Trecho da matéria na publicação original
A espinha dorsal da economia cafeeira
FOCALIZANDO DIFERENTES ASPECTOS DE UM DOS MAIORES PORTOS DO MUNDO
Numa exportação global de 17.208.088 sacas de café, Santos contribuiu, em 1938,
com 11.275.835 - A cidade, antes e depois da construção do cais e sua importância no comércio internacional da rubiácea
O centenário da elevação de Santos à categoria de
cidade, acontecimento marcante na história da civilização brasileira, acoroçoa, na terra bandeirante, expansões jubilosas que o país inteiro
acompanha com a mais viva simpatia, numa justa homenagem ao espírito empreendedor dos realizadores de uma obra gigantesca de evolução, que é
legítimo título de ufania para a civilização contemporânea.
Um século de vida fecunda e de esforço pertinaz, inteira e porfiadamente devotado ao
engrandecimento do Brasil! Cem anos antes do milagre soberbo do trabalho que transfigurou uma cidade feia e inóspita nesse magnífico empório que
avulta, com invulgar projeção, entre os primeiros do universo, Santos era o atraso, a tristeza, a insalubridade, a região infortunada que surtos
pestíferos perigosíssimos, de caráter endêmico, convertiam em permanente ameaça à vida humana.
Sr. Jayme Guedes, presidente do Departamento Nacional do Café
Foto publicada com a matéria
Em impressionante recapitulação histórica, anos atrás, A Tribuna traçou a
fisionomia de Santos, anterior à construção do porto, para relevo maior dessa grande proeza de engenharia patrícia de Eduardo Guinle, Cândido
Gaffrée e Guilherme B. Weinschenck, focalizando aspectos desoladores, que merecem ser fixados, para realce do contraste hodierno.
Rememorava o flagelo amarílico, as tentativas de construção do cais, os entraves, as
lutas, os entrechoques apaixonados de interesses, que só muito mais tarde arrefeceriam para ensejar o entrosamento de iniciativas que remodelariam
radicalmente a cidade.
É interesante essa visão da época: "Tristes tempos
aqueles, de velhos pardieiros, erigidos em trapiches alfandegados, tortuosas e alquebradas pontes de construção pré-histórica serpenteavam pelo
lodaçal, até penetrarem algumas braças nas águas turvas da baía!"
Era isso o porto em 1888. "Sob o tremendo bochorno dos
dias estivais, a pele suarenta e escaldante, enxameavam turmas de homens brancos que a sedução de um El Dorado, para tantos enganoso, atraía de
além-mar, de envolta com os negros escravizados da África, arquejando todos ao peso da carga de que iam aliviando o bojo dos navios e atulhando os
trapiches.
"Os barcos, cuja atracação se apresentava problemática por muito tempo ainda,
descarregavam mesmo ao largo, sobre pontões, sorte de velhos cascos aposentados, onde as mercadorias, a troco de grossa armazenagem, jaziam até o
dia em que o fisco, cobrando-se das respectivas taxas, permitia seu livre ingresso no território nacional.
"Serviços primitivos, deficientíssimos, executados com a desesperadora lentidão da
única máquina da época, o braço humano, cobrados a peso de ouro pelos felizes trapicheiros e pontonistas, e sujeitos, para os importadores, a toda
espécie de dolos e ludíbrios clamorosos, deixavam eles tanto a desejar e atentavam de tal modo contra os nossos foros de povo progressista e
honrado, que a péssima nomeada do porto de Santos se tornara corrente e proverbial na Europa, levantando séria animosidade no espírito dos
armadores. Muitos recusavam, sistematicamente, que seus barcos demandassem nossas águas, a menos que os exportadores lhes acenassem com fretes
fabulosos".
Era assim a atividade no mar. A cidade, por seu turno, sofria, à falta de saneamento,
e pela ausência absoluta de uma profilaxia, adequada, os horrores da febre amarela, cujo morbus tinha o seu habitat no paúl miasmático que
cintava, na orla marítima, o coração da cidade, o seu centro comercial. E sob a canícula senegalesca dos sóis de verão, "o
pântano fervilhava na química elaboração de gases deletérios. À noite, quando vencida e esgotada por um trabalho exasperante, a população se
recolhia aos seus lares e se amodorrava sob a pressão angustiosa da atmosfera abafadíssima, portas a dentro, entrava-lhe o pútrido odor da maresia,
acompanhado de legiões de mosquitos vorazes, em que a ciência oficial já descobrira o terrível transmissor da peste".
Esse o cenário contristador de Santos naquele tempo.
Trabalhadores manipulando o café, no terreiro de uma fazenda
Foto publicada com a matéria
A transfiguração - A construção do porto operou o milagre da transfiguração da
cidade! À grandeza de sua baía, à profundidade de suas águas, à facilidade de navegação pelo canal de acesso, às condições de abrigo perfeito ali
encontradas, à melhor qualidade do terreno para a construção, deveu Santos o seu desenvolvimento, sobrepujando a povoação que, muito antes, se
fundara na extremidade Oeste da ilha de S. Vicente, bem mais perto do mar alto, mas sem todas aquelas condições naturais favoráveis.
"A cidade se edificou na estreita faixa de terras que fica entre o Monte Serrate e as
águas da baía, e se veio estendendo nas direções Sul e Sudeste, cobrindo a língua de terra firme que é contornada pelo canal e pelo oceano, na
enseada, ao Sul, caminhando, também, na direção Norte, cobrindo os antigos mangues que se transformaram, pelo aterro, em áreas edificáveis, em
bairros novos".
Fez-se o caos. Edificaram-se armazéns. Estenderam-se os trilhos de ferrovias.
Procedeu-se à drenagem do ancoradouro. Simultaneamente, modificava-se o ambiente citadino com a execução de esplêndido projeto urbanístico. E a
cidade, bonita, moderna, sadia, febril, foi acentuando gradativamente seus magníficos contornos, transformando-se, afinal, pelo trabalho maravilhoso
dos paulistas, nessa formosa, atraente e riquíssima região que é uma das colunas mestras da grandeza e do prestígio brasileiro no conceito dos povos
civilizados.
Santos e o comércio cafeeiro - Houve tempo em que o café das lavouras paulistas
era embarcado para o Rio de Janeiro, de onde demandava, então, os mercados externos. Data de meados do século passado (N.E.:
século XIX) a exportação direta pelo porto de Santos. Efetivamente, foi em 1845 que se verificou o primeiro embarque
marítimo, pela firma Theodor Wille e Cia., rumando, sem transitar no porto metropolitano, aos centros europeus de consumo.
Com o espantoso desenvolvimento da produção em S. Paulo, Santos evoluiu
consideravelmente, sendo nos dias atuais um dos mais importantes do mundo. Nenhuma outra praça brasileira de comércio dispõe de instalações tão
perfeitas, adequadas a rigor às diversas e necessárias manipulações, recebendo, rebeneficiando e negociando o enorme volume de uma safra paulista.
O porto é magnífico. Possui vastíssimos armazéns, especialmente construídos para todos
os serviços peculiares à movimentação do café, cumprindo destacar, dentre eles, os da companhia Docas de Santos, situados, estrategicamente, nas
imediações dos pontos de embarque e diretamente ligados à Estrada de Ferro S. Paulo Railway.
O preparo dos tipos de exportação preferidos pela clientela do Brasil é feito por
máquinas moderníssimas de rebenefício, entregues a pessoal especializado no métier. São numerosas as casas comissárias que se dedicam, em
Santos, aos negócios do café. Ligadas aos fazendeiros por um sistema de comunicações absolutamente regular, cuidam-lhes dos negócios,
desembaraçando-lhes o produto.
Os exportadores, por seu turno, negociam com o estrangeiro o café recebido do
interior, por intermédio de uma grande organização de agentes vendedores, realizando-se essas operações na base de tipos e descrições de qualidade.
As necessidades monetárias indispensáveis ao financiamento de uma safra paulista são
avultadíssimas e, além de facilidades e recursos proporcionados pelo Governo à lavoura, há o fornecimento de fundos a cargo de uma importante rede
de instituições bancárias, com a assistência de firmas que dispõem de fartos capitais. A praça de Santos, portanto, como centro redistribuidor de
café, pode e deve ser proclamada a mais importante do mundo.
Embarcando café no cais do porto de Santos
Foto publicada com a matéria
A classificação do café em Santos - Não se desconhece a importância da
classificação dos cafés que o Brasil exporta, serviço que permite a seleção do produto, em harmonia com as preferências dos consumidores
estrangeiros. Ponto de capital importância na reputação do café brasileiro, a classificação tem merecido do sr. Jayme Fernandes Guedes acuradas e
permanentes atenções, de sorte a evitar-se a remessa aos mercados de elite, de um produto que, por suas deficiências intrínsecas, não corresponda à
expectativa dos clientes de além-mar.
O esforço colimado pelo D.N.C. para estimular a produção de tipos finos, recomendáveis
pelo sabor, aspecto e rendimento em xícara, vai produzindo os melhores resultados após o advento do sistema de classificação adotado no país. Na
safra 1937-38, cotejada, para completa elucidação, com a anterior, o D. N. C. procedeu, em Santos, por tipos, bebidas e favas, à classificação de
cerca de 10.000.000 de sacas entradas naquele porto, conforme se verifica do seguinte quadro:
Classificação do café entrado em Santos
durante as safras 1937/38 e 1936/37
Sacas de 60 quilos
|
Classificação
|
Safra 1937/38
|
Safra 1936/37
|
Total
|
%
|
Total
|
%
|
Tipos |
|
|
|
|
2 |
307.309
|
3,21
|
280.304
|
3,27
|
2/3 |
776.559
|
8,10
|
1.208.225
|
14,10
|
3 |
2.587.187
|
27,00
|
2.211.093
|
25,80
|
3/4 |
1.439.530
|
15,02
|
1.000.830
|
11,70
|
4 |
1.785.212
|
18,63
|
1.446.199
|
16,88
|
4/5 |
683.849
|
7,13
|
423.306
|
4,94
|
5 |
995.014
|
10,38
|
1.001.575
|
11,69
|
5/6 |
247.559
|
2,58
|
232.895
|
2,72
|
6 |
339.908
|
3,55
|
348.190
|
4,06
|
6/7 |
126.243
|
1,32
|
97.446
|
1,14
|
7 |
167.297
|
1,94
|
145.824
|
1,70
|
7/8 |
89.360
|
0,93
|
98.653
|
1,15
|
8 |
32.189
|
0,34
|
53.000
|
0,62
|
Baixos |
6.293
|
0,07
|
21.928
|
0,26
|
Total |
9.583.509
|
100,00
|
8.569.468
|
100,00
|
Bebidas |
|
|
|
|
Estritamente mole |
2.250.707
|
23,47
|
2.487.290
|
29,03
|
Mole |
2.034.004
|
21,23
|
1.275.742
|
14,89
|
Dura |
4.379.419
|
45,70
|
3.826.389
|
44,65
|
Rio |
919.379
|
9,60
|
980.047
|
11,44
|
Total |
9.583.509
|
100,00
|
8.569.468
|
100,00
|
Favas |
|
|
|
|
Graúda |
3.344.696
|
34,90
|
2.823.129
|
32,94
|
Média |
4.276.765
|
21,63
|
3.576.296
|
41,73
|
Miúda |
1.079.525
|
11,26
|
1.263.481
|
14,74
|
Moka |
882.523
|
9,21
|
906.562
|
10,58
|
Total |
9.583.509
|
100,00
|
8.569.468
|
100,00
|
Fiel da balança exportadora - A economia brasileira deve muito ao porto de
Santos. Nem somente no que se refere ao café sua importância é capital, e para que se possa ajuizar, com segurança, o volume do trabalho paulista em
todos os setores da produção nacional, e que se escoa pelo mar, cumpre-nos salientar, neste ensejo, discriminadamente, o valor global da exportação
santista, de janeiro a agosto de 1938. Atingiu a quantia de 1.935.877:00$000, ou seja, um aumento de 201.210:135$000, em igual período de 1937.
Verificar-se-á que, logo depois do café, vem o algodão em primeiro lugar nas vendas
que realizamos com o estrangeiro. Eis a exportação por destino e valor:
Estados Unidos |
675.209:926$
|
Alemanha |
400.426:695$
|
Grã Bretanha |
181.219:734$
|
Japão |
168.418:455$
|
França |
114.830:115$
|
Holanda |
85.759:104$
|
União Belgo-Luxemburgo |
60.750:210$
|
Suécia |
48.159:766$
|
Itália |
44.528:901$
|
Argentina |
34.058:135$
|
Tcheco-Eslováquia |
15.910:040$
|
Polônia |
14.163:648$
|
Dinamarca |
931:667$
|
O café em grão contribuiu com 1.108.909:966$000; o algodão com 531.003:825$000; as
frutas de mesa com 58.300:996$000; as carnes resfriadas com 38.292:200$000; o óleo de caroço de algodão com 29.367:112$000 e os couros com
20.059:026$000.
Santos e a nova política do café - O êxito da nova política de recuperação de
mercados, há pouco mais de um ano adotada pelo Brasil, e brilhantemente executada pelo sr. Jayme Fernandes Guedes, presidente do D.N.C., encontrou
no formidável empório santista fator de fundamental preponderância. E nem se admitiria o inverso, sabido que o grande porto é a espinha dorsal da
economia brasileira, máxime na parte relativa à exportação do café.
As remessas do produto brasileiro aos mercados externos de consumo são encaminhadas
por mais de cinqüenta firmas especializadas, organização essa que, em sua amplitude, tem revelado entrosação perfeita. Isso permitiu a Santos
participar com 11.275.835 sacas no volume global da exportação brasileira em 1938, que atingiu a 17.208.088.
Cabe aqui, como prova eloqüente da contribuição de Santos no sucesso da nova política
de café, um quadro focalizando os embarques durante o ano passado, em confronto com igual período de 1937. Os algarismos comprovarão, ao exame mais
superficial, não só ascensão sistemática das expedições, como também, e sobretudo, o formidável volume de trabalho realizado pelos paulistas.
Exportação de café pelo porto de Santos
Sacas de 60 quilos
|
meses
|
1937
|
1938
|
aumento em 1938
|
absoluto
|
relativo
|
Janeiro |
762.396
|
959.119
|
196.723
|
25,80%
|
Fevereiro |
558.122
|
791.393
|
233.271
|
41,80%
|
Março |
709.606
|
859.991
|
150.385
|
21,19%
|
Abril |
628.146
|
1.017.107
|
388.961
|
61,92%
|
Maio |
574.356
|
911.269
|
336.913
|
58,65%
|
Junho |
601.842
|
1.144.713
|
542.871
|
90,20%
|
Julho |
450.377
|
895.615
|
445.238
|
98,85%
|
Agosto |
522.064
|
1.105.163
|
583.099
|
111,69%
|
Setembro |
594.567
|
960.366
|
365.799
|
61,52%
|
Outubro |
687.426
|
1.022.860
|
335.434
|
48,80%
|
Novembro |
555.738
|
765.440
|
209.702
|
37,73%
|
Dezembro |
857.840
|
842.799
|
15.041
|
1,76%
|
Total |
7.502.480
|
11.275.835
|
3.773.355
|
50,30%
|
Em doze meses de política nova, que proporcionou à exportação brasileira de
café um aumento de mais de cinco milhões de sacas, só o porto de Santos registrou naquele total uma parcela de 3.773.355 sacas, número que
exprime, de maneira a mais convincente, a indisfarçável importância desse grande escoadouro da produção nacional
|
Vista panorâmica da cidade e do porto de Santos
Fotos publicadas com a matéria
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