História do Porto
Um visionário chamado Chico de Paula
Texto atualizado em 31 de Janeiro de 2006 às 05h48
Cláudia Dominguez
jornalista
Na semana em que o Porto de Santos comemora 114 anos, o saite PortoGente pretende levar à luz a verdadeira história da fundação do maior Porto da
América Latina. Mostrar quem foi o grande idealizador desse projeto revolucionário de construção do cais corrido e armazéns em substituição às antigas pontes e trapiches.
Francisco de Paula Ribeiro, natural de Pelotas, Rio Grande do Sul oriundo de uma família de mais 15 irmãos, filho de pai português e mãe brasileira, veio para Santos aos 17 anos no ano
de 1868. O cenário da vila de Santos era deplorável. À mercê das epidemias que vitimavam milhares de habitantes todos os anos e da precariedade das condições do porto, o jovem gaúcho apostou nesta cidade para sobreviver.
Chico de Paula e o neto Marcos Ferreira da Rosa
Fotos: site Chico de Paula
Naquela época pretendia vencer as más condições financeiras em que se encontrava a sua família. Chegou à cidade e foi trabalhar como varredor no armazém de um português. Não terminara os
estudos, mas era de uma perspicácia admirável, de impressionar até mesmo nos dias atuais.
Em relato, dizia: "A primeira coisa que me puseram nas mãos quando cheguei a Santos foi uma vassoura que manejei com orgulho e consciência, tão bem logo a deixei para assumir funções de
maior responsabilidade". Orgulhava-se em contar que sua primeira cama, quando começou a trabalhar em Santos, era um duro balcão de armazém e que como travesseiro tinha um selim do cavalo que o levava em jornadas de humilde serviço entre Santos e
Cubatão.
Um homem conhecido pelo seu grande caráter e inteligência, que vislumbrou em Santos a possibilidade de um projeto fantástico de porto e com ele o progresso do município. Uma criatura
visionária que construiu a sua família com muita dedicação e trabalho. Chico de Paula casou-se em 15 de maio de 1880, no Rio de Janeiro, com Maria Isabel Coutinho, que passou a chamar-se Maria Isabel Coutinho Ribeiro. Retornou a Santos e com ela
teve 22 filhos, 19 deles nascidos na cidade santista e os últimos três no Rio de Janeiro. Eram 13 mulheres, oito homens e um filho(a) natimorto.
Conta em carta seu filho Noé Ribeiro: "... por causa das aperturas financeiras de Vovô, na última fase de sua vida, Papai não conseguiu completar os seus estudos secundários. Era,
entretanto, extraordinariamente vivo, inteligente e esforçado e a nós todos, seus filhos, causava pasmo a cultura que modestamente nos exibia, corrigindo as nossas lições de português, francês e inglês, e ensinando-nos aritmética e álgebra. Falava
e escrevia o nosso idioma primorosamente. Que coisa extraordinária! Como teria ele conseguido se elevar tão alto, a não ser por seus próprios e ingentes esforços."
Conheceu sua esposa na capital carioca, na casa de sua irmã, Guilhermina, casada com Eduardo Palassim Guinle, que viria a ser, além de cunhado, futuro sócio na Cia Docas de Santos.
Cândido Gaffrée também testemunhou o seu casamento. Os gaúchos eram amigos.
Em 1885 chegou à diretoria da Associação Comercial de Santos, tornando-se, posteriormente, o terceiro presidente da entidade fundada em 1870.
Nos idos de 1888, Chico de Paula, tendo a certeza de que a construção de um cais seria o futuro promissor de Santos, depois de muito tentar convencer os amigos Guinle e Gaffrée a entrar no
negócio, escutou de Eduardo Guinle: "Chico, tu és um visionário, deixa-te destas manias e vem para o Rio onde tens um balcão a tua disposição".
Foram muitos os convites e constantes apelos, até que Francisco de Paula Ribeiro decidiu ir, pessoalmente, ao Rio de Janeiro conversar com Eduardo e Cândido para finalmente ser
formalizada a sociedade.
Na época da constituição do porto, Francisco de Paula Ribeiro estava com problemas financeiros, o que o impossibilitou a entrar com capital na sociedade. Foi firmada, então, uma relação
Capital/Trabalho. A parte dele ficaria dentro da fatia de Eduardo Guinle...
Bem, o segundo neto mais jovem dos 16 ainda vivos, Marcos Ferreira da Rosa, 67 anos, de semelhantes traços e conduta a de seu avô, conta que ele tinha o Porto de Santos como objetivo de
vida. "O Francisco de Paula era um sonhador. Criar o Porto para ele era projeto de vida. Ele pensava: eles estão tomando conta do meu dinheiro e eu estou aqui fazendo o que eu quero e gosto".
Era necessário coragem e visão. Seu neto, reconhece: "claro, que é um tripé. Não adianta dizer que sem o dinheiro tudo isso iria acontecer. Mas, é muito importante que se faça justiça.
Sem essa ponta do tripé (a do Chico) o negócio não funcionava. Tinha que ter um Gaffrée, um Guinle e um Ribeiro. Por outro lado, só com o Gaffrée e o Guinle no Rio de Janeiro, não saía nada. Na verdade, nenhum dos dois se proporia vir à Santos em
1880", explica.
Cada um tem o seu mérito, óbvio. Mas reconhecer o verdadeiro idealizador, mentor de todo o projeto do Porto de Santos, é fazer justiça. Em Santos, Chico de Paula dá o nome a um bairro da
Zona Noroeste. Ínfima homenagem.
O neto Marcos
Foto: site Chico de Paula
Em seu site dedicado ao avô (veja aqui), o neto
Marcos conta que os amigos gaúchos não só lhe devem a idéia e, mais tarde, a organização da Companhia Docas de Santos, "como o grande empréstimo concedido pelo Banco do Brasil para a construção do cais. Foi Chico de Paula quem idealizou, estudou e
realizou a grande operação financeira, se não me engano no valor de dezesseis mil contos de reis!", relata.
Através do decreto 9.979, de 12 de julho de 1888, foi celebrado o contrato (assinado oito dias depois), pelo prazo de 39 anos (prorrogado para 90 anos em 7 de novembro de 1890). O
documento foi assinado pela Princesa Isabel e referendado pelo ministro da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, o paulista Antônio da Silva Prado.
Segundo o contrato, o grupo vencedor da concorrência ficava obrigado a, no prazo de seis meses a contar da assinatura do acordo, iniciar as obras do porto, principalmente com a
construção de um pequeno trecho de cais e aterro, desde a Rua Brás Cubas até o extremo de uma velha ponte da São Paulo Railway, no bairro do Valongo.
Em 2 de fevereiro de 1892 foi entregue ao tráfego o primeiro trecho de cais, com 260 metros, compreendido entre a rua nova aberta junto ao Arsenal da Marinha e a Alfândega, com a
atracação do navio inglês Nasmyth, de Liverpool.
Santos se tornava o primeiro porto organizado do país e, logo, Chico de Paula superintendente da Companhia Docas de Santos.
Nas próximas reportagens do saite PortoGente iremos contar um pouco mais sobre a trajetória dessa figura que verdadeiramente marcou a sua história na alma de Santos. Vamos mostrar
registros inéditos de sua vida particular, como era o seu relacionamento com os filhos e o fim da sua sociedade com Cândido Gaffrée e Eduardo Guinle.
À esquerda o neto de Chico de Paula, na mesma posição clássica que seu avô.
Fotos: site Chico de Paula
História do Porto
Um homem de fé
Texto atualizado em 07 de Fevereiro de 2006 às 02h12
Cláudia Dominguez
jornalista
Falar de mais um capitulo da vida de Chico de Paula é sempre uma grande alegria. Homem de conduta guerreira e visão empreendedora, criou seus 22 filhos com muita sapiência.
Conta seu neto Marcos Ferreira da Rosa que ela era idolatrado pelos filhos. Sempre que chegava em casa, exausto do trabalho árduo no Porto de Santos, eles
penduravam-se no pai como forma de demonstrar carinho.
Maria Isabel, sua esposa, era de personalidade forte.
Era ela quem ditava as ordens. O marido Chico, muito simples, sem educação, conseguiu formar os filhos e ainda cuidar das meninas de perto. Ensinava a elas inglês, francês, música. Precisou correr atrás de todo esse conhecimento para transmitir às
filhas. Um de seus filhos, Abrahão, chegou a estudar na Alemanha e formar-se. Chico de Paula teve a experiência de perder seis de seus filhos ainda muito jovens.
Marcos Ferreira diz que a sua mãe Virgínia Cândida Ribeiro era uma pessoa espetacular. Lia os jornais diariamente, sempre atualizada. Com as irmãs falava todos os dias. Era rotina entre elas
telefonarem-se por diversas vezes ao longo do dia.
Sendo oriundo de uma família de 15 irmãos, Francisco de Paula Ribeiro cresceu vendo os mais velhos cuidarem dos caçulas. Prevalecia a célula da família. Foi criando os filhos enquanto
outros nasciam, levava a sociedade com Eduardo Guinle e Cândido Gaffrée. Dez anos depois da construção do primeiro trecho de cais, em 1902, os negócios continuavam caminhando muito bem. (leia a carta
escrita por Cândido Gaffrée a Francisco Ribeiro no ano de 1902)
Por motivos ainda não descobertos, Chico de Paula deslocou-se até o Rio de Janeiro. A essa altura, sua filha Branca namorava o filho de seu sócio e cunhado, Eduardo Palassim Guinle.
Durante três anos, de 1902 a 1905 - ano em que sua filha casara com Eduardo Guinle – viveu na capital carioca. Leia, a seguir, a carta original que Chico de Paula escreveu à filha Branca na época
de seu casamento com Eduardo Guinle.
Heloisa, Juliana, Evangelina, Celina, Virginia, Mariazinha e Sinhá
Foto: site Chico de Paula
As últimas três filhas, Celina, Evangelina e Heloisa, nasceram lá neste período. Ainda hoje, vivem quatro filhos de Celina Ribeiro no Rio de Janeiro. Já os de Evangelina vivem em São
Paulo. A partir de 1905, Chico mudou-se para São Paulo onde viveu até o fim de sua vida.
Marcos Ferreira da Rosa conta que em 1905 houve um momento crítico entre os sócios Francisco de Paula, Eduardo Guinle e Cândido Gaffrée. Um desentendimento que ocasionou um mal-estar
entre os filhos.
"Na minha cabeça, na hora em que houve um desentendimento comercial entre eles, isso afetou de alguma maneira a família. E na hora em que os pais se desentendem
reflete na geração seguinte. A minha suposição é que as Docas começaram a ter uma vida mais ativa, no início do século passado", fala. A pergunta que fica para refletir é "por qual motivo depois de três anos no Rio de Janeiro Francisco de Paula
veio para São Paulo?"
Foi neste período, segundo seu neto, que Chico de Paula
deixou a sociedade. "Supõe-se que foi nessa época, já que depois de 1905 o nome do Francisco de Paula sumiu. E ele se mudou para São Paulo", conta.
Passados 10 anos, seu filho Samuel casava com Heloisa Guinle. A data foi 6 de julho de 1915. Sete dias depois do casamento de seu filho com uma Guinle, Francisco de Paula Ribeiro falecia
vítima de um câncer no fígado. "Você sabe o que significa câncer no fígado?", pergunta seu neto. E olhando firmemente, convicto, responde: "Amargura, tristeza". "Deve ter se amargurado de ver outro filho se casando com mais um Guinle", conclui.
Do avô, Marcos Ferreira herdou algo nobre. "A melhor coisa que eu herdei dele foi caráter, moral. Coisas que não tem nada a ver com dinheiro", fala emocionado.
Carta de Gaffrée a Chico de Paula
Rio 1º de Fevereiro de 1902
Chico
Recebi tua carta de 30 do pp, na qual não me dizes se partes para Morrinhos hoje ou amanhã, como nos disseste.
Se ainda estiveres em Santos podes receber esta amanhã á noite, quando se completa o primeiro decenio da inauguração do nosso cáis.
Sinto deveras não estar ahi amanhã para juntos todos solemnisar-mos essa data que eu reputo auspiciosa para o Commercio e navegação, que se serve do porto de Santos e, que graças as
novas obras poude nesse periodo, se desenvolver, acompanhando o desenvolvimento do prospero Estado de S. Paulo.
Quanto a nossa Compª., o resultado é animador e nos deixa antever um futuro invejavel, como se vê da inclusa nota.
O caezinho a cujo costado atracou o vapor Nasmith em 2 de fevereiro de 1892 e, que no primeiro decenio que se completa amanhã, já prestou serviços de monta, fará de Santos a
primeira praça commercial da America do Sul, e da C.D. de S. a primeira empresa em renda.
Tendo sido tu um dos principaes elementos na constituição e execução desse futuro colosso, sinto, como já disse, não estar ahi para dar em pessoa o abraço que te envio e que é a
manifestação do meo reconhecimento ao amigo e dedicado companheiro.
Se ahi estivessemos juntos o dia seria de festa na familia do Cáis, da qual a tua é magna parte, pelo que abraço a todos por ser teo.
Amo. Certo
C. Graffrée
Obs. Parece que Morrinhos era uma grande fazenda de propriedade das Docas, em Botucatu, SP, que fornecia madeira
para a construção da Cia Docas de Santos.
"Amo." = abreviatura antiga de "Amigo"
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