A situação atual
mbora o Brasil, como os demais países do seu continente, não tenha
estado livre das revoluções e outras perturbações internas, que estão ligadas à história política dos estados latino-americanos, o seu
desenvolvimento nestes vinte e três nos de República vem se fazendo com relativa tranqüilidade.
Passados os primeiros anos de guerra civil, para consolidação da nova ordem de coisas, e vencida a
estranha sedição de caráter religioso, que não permitiu o governo do dr. Prudente de Morais dedicar, às questões puramente administrativas, todo o
zelo do seu grande patriotismo, pode-se afirmar que o sábio governo Campos Salles-Murtinho marca, na vida da República, o início duma organização
financeira e desenvolvimento econômico que, felizmente, não tem tido sérias soluções de continuidade.
De quando em quando, surgem ainda motivos para perturbar o equilíbrio existente; mas as agitações
políticas de tal natureza, pode-se dizer, têm se confinado nos diferentes estados, sem afetar diretamente a vida nacional em seu conjunto. E só há
razões para esperar que tal estabilidade e tranqüilidade se mantenham e até se acentuem melhor, levando o país à realização integral do seu grande
destino - um destino cujos limites é difícil traçar, tão vasta é a riqueza latente do país, a ser explorada na imensidão da sua área.
Por outro lado, as relações exteriores da República prometem a mesma tranqüilidade da sua política
interior, não existindo uma só causa de possível fricção com os estados vizinhos.
As últimas questões de limites, que poderiam ser pomos de desavença internacional, estão sendo
definitivamente assentadas pelo trabalho concreto de comissões demarcadoras, constituídas por membros representantes do Brasil, duma parte, e dos
países vizinhos doutra parte, em desempenho do que já foi amigavelmente resolvido por tratados, com a Bolívia, o Peru, a Argentina, o Uruguai, as
Guianas. O barão do Rio Branco selou, com a sua vida patriótica, esse capítulo das questões de limites, que, em breve, será coisa do passado.
A política naval dos últimos anos foi e continua a ser bastante criticada, no país e mesmo fora,
sobretudo do ponto de vista internacional. Pode-se afirmar, entretanto, que a opinião nacional, no seu conjunto, já não discute a necessidade de um
equipamento naval do país, em certa proporção com a imensidade das suas costas desabrigadas; e se uma parte de opinião pública, fora do Brasil,
ainda teima em ver, nessa reorganização naval, planos objetivos de hostilidade, é certo que o continente sul-americano, tomado em seu conjunto, já
não discute, também, a necessidade em que se acham as repúblicas mais prósperas do continente, como a Argentina, o Brasil e o Chile, de se
prepararem, cada qual na proporção dos seus recursos, para poder reclamar, eficazmente, isto é, pelo seu progresso econômico e a sua força militar -
os dois elementos pelos quais se afere a grandeza das nações contemporâneas - a parte de influência que já cabe à América do Sul no concerto
universal.
Daí, portanto, não é de esperar que surjam motivos de atrito, mas, pelo contrário, uma
estabilidade garantidora do pacífico desenvolvimento econômico do Brasil, como das outra grandes repúblicas que se armam na mesma proporção. O que
pode e deve ser objeto de discussão - mas esta dentro do país apenas - é a proporção dos gastos militares com os recursos financeiros do momento.
Em tais condições, as únicas perturbações a recear, pelo Brasil, na sua marcha progressiva, são as
que resultem da sua situação financeira. É mesmo de natureza a preocupar os seus homens de estado a circunstância de que, apesar da constante
progressão do seu comércio exterior e das suas arrecadações alfandegárias, o Brasil aumente de ano para ano o seu déficit orçamentário.
As estatísticas dos onze primeiros anos do século (1900-10) mostram que as exportações e
importações têm quase se duplicado nesse período, e que as rendas do Tesouro têm aumentado cerca de 80%, sinais evidentes de indiscutível
prosperidade. Todavia, os déficits orçamentários no mesmo período montaram a £2.331.683, por ano, em média.
É certo que a causa geral dos déficits não tem sido a prodigalidade em despesas improdutivas, mas
as despesas extraordinárias com o aparelhamento econômico do país, o que faz crer que elas virão a ser devidamente retribuídas pela prosperidade que
estão preparando.
Ao mesmo tempo que para o Exército e a Armada, têm sido votadas grandes somas para a construção de
portos e estradas e ferro, e para o fomento da colonização, das indústrias e da agricultura - fundamentos, pois, do futuro bem-estar nacional.
Nações recém-nascidas, como o são, economicamente, as repúblicas sul-americanas, exigem decerto
grandes despesas com a sua formação e os cuidados da primeira infância, até que possam emergir no vigor da sua adolescência e da sua mocidade, para,
então, encarar o mundo por si e aguardar, confiantes, os frutos da sua virilidade.
Essas despesas da primeira infância foram as que estiveram a cargo dos primeiros governos da
República; mas já vai sendo tempo de confiar um pouco nas próprias forças do país, para cuidar, portanto, de por em dia as finanças desarranjadas
com as despesas de preparação, pondo-as em proporção com a renda nacional.
É preciso não prosseguir no regime de governos empreendedores sucessivos, e sim recorrer a um
regime alternativo de governos economizadores e governos empreendedores: só empreender novas obras e melhoramentos, como no Governo Rodrigues Alves,
quando o país sair de um governo economizador e reorganizador de finanças, como o Governo Campos Salles.
É certo que todos os governos do Brasil, em momentos de dificuldades financeiras, têm sabido
recorrer a um regime severo de economias; mas o que é preciso é que esse regime seja sistemático, durante todo um período governamental, e não
apenas um expediente para remover dificuldades de momento.
O atual governo parece disposto a fazê-lo, e é certo que já têm sido feitas economias
consideráveis, ao mesmo tempo que se promove o melhor aproveitamento das fontes de receita.
Uma das medidas eficazes, tomadas neste sentido, é a restrição das isenções de direitos cujos
abusos representam enorme desfalque nas rendas do Tesouro. Só durante o ano de 1911, a isenção de direitos representou um prejuízo, para o Tesouro,
de 39.256 contos de réis, papel (£2.617.085), mais, portanto, do que a média dos déficits anuais. Apesar disso, a importância das rendas arrecadadas
em 1911 constituiu um recorde, o que não só prova a contínua prosperidade do país como faz crer que, se não forem lançados novos empréstimos, os
orçamentos futuros tenderão ao equilíbrio financeiro.
Mas existem ainda outros fatores que, embora não sendo de molde a enfraquecer as grandes
esperanças depositadas no futuro do país, vêm contribuindo para as incertezas e dificuldades que lhe têm entravado a marcha progressiva. Tal tem
sido, sobretudo, a instabilidade do câmbio, apenas remediada nos últimos anos, e assim mesmo parcialmente, pelas operações da Caixa de Conversão,
que tem restringido consideravelmente os limites da instabilidade.
O projeto do atual governo, de introduzir no país um novo regime de circulação metálica - com
moedas de ouro e prata correspondentes à libra, com subdivisões, e ao franco - terá o efeito de regularizar grandemente as transações de comércio
exterior, a menos que, como receiam alguns, o seu primeiro efeito seja um desequilibrador êxodo do ouro atualmente em depósito.
Outra grande fonte de instabilidade financeira jaz na própria natureza dos produtos que constituem
a principal riqueza da nação. O Brasil tem, por vezes já, sofrido muito com a superprodução do café, de longa data o seu principal produto, que
ainda em 1911 representou 60% do valor total das exportações.
Mas o sábio fomento da policultura e a restrição imposta à produção, combinadas com a crescente
procura mundial do produto, tornam menos possíveis, de futuro, crises do café, da natureza daquela que o plano ousado do Convênio de Taubaté teve de
debelar.
A borracha, igualmente, que é o segundo dos produtos de exportação (22½% do valor total das
exportações em 1911) tem sido, nos últimos anos, outra fonte de desequilíbrio comercial e financeiro, devido às grandes oscilações dos seus preços.
O futuro da borracha brasileira constitui ainda um problema, em vista da grande e ainda crescente competência das borrachas estrangeiras. Mas é
certo que a produção do Brasil pode ser facilmente duplicada, desde que a procura o exija; e há quem calcule que, com um organização melhor - como a
que providencia o decreto de janeiro de 1912, do dr. Pedro de Toledo - o produtor amazônico poderá realizar lucros na sua exploração, mesmo com
preços que sejam a metade dos atuais.
Não é certo que o café e a borracha continuem por longo tempo mantendo a mesma proporção de agora,
no valor total das exportações brasileiras, ainda mesmo que não diminua a sua produção atual.
O algodão, por exemplo, deve aumentar consideravelmente a sua produção, não só pelas exigências
sempre crescentes de consumo local, como em vista da tendência, para diminuir, das exportações de algodão dos Estados Unidos, cujas fábricas de
tecidos não deixam muitas sobras para as de Lancashire.
A pecuária, por seu lado, há de se desenvolver forçosamente, não só no Rio Grande do SUl, onde ela
já representa uma riqueza considerável, mas nos estados abandonados de Goiás e Mato Grosso que, em breve, disporão de meio de transporte para o
gado, que encontra ali campos tão propícios ao seu desenvolvimento como os que mais o sejam em todo o mundo.
Os minérios de ferro de Minas, os mais extensos e mais ricos que se conhecem, não poderão, também,
continuar longo tempo ao abandono do solo. E ainda o cacau, de crescente procura mundial; o mate, tão mais procurado quanto mais conhecido; o trigo,
que ainda entra com mais de 2/3 da importação de gêneros alimentícios, e que pode ser cultivado em todo o Sul, até Minas e Mato Grosso, nas
condições mais vantajosas - são outros tantos produtos cuja produção tem, infalivelmente, de se desenvolver.
Aliás, não é possível assinalar limites para o desenvolvimento da produção agrícola dum país, como
o Brasil, com tamanha extensão territorial, tão completa variedade de climas, tão excepcional fertilidade de solo.
Para desenvolver, porém, os seus recursos, o Brasil precisa, antes do mais, de população. Com os
seus 8½ milhões de km, ou seja ¾ da Europa, ele não dispõe de mais de 22½ milhões de habitantes: pouco mais de 2,5 por km². Densamente povoado como
a Bélgica, ele poderia conter, por si só, mais de dois bilhões de habitantes, ou seja, mais do que toda a Humanidade existente; e bastaria ter a
fraca densidade da França, para abrigar mais de 600 milhões, ou quase tanto como as populações, somadas, da China e da Índia, as duas maiores do
mundo.
É certo que a população do Brasil tem crescido, ultimamente, numa proporção que seria considerada
surpreendente num país densamente povoado. Esse aumento é devido, tanto ao excesso da natalidade sobre a mortalidade (excesso, em média, de 10 por
mil, em um ano), como no desenvolvimento da imigração (133.316 imigrantes em 1911, contra um máximo de 94.695 em 1908, e um mínimo de 34.062, nos
doze primeiros anos deste século, sendo ainda que, só nos primeiros seis meses de 1912, haviam já entrado 86.554 imigrantes, ou 29.162 mais do que
no mesmo período de 1911).
Mas esse próprio crescimento não basta ainda para encher, com a rapidez que o progresso do país
exige, os vastos espaços vazios que formam a sua área formidável. Daí, o empenho em que se acham o governo da União e os dos estados em provocar a
colonização estrangeira, criando-lhe as maiores facilidades - como se assinalou no capítulo deste livro relativo ao assunto.
É de esperar, pois, que, quando tais facilidades e vantagens forem devidamente conhecidas nos
densos centros de população agrícola, a emigração para o Brasil ainda mais se desenvolva, concorrendo ativamente para o povoamento indispensável do
pais - que passará a marcar o aumento de milhões de habitantes por simples décadas decorridas.
No domínio das indústrias, os progressos são igualmente constantes, não sendo mesmo sem fundamento
a queixa de que a agricultura e as indústrias extrativas estão sofrendo, presentemente, do abandono em benefício das indústrias manufatureiras.
O grande declínio das exportações de algodão em rama, verificado nos últimos anos, corresponde
apenas ao grande desenvolvimento das indústrias nacionais de fiação e tecidos, que em breve trarão ao Brasil a completa independência das
importações estrangeiras.
É certo que esse desenvolvimento tem sido, até aqui, amparado pela proteção dos governos, sem a
qual as indústrias brasileiras não poderiam, provavelmente, concorrer com as ofertas estrangeiras. Mas, no pé em que já se acham presentemente, e
dado o desenvolvimento geral do país em outros ramos, especialmente o amparo oferecido à agricultura nos últimos dois anos, é de esperar que as
indústrias fabris nacionais poderão, em breve, viver por si e, por si mesmas, defender-se contra a concorrência estrangeira, sem que o governo seja
obrigado a manter um regime de tarifas alfandegárias que, encarecendo o custo geral da vida, age como empecilho ao desenvolvimento natural dos
outros ramos de atividade.
Esta resenha rápida, que acabamos de fazer, das principais manifestações da vida nacional no
Brasil, basta para mostrar que a considerável prosperidade atual não é senão uma sombra do grande futuro que aguarda o país. Os seguintes algarismos
dão uma idéia mais precisa de alguns dos principais aspectos da situação atual do Brasil:
Superfície (cálculo
oficial) |
8.525.054 km |
População (cálculo
aproximativo) |
22.500.000 habitantes |
Imigração em 1911 |
133.316 pessoas |
Extensão da costa (segundo
o sr. Tancredo Jauftret) |
3.577 milhas marítimas |
Extensão navegável dos rios
(aproximadamente) |
50.000 km |
Extensão navegada dos rios
(em 1911) |
27.566 km |
Extensão das estradas de
ferro em tráfego (fim de 1911) |
22.129 km |
Extensão das estradas de
ferro em construção |
3.890 km |
Extensão das estradas de
ferro projetadas |
5.046 km |
Exportações em 1911 |
1.003.924:736$ papel |
Importações em 1911 |
793.361:564$ papel |
Valor do café exportado em
1911 |
606.528:949$ papel |
Valor da borracha exportada
em 1911 |
226.395;419$ papel |
Receita federal exportado
em 1911 |
590.091:514$ papel |
Despesa federal exportado
em 1911 |
662.211:587$ papel |
Dívida federal (externa e
interna), em 30 de abril de 1912 |
£136.271.493 |
Dívida federal flutuante,
em 31 de dezembro 1911 |
£18.345.975 |
Capitais estrangeiros
empregados no Brasil, em empréstimos, estradas de ferro, comércio e indústria (cálculo aproximativo) |
£320.000.000 |
Capital nacional e
estrangeiro empregado em estradas de ferro (cálculo aproximativo) |
£75.000.000 |
Área aproximada da zona de
borracha |
995.000 milhas quadradas |
Número de cafeeiros
cultivados |
1.273.000.000 |
Área cultivada com café
(safra de 1910-11) |
1.721.749 habitantes |
Nota final
endo levado a cabo
a nossa ingente tarefa de compilação deste volume, apresentamos os mais cordiais agradecimentos a todos aqueles que, pelo seu precioso auxílio, tão
generosamente prestado, contribuíram para aliviar o nosso árduo trabalho.
Dos funcionários de todas as repartições federais, estaduais e municipais, bem como outras
corporações governativas, recebemos por toda a parte a maior consideração e prestimoso auxílio, que nos foram, igualmente, dispensados por todas
aquelas pessoas com que tivemos de tratar. Naturalmente, para organizar uma obra das proporções desta, tivemos de recorrer por vezes a livros de
referência e outras publicações, a cujos autores enviamos, também, o nosso pleno reconhecimento.
Diretor principal
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