem ficam bravos, acham um absurdo as pessoas ficarem criticando uma coisa tão boba", explicou um funcionário de um
estabelecimento.
No sábado à tarde, dezenas de pessoas estavam na Praça da Independência, comprando, vendendo ou
trocando figurinhas. Contudo, uns poucos "comerciantes" insistiam em permanecer próximo à banca de jornais, ignorando a presença de fiscais da
Sefin.
De acordo com a secretária de Finanças do Município, Mirian Cajazeira, a medida foi tomada depois
que a Administração recebeu dezenas de reclamações de munícipes e comerciantes daquela área.
"Estamos tentando preservar o direito daqueles comerciantes, que são estabelecidos regularmente,
de trabalhar", explicou Mirian. "Estava muito perigoso. Idosos, pessoas com carrinhos de bebê, gestantes, não conseguiam passar por ali".
A fim de impedir o descumprimento da decisão, a Sefin está mantendo uma equipe no local, todos os
dias. Os fiscais contam com o auxílio da Guarda Municipal.
"Eles (vendedores) têm a opção de ficar na Praça Independência, na Praça das Bandeiras, no jardim
da orla da praia", lembrou a secretária. "O que a Prefeitura está fazendo é cumprir o papel dela. Não queremos atrapalhar ninguém". |
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