Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/santos/h0300g05.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 11/20/09 19:49:08
Clique na imagem para voltar à página principal
HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - SANTOS EM 1913 - BIBLIOTECA NM
Impressões do Brazil no Seculo Vinte - [05]

Leva para a página anterior

Clique nesta imagem para ir ao índice da obraAo longo dos séculos, as povoações se transformam, vão se adaptando às novas condições e necessidades de vida, perdem e ganham características, crescem ou ficam estagnadas conforme as mudanças econômicas, políticas, culturais, sociais. Artistas, fotógrafos e pesquisadores captam instantes da vida, que ajudam a entender como ela era então.

Um volume precioso para se avaliar as condições do Brasil às vésperas da Primeira Guerra Mundial é a publicação Impressões do Brazil no Seculo Vinte, editada em 1913 e impressa na Inglaterra por Lloyd's Greater Britain Publishing Company, Ltd., com 1.080 páginas, mantida no Arquivo Histórico de Cubatão/SP. A obra teve como diretor principal Reginald Lloyd, participando os editores ingleses W. Feldwick (Londres) e L. T. Delaney (Rio de Janeiro); o editor brasileiro Joaquim Eulalio e o historiador londrino Arnold Wright. Ricamente ilustrado (embora não identificando os autores das imagens), o trabalho informa, nas páginas 30 a 38, a seguir reproduzidas (ortografia atualizada nesta transcrição):

Impressões do Brazil no Seculo Vinte


Lagothrix Humboldth
Imagem publicada com o texto, página 31

Fauna

Por Carlos Moreira, chefe do Laboratório de Entomologia Agrícola, e Alipio de Miranda Ribeiro, do Departamento de Zoologia do Ministério da Agricultura [*]

s mamíferos brasileiros atuais estão distribuídos pelos seguintes grandes grupos zoológicos: Primatas, Cheiropteros, Carnívoros, Rodentes, Ungulados, Sirenios, Cetáceos, Edentados e Marsupiais.

Primatas – Faltam aos primatas do Brasil as grandes formas dos continentes africano e índico; contudo, não deixam de ser interessantes pela sua feição peculiar, especialmente pela ausência do calo das nádegas, característico dos demais macacos; pela adaptação da cauda, em certos gêneros, à preensão, o que vem mudar as suas funções, convertendo-a, de órgão de equilíbrio, em uma quinta mão; e finalmente pelo achatado do nariz, cujo septo é muito mais largo, sendo as narinas muito menores. Outros possuem ainda um órgão particularíssimo – uma caixa constituída por ossos do larinx, transformados em ressonadores – o que permite a emissão da voz a grande distância.

Sociáveis todos, vivem em bandos nas florestas interiores, cujos recônditos esquadrinham com atividade extraordinária, em busca dos frutos de que se alimentam. São muito ávidos de insetos e não desgostam dos ovos das aves e mesmo dos filhotes, sendo por isso destruidores de ninhos. Muitas vezes invadem as plantações, fazendo estragos nos milharais; e dizem os roceiros que um vigia sempre, em sentinela, a aproximação do homem, enquanto os outros fazem a colheita. Rezam as lendas que, se a sentinela não cumpre fielmente os seus deveres, o bando a castiga severamente.

Em geral, são animais inteligentes; muitos se domesticam com facilidade e são o encanto dos parques zoológicos, quer pelas suas momices, quer pela variedade da coloração e forma. Molina confundiu alguns com os índios e os descreveu como "homens de cauda", andando pelas árvores, nas florestas amazônicas – erro reproduzido por Castelnau.

Os macacos brasileiros são de pequeno porte; os maiores jamais chegam ao porte dum Anubis e os menores pouco mais medem que um palmo. Têm geralmente um filho de cada vez, conquanto haja quem diga tê-los visto com dois. Trazem os filhotes às costas até que estejam em condições de prover à sua própria existência. Há-os em todo o Brasil, de Norte a Sul e Este a Oeste, mais ou menos distribuídos em zonas diversas. São classificados em 13 gêneros e 57 espécies, das quais trataremos perfunctoriamente, apenas das mais interessantes.


Cabeça de Brachyurus Rubicundus
Imagem publicada com o texto, página 32

Bugios – Estes animais pertencem ao gênero Sapajus de Kerr e são tristonhos, de volumosa cabeça, grande barba ornando-lhes o queixo, e ocultando-lhes a monstruosa garganta; coloração negra ou ruiva, na totalidade das espécies. Algumas vivem nas serras elevadas, nas mais densas florestas, outras nas matas paludosas ou beiras de rios.

De manhã sobem aos cimos das árvores nuas, para se aquecerem ao sol; deslocam-se de dia em busca de fruteiras; e à tarde, antes de escolher onde passar a noite, reúne-se em assembléia todo o bando, em torno do macho mais velho e mais forte, e enceta o mais atordoador concerto que se possa imaginar. São os machos que gritam, enquanto as fêmeas escutam, silenciosas. O som emitido por um é seguido pelo canto de outro; e todas essas vozes de baixo profundo formam um som único que mais parece o bramido do touro enfurecido, antes do combate, do que vozearia de monos. E esse rouquejar monótono e lúgubre, perpassando pelos vales, chega ao ouvido do viajante, a léguas de distância, com fragor estranho e indescritível. Os bugios são encontrados em todo o Brasil, havendo espécies na bacia do Amazonas, uma na do Paraguai e outra no litoral.

Maiores e mais interessantes do que os bugios, pela sua fealdade, são os coatás (Atelés), também chamados macacos-aranha; são encontrados desde o Rio Jauru em Mato Grosso e Rio de Janeiro até o Amazonas. São conhecidas quatro espécies no Brasil, das quais a mais notável é a do estado do Rio de Janeiro, onde se lhe dá o nome de muriqui, e em cujo esqueleto Lund encontrou a espécie fóssil de Lagoa Santa.

Os coatás levam vida completamente arbórea e, geralmente, possuem quatro dedos na mão. Diz-se que, quando atacados, eles se defendem, atirando pedras; e, se estão em bando, descem até perto do solo, para gritar contra o seu agressor. Os sertanejos dizem mais que as onças se valem desse costume dos coatás, para os apanhar. O grito do coatá parece-se até certo ponto com o latido isolado dum cão pequeno; quando se chamam entre si, emitem um assobio grave, pouco modulado.

Sem dúvida os mais notáveis pela brandura do temperamento e pela afeição de que são capazes pelo homem, são os barrigudos, cuja cara faz lembrar um verdadeiro africano. Os barrigudos (Lagothrix) são peculiares da bacia do Amazonas, subindo pelos afluentes deste rio até o divortium das águas do Paraguai. Vi barrigudos apanhados de poucos momentos, que jamais procuravam morder aos seus detentores, limitando-se ao mais formidável berreiro contra os que lhes faziam medo. Possuo dois representantes das duas espécies únicas brasileiras; e ambos são os mais mansos monos que tenho conhecido.

Mas os macacos mais comuns e mais geralmente espalhados por todo o Brasil pertencem ao gênero Pseudoeebus e têm os nomes de caiarara, macaco prego e mico de topete. São também os mais inteligentes; e, como todos os outros, se adaptam com muita facilidade ao cativeiro. Tenho-os visto adotar por amigos pintos e coelhos; lavar pedaços de pano, ensaboando-os com bolos de terra; lavar o poste em que estão amarrados, riscar fósforos na caixa e com eles acender cigarros com cuja fumaça esfregam o corpo.

Menos inteligentes, mas ornados mais belamente, são os restantes do grupo, sobressaindo os uacaris, de cara pelada e rubra; os cuxius, de longa e basta barba negra e cabelo repartido em dois fortes bandos; os macacos adufeiros, de vida noturna, incômoda visita de todos os viajantes das florestas; e os dourados, saís-fogo, de pelo dourado e basto. São estes últimos muito comuns e vulgarmente encontrados nos jardins zoológicos europeus.


Dasyprocta Azarae
Imagem publicada com o texto, página 33

Cheiropteros – Destes animais "de mãos aladas", os morcegos, dizem os naturalistas existirem noventa espécies, distribuídas por quarenta e oito gêneros, no Brasil. Embora uma pequena parte desses animais seja nociva à agricultura, por causa do decidido gosto de alguns pelos bons frutos e pelo pior costume, dumas duas ou três espécies, de sugar o sangue do gado, podem ser considerados animais úteis, atendendo-se à grande quantidade de insetos que destroem anualmente.

São todos noturnos ou crepusculares, vivem nas cavernas, nos forros das casas, das igrejas, das habitações abandonadas ou na copa espessa de certas árvores. Percorri cavernas em Mato Grosso, cujo solo teria mais de metro de espessura de excremento de morcegos.

São grandemente sociáveis, dormem juntos, aos bolos, pendurados pelas garras, com a cabeça para baixo. São geralmente pequenos, medindo a espécie maior (Phyllostoma spectrum) 60 centímetros de ponta a ponta da asa.

Os morcegos frugívoros desempenham um papel predominante no transporte de sementes de certas plantas. Algumas espécies são dadas como ictiófagas e gostam de rasar a superfície dos rios em cujas margens residem. A voz dos morcegos brasileiros nada tem de notável, se bem que o dr. M. Basilio Furtado assegure haver uma espécie de música. Os morcegos têm dois a três filhotes, os quais são carregados às costas maternas até que possam voar e procurar alimentação.


Coassus Nemorivagus
Imagem publicada com o texto, página 34

Carnívoros – Vinte e quatro são as espécies distribuídas por 14 gêneros de carnívoros, no Brasil. O maior e mais forte é a conhecida onça, representante brasileira da pantera africana, com a qual tanto se parece que até os preparadores se servem indiferentemente do modelo do crânio de uma ou de outra nas montagens. Entretanto, a onça é maior e mais forte do que a pantera, apesar de menos feroz. Só ataca o homem excepcionalmente. Ao seu lado, o puma ou suçuarana (onça cor de veado) é o representante do leão; igualmente, inferior ao seu congênere africano, o puma ainda mais raramente ataca o homem.

Contudo, nem por isso deixam esses gatos de ser nocivos ao homem, pois são terríveis destruidores de gado. Dotada de grande força, a onça ataca e carrega um novilho de dois anos, e mesmo um touro, se for apanhado de surpresa, permitindo que ela lhe salte sobre as espáduas e consiga passar-lhe as garras aduncas ao focinho, estará irremediavelmente perdido.

Tal é, aliás, o processo usado por ambos aqueles gatos; por uma torção apropriada, descolam o crânio da sua articulação cervical, o que, produzindo um estrangulamento do bulbo, dá com a vítima em terra como a mais inerte das massas. Enquanto tremem ainda os músculos do abatido boi, rasga-lhe a onça o pescoço, apanha-lhe a carótida e bebe-lhe gulosamente o sangue; saciada, cobre com folhagem os restos e vai dormir a sesta, a pouca distância. É fácil então caçá-la com bons cães; estes são escolhidos de uma raça especial criada no estado de Minas Gerais e que tanto dá bons caçadores de onça como de veados; é um resultado do cruzamento do galgo grande com o perdigueiro; essa raça, já perfeitamente definida, dá os mais valentes cães para a onça.

Descoberto, o animal foge, andando léguas; é preciso acompanhá-lo e andar perto dos cães para impedir as emboscadas que ela lhes prepara. Quando a onça não é velha e portanto já experiente de tentativas anteriores, facilmente os cães a obrigam a subir a uma árvore, onde, muito à vontade, o caçador lhe pode meter uma bala junto ao ouvido. Se, ao contrário, é um animal experiente, os cães correm mais riscos; ela se amoita nalguma touceira escura e de lá sai aos saltos, ora sobre um, ora sobre outro cão; estes evitam os saltos e é curioso ver-se como o grande gato vai pegar justamente os cães menos afoitos, aqueles que estão mais longe e que não acompanham tanto o movimento do inimigo.

Cansada ao fim de algumas horas de escaramuça, a fera emprega o ardil; deita-se no solo, vira-se como um gato a brincar com os ratos, sem nunca perder de vista os cães, rola até que um momento se ofereça para seguro salto, em que de ordinário logra agarrar algum cão menos mestre; à primeira parada o mata, e como que indiferente a essa vitória, a onça se senta sobre a vítima e olha os inimigos em torno. Estes cortam com os dentes os cipós e as sarças que os poderiam atrapalhar na luta, limpam o terreno e fazem frente, até que chegue o caçador.

Então, muda-se o espetáculo; a onça deixa de parte os cães, e pois que estes se aproximam, fiados no caçador, e com mais ímpeto agridem, ela os afasta apenas com ameaças ligeiras; o seu olhar não perde o homem que deve ser calmo e seguro na pontaria; falhando o tiro, a onça lança-se sobre ele e, em pé, deita-lhe a mão por cima da cabeça, para desnucá-lo como a uma rês qualquer. É aí que se avalia dos bons nervos do caçador; em geral, os cães acodem-lhe; mas é preciso que ele disponha de todo o sangue-frio e destreza para se livrar do respeitável contendor, ou por meio dum segundo tiro, ou lutando corpo a corpo, a punhal.

Os índios caçam a onça empregando uma lança. Enfurecem-na primeiro, com uma flechada, para depois a esperar a pé firme. Mestres nessas caçadas são os Guatos, que as fazem à noite, com fachos luminosos, e imitando os roucos miados da cobiçada caça que, iludida, se aproxima.

A onça e o puma habitam todo o Brasil, sendo porém mais raros no litoral. Três outros gatos, pouco maiores do que o gato doméstico, fazem companhia aos seus congêneres maiores das matas sul-americanas. À exceção do lobo (Chrysocyon jubatus), mais parecido com um galgo húngaro, de pelo vermelho, do que com o lobo europeu, os demais carnívoros terrestres são pequenos. O lobo ou guará (corrupção do termo Aguará-Guaçu) é um animal tímido, e jamais causa os estragos que o seu homônimo europeu produz nas fazendas de criação. Foge sempre do homem e qualquer cão vulgar o faz correr; é mais um comedor de perdizes que vaga à noite pelos campos onde faz ouvir o seu rouco e engasgado ladrido.

Quatro outros cães menores, como o speothos venaticus, notável por constituir a transição entre os cães e as martas, e os Aguaras-chains, ou raposas, povoam os campos e as matas brasileiras, sem entretanto infligir grandes danos aos colonos; são antes animais raros, cujas peles têm muita procura e se vendem para misteres diversos. Os coatás (Nasua), o mão-pelada (Procyon), as irarás (Galera), zorrilhas (Conepatus) e as lontras Ppteronura e Lutra) são outros tantos representantes do grupo.

Dos demais carnívoros [1] citaremos as focas, das quais três espécies freqüentam as costas brasileiras. Há mesmo em Santa Catarina uma Ilha dos Lobos, onde, como na Ilha dos Lobos, da foz do Prata, se reúnem muitas famílias de Otaria jubata.


Ameiva Leucostigma
Imagem publicada com o texto, página 36

Roedores – São em número de 136 espécies distribuídas por 37 gêneros os roedores do Brasil, o que, em relação às dimensões do Brasil, representa uma proporção insignificante. O maior dos roedores do mundo (Hydrochoerus capibara) é seu componente; e a Medicina já descobriu nele utilidade.

Com efeito, o óleo da capivara é muito preconizado na cura de certas enfermidades do homem. Igualmente procurado, mas este como peça de caça, é outro roedor menor, Aguti paca, cuja carne é, sem dúvida alguma, muito superior à da lebre. A lebre do Brasil, Lepus brasiliensis, é pequena e não tão comum como a sua congênere da Europa. Os estragos produzidos pelos roedores brasileiros são relativamente pequenos e nunca chegam às calamitosas destruições que produzem os lemingues e os cricetos na Europa. Algumas espécies são migratórias e aparecem então de dia ou de noite, deslocando-se em bandos consideráveis. Mesmo assim, o resultado de tais migrações apenas prejudica os taquarais em flor.

A indústria tira grande proveito da pele d'outra espécie, Myocastor coypus, o ratão do banhado, bastante comum nas aguadas do Rio Grande do Sul.


O tapir
Foto publicada com o texto, página 37

Ungulados – Os ungulados são aproximadamente em número de dez espécies, distribuídas por quatro gêneros.

A maior das espécies e o maior mamífero brasileiro é a anta (Tapirus terrestris). Peça de caça muito apreciada, é um animal verdadeiramente inofensivo, habitante das proximidades dos cursos de água e dos charcos, onde gosta de se banhar às horas do crepúsculo. Em pleno dia, a anta dorme nas florestas sombrias; e de noite, vagueia em procura de alimento. É muito constante no seu trajeto, seguindo sempre o mesmo caminho que o seu pesado corpo abre através das ramagens; daí o formar trilhas, onde os caçadores a esperam para abater à passagem.

A anta é solitária; apenas se unem os casais na época de procriação; têm de um a dois filhotes, denegridos, estriados de branco. A sua voz é um guincho agudo e estridente que pode ser ouvido a grande distância.

Não menos apreciados como caça são os porcos selvagens, Tajacu-tajacu e Talbirostris: o catete e a queixada. Ambos são sociáveis, vivendo em grandes bandos nas florestas, donde saem para os charcos ou beira de rios, pelas horas quentes da manhã. Os Talbirostris são animais valentes e perigosos, especialmente para os cães, que eles envolvem com as suas grandes manadas e esfacelam a dentadas. A própria onça não se atreve a atacar a queixada em bando; apanha a que se deixa ficar isolada. Os filhotes desses porcos são vermelhos, enquanto que os adultos são denegridos. Tem a queixada o queixo branco (caractere que às vezes falta) e o catete um colar amarelo no pescoço.

Os mais belos ungulados são os cervos ou veados, de que há perto de seis espécies distribuídas por dois gêneros. A maior de todas é o cervo (Cervus dichotomus), cujo tamanho quase iguala o de C. elaphus da Europa.

O cervo vive nos lugares húmidos e paúes (N.E.: terrenos paludosos, charcos); vagueia às horas do crepúsculo, indo pastar nos pântanos com água à altura do lombo. Durante as horas quentes do dia, refugia-se nos cerrados ou nos bosques vizinhos. Em geral, a fêmera é unípara (N.E.: isto é, só tem um filhote). O cervo, quanto atacado e mal ferido, resiste, avançando contra os seus agressores. Dois outros veados brasileiros têm a armação esgalhada; os demais são de chifre simples. São todos de pequena estatura.

Os sirenídeos constituem uma única forma residente nas águas do Amazonas, chamada peixe-boi (Manatus australis). O peixe-boi é muito procurado pela sua carne e pela banha. É um herbívoro inteiramente inofensivo.

Os cetáceos são mais ricos em representantes. Pelo menos oito espécies freqüentam águas do Brasil, sendo notáveis as fluviáteis Stenotucuxi e Inia amazonica, dois golfinhos do Rio Amazonas. Das baleias, a mais comum e de que os pescadores do estado da Bahia tiram grande proveito é Megaptera boops, espécie própria do Atlântico Meridional Ocidental.

Os dois últimos grupos, desdentados e marsupiais, representam as formas mais antigas que se encontram entre os mamíferos atuais. Entre os primeiros ficam os tatus, animais cavadores, providos duma couraça dérmica e que vivem em galerias subterrâneas, os tamanduás e as preguiças: aqueles de vida geralmente terrestre e estas de vida arbórea. Há cerca de 35 espécies de desdentados brasileiros.


Alguns pássaros das florestas brasileiras
Imagem publicada com o texto, página 35

Aves – Cerca de 1.560 espécies de aves pertencem à fauna brasileira e nela estão distribuídas por 23 grupos.

Se bem que alguns destes ofereçam um facies todo brasileiro, mais locais são certos gêneros ou mesmo famílias que emprestem uma feição toda própria à avifauna brasílica.

Quem se não detém ante a forma curiosa dos Tinamidae, cuja organização faz lembrar os grandes cursores, de que a Rhea americana é um representante genuíno? Os galináceos, com os seus típicos mutuns (Crax), jacutingas (Cumana) e jacus (Penelope), boas peças de caças, tomam aspecto diverso do comum aos outros continentes; os tucanos (Rhamphastus) de variada cor e grande bico, mais apropriados ao saque dos ninhos dos japus (Cassicus), sociáveis pássaros belamente ornados e grandes animadores das florestas brasileiras; o pavãozinho (Eurypyga helias), aberrante grou de estatura mínima; os patriarcais jacamins (Psophia), tão boa caça quão esplêndido ornato de uma coleção zoológica; as curiosas ajájas (Ajaja ajaja), de róseo manto e espatulado bico; os guarás (Ibis rubra) e o arapapá, miniatura do grave africano Baleniceps rex; patos diversos, de 18 gêneros, que constituem excelente peça para o caçador e delicado ornato para os parques; os notáveis chaúnas, aves unicornes, de arminho no pescoço e esporão na asa; e até os abutres, de que é exemplo Sarcorhamphus papa – todas essas aves oferecem notável colorido e formas especiais.

Mas, do que em globo vamos citando, que extraordinários matizes, que modos especiais de ser nos oferecem os múltiplos beija-flores, aladas pedras preciosas, cujo brilho desafia tudo que haja de mais soberbo na natureza? Os surucuás, vestidos das mais lindas sedas; as cutingas, do mais belo azul, e o rutilante galo-da-rocha, delicada prenda da fauna brasileira; as tangaras diversas, os diversos papa-moscas, tudo isso encanta e aturde o zoólogo e o artista, deixando-os inebriados ante tamanha variedade e tanta beleza de formas.

E relativamente, nessa lista enorme de um milhar e meio de espécies, muito pouco se conhece da sua oecologia. A sua reprodução varia, parecendo, entretanto, que se pode marcar de dezembro a agosto a época da procriação.

As perdizes propriamente ditas, no Brasil (Odontophorus), são espécies que habitam as florestas e não se prestam às divertidas caçadas com o cão; ao contrário, a tais caçadas se prestam dois gêneros de crypturideos campestres que, por sua vez, substituíram e receberam os nomes impróprios de perdiz (Rhynchotus rufescen) e codorniz ou codorna (Nothura). Tais esportes são muito apreciados em todas as zonas centrais e campestres de Minas Gerais, Bahia, Mato Grosso, S. Paulo e Rio Grande do Sul.

Outro Crypturus muito apreciado é o macuco (Tinamus táo, T. solitarius), espécie que abunda nas matas virgens do interior e do litoral. O macuco é ave muito arisca, que só pode ser apanhada por meio de armadilhas ou pela imitação do seu pio; este último é o preferível: ela se aproxima e é então morta, a tiro.

Diversos granívoros são procurados pelo canto: neste caso, estão os espeunophilos, os oryzoboros, os spinus. Estes substituem os Chardonnerets dos franceses. Outros representam os tordos europeus e excedem-nos na maviosidade do canto, tal o sabiá, celebrado pelos poetas brasileiros.

Extraordinárias pela força da voz são as arapongas (Chasmarlynchus) e as tobacas (Chamaesva marginata). As primeiras imitam o som duma lima mordendo o ferro e podem ser ouvidas a léguas de distância; as tobacas executam uma escala cromática, sem interrupção, indo das mais graves às mais agudas notas, no percurso de três oitavas.

Não menos curiosos são os pássaros pêndulos (Prionites) de bela plumagem verde-ruiva e de cauda longa, com uma falha das barbas junto à ponta das penas dessa região. Essa ave tem o original costume de pousar, imóvel, nos ramos, oscilando a cauda da direita para a esquerda, como se fosse uma pêndula. Muitas outras curiosidades oferece a avifauna brasileira; é entretanto óbvio que, atendendo ao número de suas espécies, se torne aqui impossível tratar de todas por extenso.


Rachidelus Brazili ou Mussurama
Imagem publicada com o texto, página 36

SáuriosSegundo o último Catálogo de Boulenger, deve a fauna brasileira ter 112 sáurios, entre os quais se tornam notáveis, pelo porte e pelo perigo que oferecem ao homem, os jacarés. Desses, as espécies principais são conhecidas pelos nomes zoológicos de Alligator nigra e A. latirostris.

O primeiro, vulgarmente chamado jacaré-una, habita as águas do Amazonas e é realmente perigoso, pois, atingindo dimensões de 4 a 5 metros, não teme o homem, até o ataca. Esses sáurios são encontrados aos milhares no estio, reunidos em charcos ou lagoas, onde passam o sono estival. É então fácil abatê-los a machado. A pele do jacaré é aproveitável pela indústria, e os objetos com ela confeccionados alcançam muito bons preços nos mercados.

À exceção de quatro ou cinco outros lagartos, de medíocres dimensões, todos os demais são pequenos e bons auxiliares da agricultura, pela destruição que produzem nos insetos. Os quelônios são também fartamente representados, quer no mar quer nos rios e em terra. Dos de rio, é muito notável o Podocnemys expansa que fornece carne de consumo no Amazonas.

Serpentes – As serpentes constituem um grupo um tanto vasto em espécies distribuídas por todo o Brasil. Contudo, não se pense que sejam todas elas perigosas, ou mesmo que entrem nas estatísticas com as cifras elevadas conhecidas a respeito da Índia, pois, além de ser relativamente pequeno o número de espécies brasileiras venenosas, dessas a maior parte são indolentes e só atacam o viajante incauto que se aproxime bastante para se deixar morder.

As cobras venenosas brasileiras pertencem ao grupo das víboras e najas do Velho Mundo. A maior e mais rara é sem dúvida o surucucu (Lachesis mutus), belamente colorido de amarelo laranja e tendo no dorso uma série longitudinal de grandes losangos negros. Muitas são as fábulas sobre esta serpente, cuja dimensão máxima vai a 2,2 m.

Quase sempre confundido com o surucuru é outro Lachesis grande, vulgarmente chamado jaracuçu (L. lanceolatus); atinge também as dimensões do primeiro e é a mais comum das cobras venenosas. É ovovivipara, tendo até 10 ou 12 filhotes de cada vez. Como é sabido, esta cobra é a responsável pelo maior número de casos de mordedura que se observam no Brasil. Além desta, é notável pela regularidade de ornatos o urutu (Lachesis alternatus), mais comum no estado de S. Paulo.

Representante dos grandes crotalídeos que se encontram na América do Norte, é Crotalus terrificus, a cascavel. Ao contrário dos Lachesis, a cascavel é provida dum aparelho crepitante na extremidade da cauda, o qual ela agita quando zangada, avisando assim, pelo som produzido, os que estão próximos dos seus perigosos dentes. Por tal circunstância, a cascavel é talvez das cobras venenosas a que produz menos vítimas. Habita os campos centrais, procurando para morada as casas dos térmites ou cupins, donde sai à tarde, à caça dos ratos de que faz seu sustento.

As demais cobras venenosas pertencem ao grupo das najídeas, tão comum na Índia. São chamadas cobras corais devido á cor (coralina anelada de negro) do seu corpo. As corais, embora venenosas, dificilmente mordem. Só quando se venha a por as mãos em cima delas, se defendem; no mais, fogem sempre à aproximação do homem.

Ao grande grupo das cobras não venenosas pertence Rachidelus Brasili, a muçurana. Esta cobra ataca e devora os outros ofídios e especialmente os venenosos, sendo, portanto, um aliado natural do homem.

Ao contrário, nociva e perigosa é a sucuri (Eunectes murinus), de vida aquática e a gigante dos ofídios do Brasil. Eunectes murinus vive nos banhados e nos lagos do interior dos estados do Amazonas, Mato Grosso e Goiás; atinge 10 metros de comprimento e dispõe da força muscular de 6 homens robustos.

A sucuri raramente ataca o homem; é, porém, uma grande consumidora de gado, devorando os novilhos, carneiros, cães e outros animais que se deixem enlaçar. Menos perigosa, a jibóia (Boa constrictor) é contudo, também, uma destruidora de animais pequenos, inclusive os cães. A jibóia é muito menor do que a sucuri e raramente chega a 4 metros de comprimento.

Batráquios - No grupo dos batráquios, no Brasil, encontra o homem bons auxiliares para a agricultura, pela destruição que fazem dos insetos. São de duas formas; ou têm o corpo cilíndrico como as serpentes, ou possuem dois pares de membros ambulatórios e desprovidos de cauda; representam os tipos mais grotescos da natureza animada.

As salamandras, lacertiformes, tão características das faunas européia e norte-americana, faltam aqui em absoluto. Também não há formas gigantes; apenas os saltadores têm uma ou duas espécies de maiores dimensões: Ceratophriys dorsata e Bufo marinus. A primeira é conhecida pelo nome de intanha e o segundo pelo de sapo.

Os batráquios serpentiformes são conhecidos por "cobras de duas cabeças" (Syphonops annulatus) e vivem enterrados no solo, onde perfuram galerias com seu corpo cilíndrico e vivem dos vermes terrestres (Perichacta). Há uma espécie que é aquática e tem cauda comprimida (Caecilia compressicauda). Muitos sapos (Bufos) e rãs (Cystignathus) são notáveis pela voz que emitem, produzindo sons que podem ser ouvidos a grandes distâncias. Também entre as rãs de vida arbórea (Hyla), muitas há providas de sacos timpânicos muito desenvolvidos e capazes de fazer-se ouvir muito longe.

Do grupo dos sapos e rãs, são notáveis, além da intanha, que tem sobre cada olho um prolongamento dérmico com a aparência dum chifre, as pipas-cururus (Pipa surinamensis), que criam os filhotes em sacos dérmicos da pele do dorso. Muito curiosa é a disposição análoga de Hyla rosacea, cujos ovos são dispostos em orseta também no dorso da fêmea.

Peixes - Quase tão numerosos como as aves são os peixes. Podem ser divididos em peixes de água doce e marinhos, embora esta divisão seja uma das mais empíricas.

Os peixes de água doce ocupam as bacias do Amazonas, do Paraná-Paraguai, do S. Francisco e de outros rios menores intermediários. Oferecem muitas relações com as faunas africana e australiana ou asiática, diferenciando-se, ao contrário, por completo, da fauna norte-americana.

O maior de todos e o mais importante do ponto de vista comercial é o pirarucu (Arapaima gigas), que chega a atingir 100 quilos de peso. Habitante exclusivo das águas do Amazonas, é o pirarucu objeto de grandes pescas que se fazem a arpão. A sua carne é excelente e muito apreciada.

Outro não menos interessante é o poraquê (Electrophorus electricus), espécie de enguia de volumoso porte, provida de aparelhos elétricos de grande força em toda a região abdominal. com essa poderosa arma, o poraquê faz desfalecer qualquer animal de vulto que passe ao alcance de suas descargas; é de se imaginar o perigo de uma travessia a nado, em lugar que habitem esses portadores do raio; o poraquê é o mais forte de todos os peixes elétricos.

Uma raia marítima que também sobe o curso dos rios e é conhecida pelo nome de treme-treme (Narcine braziliensis) possui igualmente um aparelho análogo - mas muito inferior em força ao da enguia do Amazonas.

Ainda notável é a traíra-m'boia (Lepidosiren paradoxa), peixe-batráquio, provido, além das brânquias, dum par de pulmões que lhe permite respirar no tempo da seca, quando as águas se evaporam dos paúes onde eles viviam encantonados. Então, o Lepidosiren cava no lodo uma cova, onde espera a seca em sono estival até que novas chuvas inundem os paúes e lhes permitam a vida própria de peixes. A traíra-m'boia habita as águas dos dois grandes rios Amazonas e Paraguai.

Fora dessas formas extraordinárias e singulares, pode-se dizer que três grupos principais constituem o estoque maior dos peixes fluviáteis brasileiros, a saber: os bagres, os characinus e os acarás. Entre os primeiros, atingem grandes dimensões os jaús (Paulicea lutkeni), os surubins (Hemiplatystoma), os pintados, as piraíbas (Brachyplastystoma), as pirararas (Phractocephalus).

Enquanto os primeiros são muito apreciados, os dois últimos gêneros não gozam de boa reputação. Os demais bagres jamais crescem tanto. Dentre estes bagres menores, muitos são parasitas e, ou se refugiam nas brânquias dos maiores (Segophilus), ou atacam e cortam pedaços da pele de outros peixes ou mesmo do homem (Cetopsis). Um destes candirus é mesmo acusado de penetrar na uretra das pessoas que se banham nos rios (Vandellia cirrhosa). Nas cavernas do Ipiranga há um bagre completamente cego (Typhlobagrus kronei), o qual está perfeitamente adaptado à vida na escuridão absoluta. Vale-se por isso do olfato e do tato.

Com freqüência os viajantes são surpreendidos por encontrar deslocando-se por terra, de um a outro lago, certos bagres cascudos chamados tamoatás e botoadas (Callichthys et Oxydornas). Esses peixes são providos dum aparelho intestinal que permite a respiração pelo tubo digestivo.

Do grupo dos Characinédios, o principal reapresentante é o dourado (Salminus), que percorre em bandos as águas do Paraguai e do Paraná. É um belo peixe dourado, com linhas longitudinais de máculas negras. Muito veloz e corajoso, atira-se contra os saltos dos rios e muitas vezes consegue transpô-los. Cresce até mais de metro.

Não menos importantes são os pacus e tambaquis (Myleus, Hoplosma), aquele do Paraguai e este do Amazonas, ambos largos e carnosos, muito procurados pelo sabor da carne. Esses peixes são mais herbívoros do que carnívoros e comem as folhas do aguapé (Eichornea azurea) e as flores da vitória-régia.

Respeitáveis pelo poder dos largos dentes, são as piranhas (Pygocentrus e Serrasalmo), terríveis tigres dos rios; devoram em poucos momentos qualquer animal ferido que cair n'água; desde que sintam o cheiro do sangue elas vêm em cardume e atacam, carregando aos pedaços as partes moles do corpo ao seu alcance. As piranhas habitam as águas do Paraguai, do Amazonas e do S. Francisco; são mais comuns nos lagos e águas mortas; não raro são pescadas com as carnes de outras piranhas.

Além desses characinos, são também notáveis os piaus (Leporinus), as pirapetingas (Brycon), as piabanhas (Megalobrycon) etc. Muito numerosos, porém de pequeno porte, são os lambaris (Tetrago-nopterus).

As acarás são mais notáveis pelo marchetado das suas escamas do que pelo tamanho; não obstante, a maior delas, o tucunaré (Chichla ocellaris e C. Temensis), excede de meio metro quando bem desenvolvida, e a sua carne avantaja-se em delicadeza à do salmão europeu. O tucunaré é um peixe do Amazonas. As demais acarás mal excedem um pé em comprimento; todas são, porém, apreciadas pelo sabor da carne. Muitas criam a prole incubando-a em refolhos especiais da caixa branquial; outras acompanham e ocultam na boca os filhotes quando destes se aproxime algum perigo; outras vezes, defendem a ninhada, afastando os importunos que os incomodam.

Dos peixes de água salgada, habitantes das mil e duzentas léguas do mar do Brasil, são mais importantes as garoupas (Serranidae) do que os meros (Promicrops guttatus). Os chernes (Cerna gigas), os badejos (Epinephelus) são os maiores. Depois destes peixes, entre os quais o mero atinge um peso de 200 quilos ou mais, avultam pelo número as tainhas (Mugil), as corvinas (Micropogon), as sardinhas (Clupeas) etc. Pela beleza, notam-se os frades (Pomacanthus), os papagaios (Scarus, Labrus) e muitos outros, cuja enumeração não cabe aqui. Os peixes marinhos brasileiros co-participam das faunas norte-americana e argentina; tenho nela encontrado formas do Mediterrâneo e do O. Pacífico.

Coleópteros - Dos invertebrados, são certamente os insetos que dão maior brilho e realce à fauna dum país. No Brasil, algumas espécies se destacam pela beleza de seu colorido e outras por suas formas e raridade, sendo pagas por elevado preço.

Entre os coleópteros, se distingue o arlequim (Harlequin beetle), Acrocinus longimanus, cerabicídeo ou longicórnio de longas pernas, principalmente as anteriores, tórax provido de cada lado de um tubérculo móvel terminado por um espinho e élitros truncados na extremidade e providos de dois espinhos. O colorido dos élitros é uma combinação interessante de manchas mais ou menos alongadas pretas, cinzentas e vermelhas que lembram a roupa de um arlequim. Daí lhe veio a designação vulgar. O Phoenicocerus dejeani é uma espécie muito rara e notável pelas antenas, em forma de leque; os élitros são amarelos, cor de palha, providos, na extremidade, de dois espinhos agudos; o tórax é castanho escuro; o inseto tem no comprimento uns três centímetros.

No seu gênero, o Macrodontia cervicornis - stag-horn beetle - é um tipo interessante de inseto que aparece só à noite; tem fortes e longas mandíbulas em forma de galhos de veado, do que lhe veio a designação cervicornis. O tórax é retangular e provido de longo e agudo espinho em cada um de seus ângulos e outros menores; os élitros são largos e achatados.

O colorido do inseto é sombrio pardo e pardo amarelado nos élitros (asas duras dos besouros), que apresentam manchas negras, as quais se estendem pelos élitros simetricamente, de um para outro, dando-lhes aspecto marmoreado. As larvas deste inseto são largas e achatadas, esbranquiçadas; o seu corpo estreita-se gradualmente de diante para trás; tem mandíbulas pequenas mas muito fortes, com que perfuram o tronco das árvores em que vivem e de que se alimentam. Estes insetos distinguem-se e destacam-se do conjunto numeroso de espécies de insetos do Brasil, pelas suas formas bizarras.

O Entimus imperialis, uma das jóias da floresta, é um gorgulho que, pelo seu colorido, mereceu dos ingleses a denominação vulgar de diamond beetle: tem uns três centímetros de comprimento e o corpo revestido de pelos finos; nos élitros, há séries longitudinais contíguas de depressões puntiformes dum verde claro dourado e brilhante, que dão ao inseto o aspecto de uma pedra preciosa facetada e brilhante.

Ainda é digno de nota o Dynastes hercules, pelo grande desenvolvimento do apêndice em forma de chifre que apresenta na parte anterior do tórax. Os machos das espécies do gênero Dynastes apresentam quase todos tais apêndices no tórax, mas nenhum como a espécie brasileira Dynastes hercules, notável pelo seu tamanho, força e formidável aspecto.

Esses insetos cavam buracos na terra, nos quais se escondem durante o dia, ou vivem em troncos podres. À noite, saem dos seus esconderijos e andam pelos picados da floresta, ou esvoaçam entre as árvores, produzindo um ruído surdo. A espécie brasileira é das mais interessantes; mede uns quatorze centímetros da extremidade do apêndice torácico à dos élitros; os élitros são lisos cinzento-azulados, e marcados geralmente com várias manchas pequenas, negras, de vários tamanhos; a cabeça, o tórax e as pernas são negros, na parte anterior e superior do tórax há um apêndice em forma de chifre, de grande comprimento, em relação ao corpo, agudo na ponta, curvo para baixo e provido, ao longo da face inferior, de pelos curtos pardos, na parte frontal da cabeça; há também um apêndice que tem de comprimento cerca de dois terços do torácico e é provido de dentes na face superior; não  apresenta, porém, os pelos curtos que o outro tem. A fêmea não tem nem o apêndice torácico nem o frontal.

Nas florestas ou na vizinhança destas, nas noites calmas, a monotonia da escuridão é quebrada por inúmeros pontos luminosos de uma luz viva, amarela esverdeada, que se deslocam aos pares em todos os sentidos, dando à paisagem um aspecto original e impressionante. São os pirilampos, Pysophorus noctilucus, que voam em todos os sentidos, com os seus dois fogos luminosos torácicos fosforescentes.

O vagalume ou pirilampo (Pyrophorus noctilucus) é um coleóptero elaterídeo de uns quatro centímetros de comprimento; o seu colorido geral é um pardo-azeitonado (olive-brown). Em cada lado do tórax, próximo dos ângulos posteriores, há uma área oval lisa, amarela e semi-transparente; estas manchas são, como as do abdômen dos lampirídeos, muito luminosas na escuridão.

Aproximando os fogos luminosos destes insetos da página de um livro, é fácil ler, a esta luz natural, o que está impresso, mesmo em caracteres pequenos; e colocando-se alguns destes insetos em uma pequena gaiola, é possível escrever à luz que eles emitem. Oviedo diz que os indígenas viajam à noite iluminando o caminho com estes insetos presos; dançam, pintam, fazem enfim qualquer trabalho à noite, servindo-se da luz fosforescente do Pyrophorus noctilucus.

O Buprestis gigas é um belo coleóptero de uns seis centímetros de comprimento; o colorido é vivo, brilhante, azul esverdeado e púrpura, com tom metálico. Vêem-se comumente estes insetos nos troncos e galhos das árvores, expostos ao sol, andando lentamente; e logo que sentem aproximar-se o perigo, encolhendo as pernas, deixam-se cair ao chão como mortos. Passam a noite escondidos nos buracos de velhos troncos de árvores e só aparecem durante o dia.

As larvas dos buprestídeos, família a que pertence o Buprestis gigas, são muito nocivas; causam grandes danos às árvores frutíferas e outras, perfurando e corroendo o tronco e galhos em todos os sentidos. A larva do Buprestis gigas é grande, amarela esbranquiçada, estreita e achatada, alargando-se bruscamente na parte anterior. Estes insetos têm mandíbulas fortes e providas de três dentes; não têm pernas; movem-se pela contração e dilatação alternante do corpo. Perfuram longas galerias sob a casca e no lenho dos troncos e galhos das árvores; passam neste estado longos meses; e transformam-se em ninfa, que é branca e apresenta todos os detalhes de forma do inseto perfeito.

Os insetos da fauna brasileira são inúmeros e quase sempre de cores vistosas e brilhantes; muitos curculionídeos, cocinelídeos, elaterídeos e outros têm o colorido verde, azul, purpúreo e vermelho com tom e brilho metálicos; alguns cocinelídeos são mesmo empregados no fabrico de adereços para senhoras, devido a seu belo colorido, pulseiras, brincos etc.

Homópteros - Um dos característicos do verão tropical e principalmente do Brasil é o ruído estridente e forte das cigarras Zammara tympanum e Fidicina mannifera, em que o poeta brasileiro Olavo Bilac viu um hino ao sol. Quanto mais forte e brilhante é este, tanto mais intenso é o ruído das cigarras nas florestas, pomares e jardins.

As cigarras põem os ovos na base dos troncos das árvores perto do solo; as larvas que saem dos ovos introduzem-se logo na terra, onde passam uns dois anos, antes de se transformarem em pupa; são muito ágeis, não penetram muito profundamente, preferem viver na profundidade em que as raízes são mais abundantes. Quando se aproxima a época de sua metamorfose, vão gradualmente subindo para a superfície, cavando galerias que a esta as conduz e aguardam à entrada o bom tempo.

Quando, finalmente, o tempo se mostra favorável, saem da terra, durante a noite, e sobem pelo tronco das árvores, ou por outro qualquer objeto em que possam firmar bem as unhas; depois de algum tempo se transformam em pupa de epiderme dura que se fende ao longo do dorso, dando saída à cigarra, ficando a pele endurecida da pupa vazia aderente à árvore.

Constatou-se nos Estados Unidos da América do Norte, somente do chão embaixo e em torno de uma macieira, durante várias noites sucessivas, o fato de mais de 1.500 larvas da cigarra Cicada septendecim subirem para o tronco. O número de cigarras não é maior porque elas são dizimadas pelas formigas, enquanto estão na terra em estado larval e de pequenas dimensões.

O inseto conhecido no Brasil por jitiranabóia ou jiquitiranabóia, Laternaria phosphorea, tem dado origem a dois preconceitos, um dos quais tem ainda curso, sobretudo entre a gente menos instruída. O inseto tem cerca de dez centímetros de comprimento da extremidade do apêndice cefálico à do abdômen e uns quinze centímetros de uma extremidade à outra das asas abertas. É caracterizado pelo apêndice que tem na parte anterior da cabeça e que Madame Merian supôs possuir propriedades luminosas, capaz portanto de emitir luz fosforescente.

A cor fundamental do inseto é o amarelo esverdeado, marmoreado por numerosas manchas brancas e pardas; as asas são grandes e as posteriores têm uma grande mancha na extremidade, em forma de olho. Madame Merian, em sua obra sobre os insetos do Suriname, diz que os índios lhe levaram algumas jiquitiranabóias, que ela não sabia que emitiam luz à noite e guardou-as em uma caixa de madeira. À noite, os insetos fizeram tal barulho que a acordaram; ela, então, pediu luz, para ver o que havia. Logo que verificou de onde provinha o barulho, abriu a caixa e ficou espantada ao ver que dela saía luz. Repôs então na caixa os insetos que tinham saído, muito admirada do magnífico aspecto que tinham.

Tanto a espécie americana, Laternaria phosphorea, como a chinesa, L. Candelaria, devem suas designações específicas, phosphorea e candelaria, à crença infundada de que emitem luz. Parece que Olivier foi o primeiro entomologista que pôs em dúvida a luminosidade destes insetos por informações de Riachard que observou a jiquitiranabóia em Caiena e não a viu produzir luz.

Hoffmansegg, o príncipe von Neuvied e Lacordaire, os dois últimos naturalistas tendo estado longo tempo na América do Sul, também verificaram que este inseto não emite luz; nenhum dos exemplares que tiveram em cativeiro, em observação, apresentara o mínimo traço de luminosidade.

No Brasil é crença do povo que a Laternaria phosphorea é venenosa, tem um veneno violento que o inseto inocula picando ou simplesmente tocando com o apêndice cefálico. É uma abusão sem fundamento; este inseto é perfeitamente inofensivo como a cigarra comum; possui apenas um rostro com que suga a seiva das plantas e impróprio para picar como arma de ataque ou defesa e não tem absolutamente veneno algum; em suma, é um inseto de que nada se tem a temer.

Ortópteros - Dos gafanhotos, acridídeos do Brasil, uma das espécies mais belas é o Tropidacris dux, grande espécie de uns quatorze centímetros de comprimento que tem o tórax pardo, com pintas brancas que correspondem a granulações salientes, asas superiores pardas com manchas mais escuras, e as inferiores rubras com manchas pardas e os tarsos vermelhos.

Himenópteros - A grande formiga Atta sixdens, conhecida no país por saúva, é um grande flagelo da lavoura; não é raro verem-se estes insetos descendo das árvores de que cortaram as folhas, carregados dos pedaços destas, muitas vezes maiores do que o inseto que os carrega, presos nas mandíbulas e habilmente equilibrados, de modo a não lhes atrapalhar a marcha, para o formigueiro onde armazenam o alimento.

Lepidópteros - As borboletas e mariposas do Brasil são notáveis por seu colorido e algumas por sua raridade. Morpho menelaus, de um belo azul celeste brilhante, é o encanto da mata que percorre no seu vôo lento e cadenciado; o Morpho laertes, azul mito claro, é mais ágil e rápido no vôo do que seu congênere, Papilio thoas, negro e amarelo vivo, ou Papilio protesilaus de formas esbeltas, embora cingidas ao tipo Papilio branco com listras pretas.

As lagartas dos papilionídeos são cinzentas esverdeadas; algumas imitam a cor da casca das árvores em que vivem; quando se lhes toca, projetam da parte anterior da cabeça dois tentáculos vermelhos ou cor de laranja, que exalam um cheiro forte e desagradável.

As crisálidas imitam mais completamente a cor da casca do que as lagartas; verdadeiro fato de mimetismo, simulam galhinhos partidos, fixam-se ao tronco pela extremidade posterior, mantêm-se obliquamente a este por um fio que, preso pelos extremos da árvore, passa por baixo da crisálida, sustentando-a nesta posição.

A Peridromia feronia produz, voando na floresta, um estalido característico e seu colorido é uma mistura de manchas brancas e cinzentas combinadas, de tal modo que a borboleta pousada na casaca, com as asas abertas, parece um líquen, confundindo-se com a casca.

Uma linda borboleta que foi rara e alcançou alto preço entre os colecionadores, a Dynastor napoleon, é grande, tem o fundo das asas anteriores preto, com uma mancha longa no ângulo supero-lateral e dois pequenos pontos testáceos e uma larga faixa amarelo-clara a meio; as asas posteriores têm a metade externa testácea e a interna, pardo-escura quase preta.

O Attacus hesperus, mariposa da seda do Brasil, tem uns 17 centímetros de ponta a ponta das asas abertas. Estas têm junto ao corpo uma mancha triangular ou retangular castanha; segue-se-lhes uma área castanha mais escura, com uma porção central triangular transparente; as asas posteriores têm, depois desta mancha, uma faixa rósea avermelhada com uma lista parda; a borda externa, depois da faixa, é castanha mais escura na parte central; junto ao bordo externo, há uma série de manchas escuras elípticas; nas asas anteriores há, no bordo superior, junto ao ângulo externo, uma mancha semi-elíptica rósea avermelhada; junto a esta, há duas manchas elípticas castanhas.

Não têm a série de manchas desta natureza que existem nas asas inferiores; o corpo é castanho, com uma ou duas faixas brancas que, passando pela cabeça por trás das antenas, se estendem pelos flancos do abdômen. A face inferior das asas é mais ou menos igual à superior, faltando nas asas anteriores a mancha triangular junto ao corpo. O macho pode atingir 15 centímetros de envergadura; o seu colorido geral é semelhante ao da fêmea, às vezes mais escuro.

As lagartas do Attacus hesperus alimentam-se principalmente de folhas de Ricinus communis, quer na planta, quer das folhas colhidas; comem também folhas de Spondias lutea. As fêmeas põem uns 300.000 ovos e as lagartas são verdes, com cinco tubérculos de um vermelho laranja, colocados transversalmente em cada segmento; o verde claro, que predomina, varia de matiz nas diversas partes do corpo. Alcançam uns 13 centímetros quando chegam ao termo de estado larval; tecem um casulo em que encrisalidam, suspensos por um longo pedúnculo à planta em que vivem.

Os casulos têm uns 8 a 9 centímetros de comprimento sem o pedúnculo, 2 de diâmetro máximo; são fusiformes; e o pedúnculo pode ter 19 centímetros de comprimento. São necessários 300 casulos, mais ou menos, para perfazer um quilo. Os casulos são cor de palha, aloirados, mais ou menos escuros, e o fio é mais grosso do que o do Bombyx mori, bicho da seda comum (originário da China e hoje cosmopolita). O tecido feito com o fio do casulo do Attacus hesperus não é tão fino como o da seda comum; é fosco, sem brilho, mas muito resistente e leve.

Capiopteryx semiramis foi um lepidóptero muito raro e pago pelos colecionadores por alto preço. Os machos têm as asas anteriores angulosas, dum pardo fulvo, marmoreados de pardo escuro e róseo cinzento azulado para o apex e na nervura interna; apresentam uma mancha vítrea. De um ângulo antero-lateral ao outro, medem 12 centímetros. As asas posteriores têm um prolongamento de uns 16 centímetros de comprimento. As fêmeas são mais vistosas e mais raras do que os machos; têm as asas também pardo fulvas, menos no bordo anterior, zona mediana fulva mais clara em sua parte superior: manchas hialinas duplas, subtriangulares, a inferior maior. As asas posteriores fulvas desde a base até a nervura externa; a mancha vítrea é tridentada na sua parte externa, retilínea na face interna, margem fortemente denteada. O prolongamento destas asas é mais curto e mais largo do que o dos machos; são enrugados pontudos e fulvo claros na extremidade.

Deste gênero, há mais duas espécies Copiopteryx Jeovah e Copiopteryx dicerto, que são muito mais raras e alcançam muito mais alto preço entre os colecionadores.

Dípteros - Outros insetos do Brasil são interessantes pelo papel que representam na propagação de algumas enfermidades, como os mosquitos Stegomyia fasciata, que transmitem a febre amarela, Cellia argyrotarsis e C. Albimana o impaludismo.

Crustáceos - Os crustáceos do Brasil são curiosos, quer pelos seus hábitos, quer pelo seu colorido.

Cardisoma guanhumi, espécie de hábitos terrestres, que só procura o mar para desovar, cava fundos buracos em que vive, em pontos afastados das praias.

Neides cordatus também vive em buracos que cava no lodo da zona dos mangues, mas não muito longe da praia, de modo que o buraco tem sempre água no fundo.

Goniopsis cruentatus, de um vermelho vivo com pintas amarelas e pardas, vive nas praias lodosas, entre as raízes dos mangues, refugiando-se nos buracos cavados por outras espécies.

As grandes lagostas, Panulirus argus e loevicanda, e o lagostim Scyllarus aequinoxialis dão à fauna de crustáceos do Brasil um colorido vivo e muito interessante.

Moluscos - Os moluscos de água doce, principalmente as grandes espécies do Amazonas, dos gêneros Unio e Amdonta, destacam-se, entre as espécies brasileiras. Nas praias, encontram-se mais comumente espécies dos gêneros Dolium Purpura, Neritina, Tellina, Donax, Cardium, Venus.

Equinodermes - O ursino mais comum da costa do Brasil é o Toxopneustes variegatus, cujo colorido geral é verde; e das estrelas do mar, a bela e grande espécie Oreaster gigas e a Astrospecten brasiliensis, que sobressai por seu colorido rubro, são as mais interessantes.


Canis Jubatus
Imagem publicada com o texto, página 37


Notas:

[1] Os naturalistas separam as focas dos carnívoros, numa ordem especial, Pirmipedia; pensamos que se trate duma diferenciação secundária e atribuímos a esse grupo apenas o valor de sub-ordem.

[*] Mamíferos, aves, serpentes, quelônios e peixes, por Alipio de Miranda Ribeiro; insetos, crustáceos, moluscos e equinodermos, por Carlos Moreira.

Leva para a página seguinte