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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - REI PAULISTA
Santos e Amador Bueno - introdução histórica

Este paulistano ajudou em 1615 a defender Santos dos holandeses, que guerreavam com os espanhóis, detentores do reino unificado com Portugal
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Carlos Pimentel Mendes

D. Sebastião, que reinou em Portugal (sucedendo a seu avô D. João III), foi morto em 4 de agosto de 1578 na batalha de Alcácer-Quibir, na África, quando combatia os muçulmanos. Nessa cruzada, morreu com d. Sebastião a parcela principal da nobreza portuguesa, incluindo um filho de Martim Afonso de Sousa, iniciando o desmoronamento do império luso. O cardeal d. Henrique sucedeu a seu sobrinho-neto, mas tinha 66 anos e morreu 17 meses depois, sem deixar herdeiros, já que a igreja católica (controlada por Roma) não o liberou do celibato. Assim, com ele terminou a dinastia de Avis e começou uma feroz luta pelo poder, com cinco candidatos ao trono.

O mais bem armado era o ambicioso Filipe II, neto de D. Manuel o Venturoso, rei da Espanha, que em troca de ouro e promessas convenceu a maioria da nobreza lusa a reconhecer seu direito ao trono. A oposição de parte do clero e do povo foi vencida com o envio a Portugal do duque de Alba, com 15.000 homens aguerridos, e que não enfrentou dificuldades, pois os comandantes das fortalezas portuguesas estavam subornados de antemão e apenas fingiram resistir. Sendo Filipe II filho da infanta portuguesa d. Isabel e do altivo Carlos V (líder da casa austríaca dos Habsburgos), sua ascensão também ao trono português levou à formação da chamada União Ibérica.

Durante 60 anos, de 1580 a 1640, Portugal esteve sob o domínio espanhol de Filipe II e seus sucessores Filipe III e IV, que preferiram manter a autonomia, as leis, o idioma e a estrutura administrativa que vigoravam em terras lusas, concedendo volumosos privilégios aos nobres portugueses que apoiaram a unificação luso-espanhola.

Nesse período, o Brasil ganhou um novo papel geopolítico, dentro do objetivo de integração das colônias lusas e espanholas no Novo Mundo. A Paraíba (cuja capital, João Pessoa, já se chamou Filipéia de Nossa Senhora das Neves) e o Maranhão foram conquistados definitivamente, avançaram as explorações pelo litoral do Norte e Nordeste brasileiros, novas linhas de comércio foram abertas, os bandeirantes paulistas puderam agir com muito mais desenvoltura na conquista do interior brasileiro (por ficarem indefinidos os limites antes impostos pelo Tratado de Tordesilhas), e intensificou-se a busca de riquezas minerais, com o conseqüente abandono da economia agrícola litorânea.

O domínio espanhol foi ainda a principal razão das invasões holandesas no Brasil (na Bahia em 1624 e em Pernambuco no ano de 1630), pois Filipe II estava em guerra com a Holanda e mandou fechar os portos de todas as colônias aos navios holandeses, objetivando empobrecer o inimigo, que vivia basicamente do comércio marítimo. Filipe II também invadiu as Ilhas Britânicas, para vingar a decapitação em 1587 da rainha católica escocesa Maria Stuart, e também para castigar os ingleses pelos ataques de seus corsários aos navios espanhóis que transportavam as riquezas da América para a Europa.

Nativismo - A luta contra os holandeses foi uma das causas da formação de um sentimento de amor à terra brasileira, junto com o orgulho pelas conquistas dos bandeirantes e os excessos na arrecadação sobre as riquezas dos territórios de mineração. Quando houve uma trégua de dez anos entre Portugal e Holanda, sendo provisoriamente reconhecidos os domínios holandeses no Brasil, a partir de 1640, os nativistas brasileiros não suspenderam a luta contra os invasores, num dos primeiros indícios de que a população da colônia sul-americana já seguia idéias próprias.

Quando em setembro de 1598 morreu Felipe II, sendo sucedido por d. Felipe III, Santos já se ressentia do domínio espanhol, que provocava o abandono cada vez maior da agricultura litorânea (ao estimular a ida de trabalhadores para a mineração no interior brasileiro e facilitar a penetração do território pelos bandeirantes), reduzindo fortemente a importância da vila santista, ao destruir a sua capacidade econômica e moral.

Santos tinha então cerca de 600 moradores fixos, "com cerca de cem casas regulares, afora tejupares de íncolas e marabás", no dizer do historiador Francisco Martins dos Santos. Nessa época, a moeda portuguesa ainda circulava entre os mais abastados, mas começava a funcionar um sistema de trocas diretas - depois oficializado -, em que as mercadorias tinham preços mais ou menos regulares para a troca por outras.

Amador Bueno e os holandeses - Em fevereiro de 1615, ocorreu o ataque a Santos e São Vicente pela esquadra batava do almirante Joris van Spilbergen, resistindo desesperadamente os moradores das duas vilas até serem socorridos por um grupo de paulistanos e índios comandados por Amador Bueno da Ribeira e Lourenço Castanho Taques. As armas para essa expedição foram fornecidas também por Amador Bueno e outros paulistas eminentes.

A narrativa dessa jornada é conhecida apenas pelo relato do escrivão da nau capitânea holandesa, João Cornelissen de Mayz, escrito em latim em 1617 e do qual foram imediatamente extraídas várias edições holandesas, francesas, inglesas e alemãs. Segundo o historiador A. E.Taunay, não há relatos locais dessa aventurosa expedição de Amador Bueno, pois na série das Atas da Câmara de São Paulo há uma longa lacuna justamente no primeiro semestre de 1615. Até hoje não foi pesquisada a possível existência de documentos dessa época que possam estar no Arquivo Colonial (Portugal), no Arquivo Geral de Simancas (Espanha) e em outros locais na Europa.

Foi em conseqüência dessa invasão e do socorro a Santos que Amador Bueno da Ribeira se tornou logo depois capitão-mor de São Vicente, com residência em Santos, "a pedido de todo o povo, mas sem aceitar nenhuma remuneração, conforme sua exigência, como condição para aceitar o honroso encargo", cita novamente Francisco Martins dos Santos. Nascido na capital paulista por volta de 1572 e ali falecido por volta de 1650, Amador Bueno da Ribeira foi provedor da Capitania, capitão-mor, ouvidor, contador da Fazenda Real e juiz de órfãos. Seu nome não deve ser confundido com o de seu filho Amador Bueno, o moço (juiz ordinário da Câmara de S. Paulo), ou com Amador Bueno da Veiga, que comandou os paulistas na Guerra dos Emboabas.

Restauração - Em 1º de dezembro de 1640 ocorreu a chamada Restauração, quando o duque de Bragança libertou Portugal do domínio espanhol e passou a reinar com o título de d. João IV, dando início à Dinastia de Bragança - família real à qual pertenceram os imperadores brasileiros d. Pedro I e II. A Espanha estava financeiramente derrocada, após a chamada Guerra dos 30 Anos (1618-1648) contra França e Suécia, o que facilitou a ação de d. João IV.

A notícia dessas mudanças em Portugal só chegou ao Brasil mais de dois meses depois, em 15 de fevereiro de 1641. Ela foi recebida pelo vice-rei do Brasil, d. Jorge Mascarenhas, o marquês de Montalvão, um herói luso nos conflitos com a Holanda, e escolhido para o cargo por Filipe IV. Após breve reunião com seus vereadores, em Salvador (a sede do vice-reino, nessa época), Montalvão aclamou d. João IV como rei também do Brasil, sendo as autoridades castelhanas imediatamente presas, embora algumas delas vivessem no Brasil há mais de 30 anos.

O novo rei português foi aclamado também nas outras capitanias, e até Maurício de Nassau, então dominando Pernambuco (Nova Holanda), mandou ironicamente as fortalezas do Recife executarem salvas em homenagem ao fato, como uma espécie de cortesia a Montalvão, com quem tinha amizade aparente, embora na realidade o clima fosse de hostilidade mútua.

No Rio de Janeiro, o governador Salvador Correia de Sá e Benevides, filho de espanhola e casado com uma castelhana, hesitou um pouco mas também aderiu ao regime português. Já em São Paulo, onde viviam milhares de espanhóis e ganhava força o movimento nativista, os fidalgos de origem espanhola e muitos paulistanos consideraram ser tal ocasião oportuna para um movimento de libertação, proclamando a soberania paulista e aclamando um descendente de espanhóis, Amador Bueno, como seu líder. Este, porém, recusou o título, jurando fidelidade a d. João IV e mandando prender os conspiradores - mesmo alguns deles sendo os seus próprios parentes.

Hoje, Santos homenageia o "Rei Paulista" em uma de suas principais artérias: a Rua Amador Bueno, que já se chamou Rua das Flores, é uma das vias mais tradicionais, recebendo essa denominação por iniciativa do vereador Xavier Pinheiro, cujo projeto se transformou na lei 647, de 16 de fevereiro de 1921, sancionada pelo prefeito municipal (coronel Joaquim Montenegro), com vigência a partir de 1º de janeiro de 1922.


Primeira gazeta publicada em Portugal, em 1641
Fac´simile da 1ª página. Original na Biblioteca de Évora, Portugal


Bibliografia:

BUENO, Eduardo. História do Brasil. Encarte nos jornais Folha de S. Paulo e Zero Hora. S. Paulo/SP e Porto Alegre/RS, 1997. Págs. 54-55.

HERMIDA, Antônio José Borges. Compêndio de História do Brasil. Companhia Editora Nacional, S.Paulo/SP, 51ª ed., 1967, págs. 129, 148, 156-7, 163-166, 181.

IHGSP, Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. A Amador Bueno no tricentenário de sua aclamação como rei de São Paulo - 1641-1941. Plaquette em mil exemplares distribuída pelo Instituto em 1941, em São Paulo/SP.

LOBO, Haddock. História Universal. Editora Egéria Ltda., S. Paulo/SP, 1979. Volume 2, págs. 120-124.

MELLO, Waldyr Jansen de. História do Brasil. Centrais Impressoras Brasileiras Ltda., S. Paulo/SP, 1980. Vol. 1, págs. 85, 88 e 133.

RODRIGUES, Olao. Veja Santos. 2ª edição, 1975, edição do autor, pags. 52-54.

SANTOS, Francisco Martins dos. História de Santos. Reedição com a Poliantéia Santista de Fernando Martins Lichti, Editora Caudex Ltda., São Vicente/SP, 1986, vol. I, págs. 140-141 e vol. II, págs. 370-371.