Musicistas eminentes no Brasil: 1) Alfredo Oswald; 2) Carlos Gomes; 3) Francisco Braga; 4) Alberto
Nepomuceno; 5) Henrique Oswald; 6) Barroso Netto; 7) mme. Antonietta Rudge-Miller; 8) Arthur Napoleão; 9) Alfredo Bevilacqua; 10) Nicia
Silva; 11) João Itiberê da Cunha (Iwan d'Hunac.); 12) Manoel Faulhaber
Foto publicada com o texto, página 153
A música
Por João Itiberê da Cunha,
Compositor, crítico musical e redator do
Correio da Manhã
e
alguns escritores - na verdade mais diletantes do que profissionais - têm revelado ultimamente um incontido júbilo ao fazer de novo a descoberta do
Brasil, 400 anos após Pedro Álvares Cabral, muito mais justa deveria ser a alegria de quem descobrisse o Brasil musical, que para muitos está
envolto num cerrado véu de mistério.
O próprio Brasil, aos olhos da Europa, é ainda um país vago, que produz café, cacau e borracha,
mas cuja etnografia e intelectualidade são desconhecidas.
A maioria das nações do Velho Continente ignoram que existe neste hemisfério uma nação jovem, uma
nação pensante, capaz de dar o seu contingente de originalidade para o grande concurso da inteligência. Conhece-se a música russa, a polaca, a
norueguesa - quiçá também a chinesa e a japonesa - mas nada se sabe acerca da música brasileira... No entanto, vale a pena estudá-la.
Não temos propriamente (a falar verdade) música brasileira: isto é, uma música que tenha caráter
intenso, bem nítido, absolutamente original, sem nada que lembre a música dos outros povos. Os nossos autores populares prendem-se visivelmente aos
trovadores do violão e aos improvisadores da guitarra. A modinha brasileira é apenas a variante do fado português, com maior dose de
langor, de indolência, de melancolia e de sensibilidade. De resto, não é essa uma alta manifestação de arte, e melhor será não nos ocuparmos dela.
A música séria, a música científica, possui, no Brasil, cultores muito mais interessantes do que a
música popular, que facilmente degenera, entre nós, no dobrado corriqueiro das ruas e no maxixe reles dos bailes carnavalescos. Mas,
felizmente, temos compositores. Cada um destes possui feição particular, maneira pessoal de fatura e, à míngua, talvez de originalidade, somente
possível nos tempos atuais, com música bárbara ou revolucionária - certa disposição de ritmos e de melodias que os tornam inteiramente novos.
Desejaríamos apresentá-los ao leitor em grupos, para tornar este estudo mais claro; temos horror,
porém, às classificações antecipadas. Procederemos, pois, sem ordem preestabelecida de escolas, começando pelos que fazem arte do Instituto Nacional
de Música. E, em primeiro lugar, diremos algumas palavras acerca desse útil estabelecimento de ensino musical, cujo diretor atual é o maestro
Alberto Nepomuceno.
O Instituto Nacional de Música deve-se em grande parte ao esforço pessoal, à inquebrantável
tenacidade, do sr. José Rodrigues Barbosa. O Governo Provisório, reconhecendo implicitamente essa paternidade intelectual, assinou o decreto da
criação do referido estabelecimento no dia 12 de janeiro, aniversário natalício do sr. Rodrigues Barbosa. Foi assim que, em 1890, o primeiro
presidente da República, marechal Deodoro da Fonseca, reconheceu e recompensou os serviços prestados à causa da arte musical no Brasil pelo erudito
musicista.
O antigo Conservatório, criado por decreto imperial de 23 de setembro de 1854, estava ligado á
Academia de Belas-Artes. Era necessário torná-lo independente, autônomo, como é de uso nos grandes centros artísticos. Para esse fim, foi nomeada
pelo governo uma comissão, sob a presidência do sr. Rodrigues Barbosa, a fim de estudar as reformas mais urgentes que deviam ser introduzidas no
ensino da arte. Imediatamente essa comissão se cindiu em dois grupos: o das Belas-Artes e o da Música. Deste último faziam parte o maestro Leopoldo
Miguéz, o professor Alfredo Bevilacqua e o sr. Rodrigues Barbosa.
Resultou desse trabalho em comum a criação do Instituto Nacional de Música, por decreto nº 143, de
12 de janeiro de 1890. Tratava-se então de colocar à frente do novo estabelecimento um homem capaz de dirigi-lo. Esse homem foi Leopoldo Miguéz, o
extraordinário artista, cuja perda ainda hoje é por todos tão sentida. De então para cá tem o Instituto de Música passado por constantes reformas, e
de cada vez o seu aperfeiçoamento tem sido notado. Os serviços que presta ao país e à arte são inegáveis,ninguém poderá contestá-lo.
Por essa época também, abriu-se um concurso para adoção de um Hino da República. E dá-se
aqui um episódio que merece ser contado, porque é todo em louvor do maestro Miguéz. O governo havia resolvido conferir ao autor do hino premiado uma
recompensa de 20 contos de réis. Ora, esse hino foi justamente o de Leopoldo Miguéz. Cabia-lhe, pois, o prêmio. Imediatamente o diretor do Instituto
de Música foi ter com o ministro Aristides Lobo, e lhe declarou que renunciava ao prêmio, com a condição de que a soma votada pelo governo fosse
empregada na aquisição dum grande órgão para o estabelecimento que dirigia. Esse instrumento, acrescentava ele, era absolutamente necessário,
indispensável, para os grandes concertos sinfônicos.
O governo apreciou devidamente o desinteresse do artista e o órgão foi encomendado ao fabricante
Wilhelm Sauer, de Francfort-sur-Oder. Para instalação do instrumento, foi preciso proceder-se a grandes obras no salão dos concertos do Instituto
que - seja dito de passagem - é um dos mais belos e artísticos que se conhecem.
Mas o Instituto Nacional de Música já não está funcionando nesse prédio: mudou-se para a Rua
Joaquim Nabuco, em frente ao Passeio Público. Criou-se também uma biblioteca e um Gabinete de Acústica, a cargo do professor Frederico Nascimento,
distinto violoncelista e tipo de erudito.
Estava, pois, fundado o Instituto Nacional de Música, com um diretor capaz à sua frente, e, o que
é mais, um artista de grande mérito. Estava vencida a primeira grande dificuldade.
Não se improvisa, porém, um estabelecimento dessa ordem sem o concurso de outros elementos, sem o
auxílio de um corpo docente com todas as habilitações requeridas pela ciência musical moderna.
A esse respeito, ainda o Instituto foi muito feliz. Teve desde o início, a ampará-lo, artistas de
valor real entre os professores nomeados. Dentre estes, destaca-se, na classe de piano, o sr. Alfredo Bevilacqua, pianista consciencioso, que reúne
à virtuosidade mais completa a mais absoluta correção.
São inúmeros os seus discípulos. A classe de piano ainda tem hoje como professores o maestro
Henrique Oswald - do qual nos ocuparemos mais adiante, como compositor -, o sr. Fertin de Vasconcellos, o sr. Paulo Chambelland, e as sras. d.
Elvira Bello e d. Alcina Navarro. A classe de canto era dirigida com rara competência pelo professor Luiz Gilland, infelizmente já falecido;
atualmente, regem-na o professor Carlos de Carvalho e outros. Na classe de solfejo, figuram os professores Agostinho de GOuvêa, Lima Coutinho,
Frederico Nascimento, Henrique Braga.
Os violinos foram confiados aos professores Ernesto Ronchini, Ricardo Tatti e Humberto Milano. Na
classe de harmonia, temos os professores Francisco Braga e Frederico Nascimento. Ensinava harpa a sra. Luigia Guido. A classe de violoncelo tem à
sua frente o professor Benno Niederberger; e a de contrabaixo o professor Ricardo Rosada. A de flauta era dirigida pelo professor Duque Estrada
Meyer; a de clarineta, pelo professor Francisco Minas; a de oboé e fagote, pelo professor Agostinho de Gouvêa; a de trompa e instrumentos
congêneres, pelo professor Henrique de Mesquita; e finalmente a de órgão, pelo maestro Alberto Nepomuceno.
Tornaremos a falar, mais adiante, dos professores do Instituto Nacional de Música, que são, ao
mesmo tempo, compositores. Nesse número está Leopoldo Miguéz, legítima glória musical do Brasil.
Mas antes de prosseguirmos neste estudo, devemos volver atrás e dizer algumas palavras sobre os
mestres primitivos da música. Neste particular, destacam-se apenas dois nomes: o de Francisco Manoel, autor do nosso entusiástico e sugestivo Hino
Nacional; e o do padre José Maurício, autor de inúmeras missas e cantos religiosos. São estes, por assim dizer, os ancestrais da música séria no
Brasil. Ambos se filiaram à escola de Palestrina e à velha arte musical italiana.
Muito depois, surgiu Carlos Gomes, o mais genial e, infelizmente, o menos estudioso dos
compositores nacionais. Na sua enorme bagagem musical, encontram-se inúmeras óperas, todas elas se ressentindo da grande predileção pela escola
italiana: A noite do Castelo, Guarany, Fosca, Maria Tudor, Salvador Rosa, Escravo, Condor e
Colombo.
Carlos Gomes distingue-se, especialmente, nos bailados e nas danças, em que revela - a par de
estonteante e bizarra originalidade - as mais preciosas qualidades de técnica e inspiração, aproveitando com maestria alguns temas musicais
indígenas, de efeito curioso.
Leopoldo Miguéz, já o dissemos, é legítima glória da arte musical brasileira. A sua obra é de
incontestável valor. Citaremos, dentre as suas mais conhecidas produções: Parisina, Promethée, Ave Libertas!, poemas
sinfônicos; Pelo Amor, música de cena; Saldunes, drama lírico, em 3 atos, sua obra capital; Suite à l'antique, Sonate en la
majeur, para violino e piano; Marche Nuptiale, Nocturne, Scène Dramatique, Souvenirs, Scènes intimes,
Morceaux lyriques; dois Coros para vozes de mulher: Hosannah e Branca Aurora.
Leopoldo Miguéz prende-se visivelmente à escola sinfônica francesa. Se tivesse nascido na Rússia,
ou na Polônia, talvez tivesse reputação universal. Mas era brasileiro!
Alexandre Levy, falecido subitamente, aos vinte e seis anos, em plena e radiante mocidade, era uma
natureza artística precoce, participando do prodígio. Sentia-se na sua maneira a influência poderosa de Schumann, mas sempre com inspiração fácil,
elevada e pessoal. Possuindo a fundo a técnica do métier, sabia dar às suas composições grande interesse e forma quase impecável. As suas
Variations sur un théme populaire brésilien são verdadeiramente primorosas. O Andante, para instrumentos de arco, é uma página
maravilhosa, digna dum grande mestre. Para piano, escreveu duas mazurcas, dois Morceaux lyriques, um Impromptu e uma suíte, intitulada
Schumanniana, preito carinhoso ao seu autor favorito.
Alexandre Levy escreveu para orquestra uma Suite brésilienne, de incomparável beleza. O
Samba, dança de admirável cor local, é evidentemente inspirado num motivo africano. A morte deste extraordinário artista foi uma perda
irreparável para a música brasileira.
Passemos, agora, aos compositores da atualidade, numerosos e dignos de atenção. Alberto Nepomuceno
não é somente um grande músico no Brasil; se-lo-ia também na Europa, ou em qualquer parte do mundo. Reunindo à técnica mais escrupulosa a mais
lídima inspiração, tudo que produz é realmente notável.
Entre as suas obras principais, figuram uma Symphonia, em sol menor, e uma Suite
Brazileira, para orquestra, encantadora; Valsas Humoristicas, para piano e orquestra, valsas estas brilhantes, cada uma com caráter
especial, de alegria, de humor, de espírito, e mesmo de pilhéria; várias peças para piano: Albumblätter, Suite Antique, Quatre
piéces lyriques, Deux morceaux pour piano etc.; muitas romanças para canto, em português, francês, italiano e alemão, gênero em que ele
fulge pela graça, sentimentalidade, elevação de estilo e interpretação impecável do texto; coros, para vozes mistas; e, enfim, três óperas:
Artemis, o Garatuja, e Mabul.
Alberto Nepomuceno é um trabalhador infatigável. Apesar da alta responsabilidade que lhe incumbe,
de dirigir um estabelecimento de ensino como o Instituto Nacional da Música, a sua produção é constante e admirável. A propósito da Suite
Brazileira, devemos acrescentar o seguinte: o Batuque, que faz parte dessa composição, é uma peça que poderia talvez iludir o ouvinte e
confundi-lo. Trata-se aqui, como no Samba de Alexandre Levy, dum quadro de reminiscência puramente africana, como tudo o que está indicando -
não só a melopéia enfadonha, primitiva, mas ainda o ritmo persistentemente monótono, selvagem.
Vamos falar agora dum dos mais finos, dos mais distintos, dos mais aristocráticos compositores
brasileiros. O maestro Henrique Oswald, às mais raras qualidades de compositor, reúne a singularidade de não se deixar contaminar elo meio. Assim
foi que viveu largos anos na Itália, indene, sem ficar seduzido pela arte del bel canto! que é, nada mais nada menos, a exageração absurda da
sentimentalidade meridional. O merecimento principal de Henrique Oswald - inspiração à parte - reside na feitura, sempre original, sempre correta,
sempre nova. Parece que esse artista possui privilégio para a arte de bien faire.
Podemos dar como modelos do gênero os seus Quatuors, para instrumentos de arco e piano;
Trios, para piano, violino e violoncelo; e Otteto, para 4 violinos, 2 altos e 2 violoncelos. Essas composições poderiam ser firmadas, com
muita honra, por qualquer dos mestres da música contemporânea. Poucos terão produzido, já não diremos obras superiores, mas iguais às do mestre
brasileiro. Ele é um verdadeiro príncipe na música de câmera.
Henrique Oswald tem ainda várias óperas: La croce d'Oro, em 3 atos; Il néo, em um
ato; Le Fate, em 2 atos. Além dessas obras, assinalemos os dois Concertos, para piano e orquestra, e violino e orquestra; uma Suite
para orquestra; Symphonia, para orquestra; Elégie, para violoncelo; Ophelia, poema lírico para canto; Andante e Berceuse,
para violino e piano; várias composições para piano, violino, e algumas dentre as mais novas, no gênero bizarro de Debussy, cuja escola tem alguns
prosélitos de talento no Brasil. Digamos também, de passagem, que o maestro Henrique Oswald ocupou com brilho o lugar de diretor do Instituto
Nacional de Música.
O maestro Francisco Braga é essencialmente sinfonista, de temperamento, de tendências; o profundo
conhecimento que tem da arte e da técnica fazem-no cultor apaixonado da música sinfônica. Foi nesse difícil gênero que ele escreveu as suas mais
belas páginas musicais: Paysage, Episode Symphonique, Cauchemar, Le Marabá etc.
Para piano, compôs uma suíte de Valses romantiques; e para canto, inúmeras peças
extremamente características. Também é autor de duas óperas: Jupira, em 2 atos, e Annita Garibaldi, em 4 atos, que revelam brilhantes
qualidades de musicista e orquestrador. Demais, Francisco Braga é ótimo regente, e cumpre não esquecê-lo.
Mas o Brasil é fertilíssimo em compositores de mérito, e não podemos ocupar-nos, no espaço deste
artigo, de todos eles. Citaremos ainda: o maestro Henrique Braga, cujo Pourquoi?, para piano, obteve êxito colossal, até na própria Europa.
Henrique Braga é autor de uma sinfonia dramática, Jeanne d'Arc, para orquestra com coros, que tem sido sempre muito aplaudida.
Henrique de Mesquita compôs duas óperas, no primeiro estilo de Verdi, sentindo-se nessas obras a
influência deletéria da primitiva escola lírica italiana.
Lima Coutinho é autor de um hino sinfônico, de dois prelúdios para orquestra, de uma Gavota
e de uma Barcarola, para instrumentos de arco; da Festa na Aldeia, poema sinfônico; Serenata, para orquestra; e de outras composições de
bastante valor.
O maestro Arthur Napoleão é mais conhecido como pianista do que como compositor. Foi, em toda a
acepção do termo, um menino-prodígio, nesse instrumento. Aos nove anos de idade, já dava concertos em Londres, obtendo assinalados triunfos. Podemos
considerá-lo, sem nenhum favor, êmulo de Rubinstein e de Paderewski.
Arthur Napoleão se distingue, especialmente, pela virtuosidade admirável, pela delicadeza,
igualdade, limpidez e originalidade da execução. As suas composições reúnem as mesmas brilhantes qualidades que possui o pianista: são perfeitas de
técnica e de bela inspiração.
Entre as melhores: Romance et Habanera, Les Sylphes nº 1 et nº 2, Enchantement,
Valsa impromptu, Idéale, Rêveuse, Valsa Melodica, Souvenir de Jeunesse, Suite, a quatro mãos,
Tarantelle, para dois pianos, Grand Scherzo, Ricordo di Napoli, Souvenir de Séville, e duas ou três grandes peças para
orquestra.
Manoel Faulhaber descende duma família de artistas: seu pai, Paulo Faulhaber, era um compositor de
talento. O filho herdou-lhe as qualidades e ainda as aperfeiçoou pelo estudo. As suas músicas são construídas com vigor e solidez, pesando as notas,
analisando os acordes, contemplando a sua estrutura com minúcia, como faz o arquiteto consciencioso para o conjunto de um monumento.
Entre as suas obras de mais fôlego, figuram: Romance, op. 1; Ballade, op. 2;
Scherzo, op. 3; Valse, op. 4; Dialogue, op. 5; Nocturne, op. 6; Caprice-Valse, op. 7; e outras muitas.
Barroso Netto faz parte da jovem geração dos compositores brasileiros, e já conquistou nome
saliente entre os seus companheiros de jornada no mundo musical. As suas composições têm belo caráter, não só pela maneira de harmonizar - que é
sábia e cuidada - como pela inspiração espontânea e sempre interessante. Acresce que Barroso Netto é nacionalista (acompanhando neste ponto ao
maestro Alberto Nepomuceno) e escreve as suas músicas em português, embora tenha de as mandar traduzir, se as quiser ver cantadas! Sente-se nele a
influência de três grandes mestres: Bach, Grieg e Wagner.
As suas composições mais notáveis são: Cantiga, Adeus, Ballada, Se eu
morresse amanhã, Dorme, coros infantis; Isaac, drama bíblico; Fuga, Primeira Gavota, Folhas d'Album,
Romança sem palavras, Humoresca, Berceuse, Álbum infantil, Hymno do IV centenario da Descoberta do Brazil, Valsa
lenta, Canção arabe etc., para piano; Aria, Melodia, etc. para violino; e outras mais modernas, ainda não publicadas.
Esses são os compositores que pertencem ao Instituto Nacional de Música. Agora os de fora. O
maestro Delgado de Carvalho tem nome vantajosamente conhecido. As suas composições se recomendam por um cunho acentuado de elegância e de finura.
Não é um compositor dramático, é antes um lírico, gracioso e sentimental. Prende-se à escola romântica francesa.
Entre as suas composições de maior destaque, figuram: Moéma, ópera em um ato, obra de
juventude; Hostia, balada em um ato; Marche Solennelle, Marche des Poupées, Gavotte et Musette, vários Minuetos,
Suite, op. 35, Elégie, Trois morceaux caractéristiques, Ronde Burlesque, Vieille Chanson et Danse Orientale, para
orquestra; várias composições para piano, entre as quais salientaremos as Valses Humoristiques e as Valses Romantiques, e, por fim, a
música de cena, para orquestra, adaptada a uma comédia em verso, em três atos, Laïs, de Iwan d'Hunac.
J. Araujo Vianna é outro compositor de talento da nova geração de musicistas do Brasil. É autor da
ópera em um ato Carmela, representada com belo êxito no teatro S. Pedro, do Rio. Para canto, escreveu ele: Ave Maria, Hai mai
pensato, com acompanhamento de piano e violoncelo; Primi palpiti, Ninna-Nanna, Organetto; páginas d'Album;
Impromptu, para piano; Allegro, para violino e piano; Marche, para grande orquestra, e uma Suite en la, para instrumentos
de corda. Além destas, tem várias composições ainda não publicadas.
Carlos de Mesquita fez os seus estudos musicais em França. É, ao mesmo tempo, pianista, compositor
e chefe de orquestra. Como pianista, distingue-se pela grande facilidade de execução. Mas o compositor merece mais atenção. Sem ser dotado de grande
originalidade, possui, contudo, um encanto especial e cativante, uma forma delicada e graciosa, que supre perfeitamente grandes efeitos
revolucionários. A harmonização não é nem sábia, nem complicada; mas tão natural, tão simples, tão agradável, que seríamos deveras exigentes se não
nos agradasse.
Carlos de Mesquita compôs as seguintes obras: Esmeralda, ópera em 3 atos; Ronde
Militaire, Air de Ballet, Deux Feuillets d'Album, La Esmeralda, Valse Romantique, Aquarelles, 6 pièces,
Valse des Guitarreros, Fandango Brésilien, Sérénade, Chanson Créole, Fantaisie Marche, Chanson Brésilienne,
Dix Etudes de Concert, Gavotte, Deux pièces de genre; Cortège, Fugue libre; várias romanças para canto, e uma
Fantaisie, para piano e orquestra.
Assis Pacheco possui uma das organizações musicais mais completas que se possam imaginar: nasceu
músico. É também literato - escreve ele mesmo os librettos das suas óperas, vantagem extraordinária para um compositor. O que devemos
especialmente admirar na sua maneira, é a originalidade, que atinge às vezes os limites da audácia, e a facilidade da inspiração que é espantosa.
Como compositor lírico, é um dos primeiros representantes do gênero no Brasil.
Entre as suas obras mais notáveis, assinalemos: A Dor, ópera em um ato; Moema, em um
ato; Cleopatra, em dois atos; Jacy, em um ato etc. Além disso, Assis Pacheco tem uma infinidade de composições, que seria impossível
enumerar aqui.
Entre os compositores mais modernos, devemos incluir, como um dos de maior talento, Glauco
Velasquez, que em pouco tempo se impôs pela maestria e pela intensíssima originalidade. É, no Brasil, um dos raros representantes da escola de
Vincent d'Indy.
Citemos ainda entre os compositores brasileiros: Miguel Cardoso, J. Queiroz, J. Gomes de Araujo,
J. Garna Malcher, Francisco Valle, Elpidio Pereira, Euclides Fonseca, Felix Otero, Ezequiel Ramos, Camarate, Antonio Carlos Ribeiro Machado de
Andrada e Silva, Paulo Florence etc.
Deixamos para falar por último dois compositores que não exercem, de resto, a profissão musical. A
individualidade artística do dr. B. Itiberê da Cunha - enviado extraordinário e ministro plenipotenciário do Brasil junto à corte da Alemanha - é
simpaticamente conhecida na Europa, onde privou na intimidade com todos os grandes artistas, tais como Liszt, Rubinstein, Sgambatti e outros mais
modernos. O diplomata, neste caso especial, desdobra-se num compositor de raro merecimento. Aliás, o fato não é isolado na Carreira - basta
lembrar o caso do príncipe de Metternich, embaixador da Áustria, na corte de Napoleão III.
Da obra, aliás vastíssima, do diplomata brasileiro, lembraremos primeiro duas composições que se
tornaram extremamente populares em todo o Brasil, desde os confins do Norte até os confins do Sul: o Poéme d'Amour, e a Sertaneja,
rapsódia brasileira de intensa originalidade. Depois, Sous les Tropiques, Nuits Orientales, Gavotte, Mazurka-Caprice,
Sérénade, Rhapsodies Brésiliennes, Tarantelle, Messe de Nöel etc.
De Iwan d'Hunac, jornalista e compositor, nada podemos dizer et pour cause... Daremos
apenas o nome d'algumas das suas obras: Menuet, en do majeur; Prélude; La Chanson Nostalgique; Magdala, poema musical;
Ils s'amusent, suite burlesque; Souvenance, Berceuse, para canto etc.
A crítica musical no Brasil não constitui uma profissão; quem a faz é, quase sempre, um diletante
ou um amador apenas. Há, contudo, algumas exceções, e nestas incluiremos os nomes de José Rodrigues Barbosa, crítico musical do Jornal do
Commercio; Oscar Guanabarino, d'O Paiz; Luiz de Castro, da Gazeta de Noticias. e Enrico Borgongino, do Correio da Manhã.
Terminaremos este ligeiro estudo pela nomenclatura dos artistas que, não sendo compositores, se
tornaram notáveis e admirados executantes.
Pianistas: Alfredo Bevilacqua, Charley Lachmund, Alfredo Oswald, Godofredo Leão Velloso,
senhoritas Helena, Suzanna e Sylvia de Figueiredo; Yvonne de Geslin, Fanny Guimarães, Christina Moller; sras. Elvira Bello, Alcina Navarro,
Antonietta R. Miller; srs. Amaro Barreto, L. Amabile etc.
Violinistas: Nicolino e Humberto Milano, Jeronymo Silva, Carmo Marsicano, Francisco Althemira etc.
Violoncelistas: Frederico Nascimento, Rubens Tavares, Luiz Filguéras, Eurico Costa etc.
Cantores: sras. Nicia Silva, Amalia Iracema, Canizares, Roxy King Shaw; srs. Corbiniano Villaça,
José de Larrigue de Faro, Carlos de Carvalho etc.
Todos estes são profissionais. Quanto aos diletantes, o número é enorme. Não os poderemos
mencionar aqui por falta de espaço. Seria preciso um livro inteiro.
Pelo que já dissemos e outros hão de dizer nesta obra, se poderá facilmente avaliar que o Brasil
não é somente um país gigantesco e misterioso, vagamente situado na América do Sul, e que exporta para os países civilizados alguns gêneros de
utilidade alimentícia e industrial.
Não nos atardemos, porém, nestas considerações amargas, sobre o abandono em que vive o nosso país,
no estrangeiro, com relação à arte. É de esperar que, com uma propaganda racional e sincera, se dê uma vigorosa sacudida na indiferença e na falta
de curiosidade européias, no tocante à intelectualidade brasileira.
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