HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS
Um século para cobrar impostos do porto
Legislação especialíssima sobrepujava a própria Constituição de 1824
A manchete, na primeira página do jornal santista A Tribuna,
em 30 de outubro de 1980, tinha um significado muito especial para os santistas: "Decidida a tributação do porto".
Começava uma nova etapa numa luta centenária da cidade para obter uma compensação
financeira do porto, em contrapartida aos prejuízos e às despesas causados pela atividade portuária ao município: danos dos veículos pesados às vias
públicas, trânsito com produtos perigosos e os vazamentos decorrentes, problemas sanitários advindos do cais (ratos e poluição aquática, por exemplo),
ruídos, congestionamentos nas vias públicas etc.
Todo o município se movimentava para evitar que a isenção dada à concessionária Companhia
Docas de Santos (CDS) fosse transferida à sua sucessora, Codesp, que assumiria o controle do porto alguns dias depois. Esta, a
notícia de 30/10/1980:
Manchete do jornal A Tribuna em 30/10/1980
Decidida a tributação do porto
A Cia. Docas do Estado de São Paulo - Codesp - foi enquadrada como contribuinte dos
impostos Sobre Serviços, Predial e Territorial, e da taxa de coleta de lixo, por decisão do ministro dos Transportes, Eliseu Resende, após reunião,
ontem à tarde, com o prefeito Paulo Gomes Barbosa, em Brasília, e da qual também participaram o deputado Athié Jorge Coury e o secretário de
Assuntos Jurídicos, Luiz Antônio de Oliveira Ribeiro.
Prevaleceu, nessa decisão, o parecer favorável ao Município de Santos, exarado por
Raimundo Mesquita, assessor jurídico do Ministério dos Transportes e, aceitando as ponderações de Barbosa, o ministro Eliseu Resende inclusive
dispensou um outro parecer, que seria elaborado pela Consultoria-geral da República.
Embora reconhecendo que a luta pela tributação é antiga e diz respeito a toda a
comunidade, o prefeito Paulo Gomes Barbosa ressaltou que ela se tornou vitoriosa em seu Governo, após sondagens e gestões que envolveram inclusive o
presidente da República, general João Figueiredo, além dos ministros Abi-Ackel e Golbery do Couto e Silva. Assim, o prefeito alega que não aceitará
qualquer tentativa de esvaziamento ou divisão da conquista por parte de pessoas ou grupos partidários, e que está preparado para receber tais
investidas. Com a tributação, o Município terá receita anual de Cr$ 150 milhões.
Athié Jorge Coury, ministro Eliseu Resende, Paulo Barbosa e Luiz Antonio
na reunião de ontem em Brasília
Telefoto Agência Jornal do Brasil (AJB), publicada com a matéria
Santos pode cobrar impostos da Codesp
(diz o prefeito Paulo Gomes Barbosa)
Eufórico, o prefeito Paulo Gomes Barbosa ligou de
Brasília para o seu gabinete, pouco depois das 17 horas de ontem, comunicando: "Nós conseguimos a tributação do porto". Após décadas de intensas
campanhas pela tributação dos serviços portuários, e particularmente das lutas desenvolvidas pela comunidade nos últimos anos, o Município tributará
a Cia. Docas do Estado de São Paulo - Codesp -, que no dia 8 próximo assumirá a concessão do porto.
A euforia do prefeito, entretanto, tinha razões suplementares. Ele conseguiu não
apenas tributar a Codesp com o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISS - sobre as capatazias, como também enquadrar a nova concessionária
do porto como contribuinte dos impostos Predial e Territorial Urbano e das taxas, a exemplo das relativas à coleta de lixo e conservação e limpeza
de logradouros.
Segundo estimativa do secretário de Finanças, Adílson Bulo, isso representará, em
conjunto, arrecadação de mais Cr$ 150 milhões por ano, um dinheiro que nem figura no orçamento de Santos para 1981. Na Câmara, ao final da tarde, só
estava o vereador Oswaldo Carvalho de Rosis, do PTB, que se pronunciou assim: "A luta é da Cidade; muitos já tentaram, mas indiscutivelmente o
mérito da conquista é do prefeito Paulo Gomes Barbosa. Ele lutou com todas as suas forças e mereceu essa vitória". Até a conquista final, o clima,
na Câmara, era de ceticismo.
Renato Levy, presidente da Associação Comercial, disse ontem à noite, após saber dos
fatos: "Boa notícia! Estou muito satisfeito de ver atendida uma antiga aspiração da Cidade".
Cobrança imediata - Barbosa foi ao gabinete do ministro Eliseu Resende - como
nas vezes anteriores - acompanhado pelo secretário de Assuntos Jurídicos da Prefeitura, Luiz Antônio de Oliveira Ribeiro, e pelo deputado federal
Athié Jorge Coury, que lhe facilitou inclusive os contados anteriores com o presidente João Figueiredo e as sondagens junto aos ministros Abi-Ackel,
da Justiça, e Golbery do Couto e Silva, chefe do Gabinete Civil da Presidência.
O prefeito deixou enfaticamente claro que "a cobrança poderá ser feita assim que a
Codesp assumir o porto, no próximo dia 8". Isso, de acordo com o prefeito, significa que a decisão, adotada ontem no gabinete do ministro dos
Transportes, é definitiva. Barbosa salientou, particularmente, a circunstância de que, a seu pedido, Eliseu Resende acabou dispensando um outro
parecer, que já estava encomendado a Clóvis Ramalhete, da Consultoria Geral da República. Assim, ainda de acordo com o prefeito, prevaleceu o
parecer, favorável à reivindicação de Santos, assinado pelo assessor jurídico do Ministro dos Transportes, Raimundo Mesquita. Por outro lado, a
trajetória percorrida por Barbosa, nessa questão, incluiu preparativos e uma busca de apoio até mesmo junto ao secretário particular do presidente
Figueiredo, Heitor de Aquino, sabidamente um dos homens fortes em Brasília.
O ISS sobre as capatazias terá o coeficiente em torno de 5 por cento, e Barbosa também
disse que anda nesta semana anunciará mais detalhes em reunião conjunta, da qual participarão o deputado federal Athié Jorge Coury e o secretário
dos Negócios Metropolitanos do Estado, Sílvio Fernandes Lopes, representando o Governo do Estado. Barbosa incluiu, entre as autoridades que o
ajudaram, o governador do Estado, Paulo Maluf, que também colaborou gestionando a favor do Município.
Nota oficial - O prefeito ditou, por telefone, uma nota oficial à sua
Assessoria de Imprensa, na qual procurou inserir o clima das conversações. Diz a nota: "Após demorado e acalorado debate, em que o prefeito repisou
e exauriu a tese de que o parecer do procurador geral Raimundo Mesquita dispõe de igual normatividade, no caso, daquele que fosse proferido pela
Consultoria Geral da República, de vez que a matéria não excede, sob nenhum aspecto, os limites do âmbito ministerial, já que todas as empresas
administradoras de portos estão sujeitas ao Ministério dos Transportes, finalmente, após avanços e recuos, foi acolhida a tese do prefeito,
dispensando o ministro o envio do parecer a qualquer outra autoridade da República".
Segundo a nota, uma vez que Eliseu Resende tomou uma decisão homologando o parecer do
seu próprio ministério, acolhendo a tese da Prefeitura de Santos, "tornou-se incontestável, de uma vez por todas, o direito de o Município cobrar o
ISS sobre as capatazias, serviços acessórios, mais o Predial, o Territorial e as taxas, chegando assim ao seu epílogo essa luta ingente que por
muito pouco não completa um século".
Outras conseqüências - Durante recente visita a Santos, o ministro dos
Transportes deixou claro que na eventualidade de ser proferido um parecer - a favor ou contrário - o documento teria um significado normativo e
extensivo aos demais portos nacionais. Assim, o fato de Santos ter conquistado o direito de tributação portuária poderá representar, igualmente, uma
vantagem para outros municípios que sediam portos, como é o caso de São Sebastião.
Essa mesma tese foi, na época da visita de Eliseu Resende a Santos, confirmada pelo
presidente da Portobrás, Arno Oscar Markus, e as declarações foram feitas na presença do presidente da Codesp, Sérgio da Costa Matte.
Outra conseqüência da tributação é essencialmente política. Barbosa, embora
reconhecendo que a luta é comunitária e antiga, disse que a conquista está inserida no atual governo do Município, e que está inclusive preparado
para rebater qualquer tentativa de outras pessoas ou partidos assumirem o mérito. Assim, o PDS, do Governo, já incluiria, na sua plataforma com
vistas às eleições de 1982, as seguintes conquistas: compra do terreno do IBC, à entrada da Cidade, para edificação da central de Abastecimentos,
alargamento da Avenida Martins Fontes com obtenção de terreno da Rede Ferroviária Federal, a tributação da Codesp e, ainda em fase de gestões, a
retirada dos trilhos da Fepasa, que atravessam a Cidade. Ele inclusive permaneceu em Brasília, tratando com Eliseu Resende dessa questão, e nesta
semana seguirá ao Rio de Janeiro.
"Os que não acreditavam que viemos dispostos a construir, a bem administrar a nossa
cidade e a defender os mais altos interesses da nossa comunidade, já podem ir acreditando, porque o nosso governo é para valer, disso não tenham
dúvidas. Não viemos para blefar e nem para fazer demagogia, só estamos no começo, ainda existem muitos problemas para serem resolvidos", concluiu o
prefeito.
Eliseu Resende (e) dispensou o parecer da Consultoria da República
Telefoto Agência Jornal do Brasil (AJB), publicada com a matéria
Os prefeitos e a luta para taxar o porto
Foram duas as alternativas que o prefeito Paulo Gomes Barbosa utilizou para evitar que
a Codesp viesse a desfrutar dos mesmos privilégios que a sua antecessora, a Companhia Docas de Santos, tem, desde que administra o porto, há quase
100 anos. Assim, além de reivindicar a tributação, Barbosa também requereu a inclusão da Prefeitura de Santos entre os acionistas da futura
concessionária.
Contudo, ele nunca escondeu que sua principal aspiração era a mesma de alguns
prefeitos que o antecederam, ou seja, a taxação. A partir do instante em que começaram a surgir obstáculos para a participação acionária, o prefeito
não hesitou em colocar de lado, pelo menos temporariamente, essa pretensão, para dedicar-se exclusivamente ao pedido de tributação.
No início de agosto, acompanhado do deputado federal Athié Jorge Coury (PDS). que se
juntou a Barbosa na luta para que a antiga aspiração fosse concretizada, o chefe do Executivo entregou um ofício reivindicatório ao ministro Eliseu
Resende, no qual não teve receio de fazer duras críticas ao privilégio da CDS, que sempre se utilizou de toda a infra-estrutura do Município, sem
dar-lhe qualquer retribuição por intermédio dos impostos.
Após a entrega do documento, sucederam-se diversas viagens do prefeito à Capital
Federal, todas elas com a finalidade de verificar o andamento do processo. Quando tudo indicava que o requerimento teria que passar pela Consultoria
Geral da República, Barbosa se antecipou e procurou o consultor Clóvis Ramalhete para apresentar outros argumentos e convencê-lo a deferir a
solicitação.
Foi tentado, e conseguido, um contato com o presidente da República, João Figueiredo,
o qual, segundo o prefeito, demonstrou sua simpatia à idéia da tributação.
No transcorrer das conversações, o ministro Eliseu Resende esteve em Santos, e elogiou
a conduta de Barbosa, afirmando que, se estivesse no seu lugar, faria o mesmo. Eliseu prometeu ainda agilizar a tramitação do processo, para que ele
seja deferido antes que a Codesp passe a administrar o porto.
Há cerca de duas semanas o prefeito esteve novamente na Capital Federal, e voltou de
lá eufórico. Isso porque havia lido o parecer do consultor do Ministério dos Transportes, Raimundo Mesquita, favorável à cobrança do ISS e de outros
serviços portuários. Então, Barbosa iniciou entendimentos com autoridades federais, com o objetivo de convencer Resende a deferir o parecer de seu
consultor, sem necessidade de encaminhamento do processo à Presidência da República.
Indeferimento - Na administração de Antônio Manoel de Carvalho, foi o
presidente da República, na época Ernesto Geisel, quem indeferiu um parecer favorável à tributação da atual concessionária do porto. Em 1976,
Carvalho obteve um parecer do então ministro da Fazenda, Mário Henrique Simonsen, e chegou, inclusive, a incluir no orçamento do Município, para o
exercício seguinte, a importância de Cr$ 40 milhões, que seriam provenientes do ISS lançado contra a CDS.
Mas, antes mesmo que esse orçamento entrasse em vigor, o Diário Oficial da União
publicou um despacho do presidente Geisel, que surpreendeu Carvalho e a sua administração. No despacho, constava o indeferimento do pedido da
Prefeitura de Santos, embora reforçado com o parecer favorável de Simonsen. O presidente fundamentou o seu não no contrato de concessão dos
serviços portuários à CDS, documento que a isenta dos impostos municipais.
Até hoje os vereadores não perdoam Carvalho, pois ele convidou a Câmara para uma
foto histórica em seu gabinete, tão logo soube do parecer favorável do então ministro da Fazenda.
Além de Carvalho, outros prefeitos viram frustradas as suas tentativas de tributação:
em 1953, Antônio Ezequiel Feliciano da Silva foi impedido de taxar a CDS por um acórdão do Tribunal de Justiça do Estado; Sílvio Fernandes Lopes, em
dois governos intercalados, insistiu na tributação; no governo de José Gomes, um dos destaques foi a luta de seu secretário da Fazenda, Olavo de
Paula Borges, contra o privilégio da CDS; e o interventor federal, general Clóvis Bandeira Brasil, por duas vezes, em cinco anos de governo, viu
frustradas as suas iniciativas junto a Brasília.
Câmara - Apesar da decepção de 1976, a Câmara nunca deixou de acreditar na
taxação do porto. Na semana passada, ao relatar o parecer sobre a peça orçamentária da Prefeitura para 1981, o vereador Eduardo Castilho Salvador
(PMDB) fez questão de abordar o assunto, muito embora o orçamento não apresente qualquer estimativa de arrecadação. Talvez pelo fato de a concessão
da Docas estar no fim, em virtude dos contatos que Barbosa vinha mantendo com as autoridades do Ministério dos Transportes, Castilho acrescentou no
parecer uma previsão para o ISS dos serviços portuários, estimando a importância de Cr$ 191.229.116,67.
E a estimativa foi calculada a partir da previsão de Carvalho, em 1976. O vereador
apresentou os seguintes índices de aumento: 24,27 por cento em 1978; 46,89 por cento em 1979; 45,50 por cento em 1980; e 80 por cento para 1981.
Para Castilho, a Prefeitura não deve aguardar pareceres para tributar a nova
companhia, pois existe o decreto federal 24.508, de 29 de junho de 1934, assinado por Getúlio Vargas, definindo os serviços portuários (capatazias,
armazenagem interna e externa, suprimentos de aparelhamento portuário, serviços acessórios e transportes internos) que devem ser taxados. |
Poucos dias antes, o mesmo jornal santista A Tribuna antecipava a decisão e fazia
um retrospecto das tentativas de tributação dos serviços portuários, na edição de sábado, 25 de outubro de 1980:
O ministro explica algo ao prefeito. Seria a tributação?
Foto publicada em 9/10/1989 no jornal santista A Tribuna,
junto com matérias sobre a visita do ministro Eliseu Resende a Santos no dia anterior, para dar
posse aos primeiros dirigentes da Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp)
O intento de tributar o porto, através dos tempos
Na quarta-feira, às 14,30 horas, em Brasília, o ministro
dos Transportes, Eliseu Resende, dirá oficialmente, ao prefeito Paulo Gomes Barbosa, o que ele já sabe: o Governo reconhece a competência do
Município de Santos para tributar, em Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), as operações de capatazias, suprimentos de aparelhos
portuários e serviços acessórios da Codesp.
Barbosa acredita mesmo que o Ministério dos Transportes, com parecer favorável
próprio, de sua assessoria jurídica, dispensará o parecer da Consultoria Geral da República. Mas há duas outras hipóteses simultâneas: o consultor
geral, Clóvis Ramalhete, poderá homologar o parecer exarado no âmbito ministerial, confirmando-o, ou opinar contrariamente à tributação. O prefeito,
contudo, acha que essa última hipótese é muito remota.
Confirmada definitiva e oficialmente a hipótese mais otimista, estará também
concretizada a vitória de uma luta que já dura mais de 17 anos, e da qual vários prefeitos tornaram-se porta-estandartes, buscando por várias formas
a tributação dos serviços portuários e tentando provar ao Governo Federal que a isenção da Cia. Docas de Santos, embora considerada um ato jurídico
perfeito, era lesiva à comunidade.
Batalha contínua - Santos tentou praticamente por todos os meios -
administrativos, políticos ou por via judicial - anular a isenção da CDS, e os anais históricos do Município registram essa batalha contínua. Ela
foi conduzida pelos prefeitos Antônio Ezequiel Feliciano da Silva (que, em 1953, sofreu um revés, na tentativa de cobrar impostos, consubstanciado
por acórdão do Tribunal de Justiça do Estado), Sílvio Fernandes Lopes (que em dois governos intercalados pretendeu, sem conseguir, a caracterização
da concessionária do porto como contribuinte), José Gomes (quando o ponto alto foi a luta aberta de seu secretário da Fazenda, Olavo de Paula
Borges, contra o privilégio da CDS, em 1962) e também pelo interventor federal, general Clóvis Bandeira Brasil, que por duas vezes, em seu governo
de cinco anos, viu frustradas suas iniciativas junto a Brasília.
Depois, nos cinco anos de governo do prefeito Antônio Manoel de Carvalho, o Município
voltou à carga. Durante os nove meses de governo do empresário Carlos Caldeira Filho, o assunto hibernou. Mas já no segundo mês de sua
administração, o atual prefeito, Paulo Gomes Barbosa, retomava a batalha, instruindo seu secretário de Assuntos Jurídicos, Luís Antônio de Oliveira
Ribeiro, para que preparasse a munição.
Esforço máximo - Ribeiro acha que todos os prefeitos, bem como os vereadores e
outras autoridades, inegavelmente lutaram pelo interesse da comunidade, tentando a tributação do porto, e que o fato de nada terem conseguido não
anula o valor histórico dessas iniciativas. Mas, pessoalmente, o atual secretário de Assuntos Jurídicos acha que o esforço máximo foi desenvolvido
no tempo em que Olavo de Paula Borges, catedrático em Direito Constitucional, era o secretário da Fazenda do prefeito José Gomes: "Foi ele quem
chegou mais perto e também foi ele quem conseguiu movimentar intensamente a opinião pública".
Por coincidência, Ribeiro herdou a cátedra de Direito Constitucional da Faculdade
Católica de Direito de Santos, a mesma que pertenceu ao professor Olavo de Paula Borges, que em sua época buscou enquadrar a Cia. Docas como
contribuinte do Predial e das taxas, e, no arquivo histórico formado até aqui, o secretário de Assuntos Jurídicos guarda uma data inglória para
Santos: 13 de julho de 1962.
Nesse dia, era publicada a sentença proferida pelo juiz da 1ª Vara da Fazenda Nacional
(mais tarde substituída pela Vara da Justiça Federal), Hely Lopes Meirelles, dando ganho de causa ao mandado de segurança impetrado pela Cia. Docas
contra a Prefeitura de Santos, que simplesmente resolvera lançar avisos-recibos de impostos e taxas contra a concessionária para cobrá-los
executivamente.
Em resumo, a sentença foi a mesma de antes e depois desse evento: a concessionária era
isenta de tributos, nos termos do decreto nº 4.228, de 6 de novembro de 1901, ratificado pela Lei 813, de 23 de dezembro do mesmo ano, e pela Lei nº
1.415, de 31 de dezembro de 1903, "que estenderam a isenção a todas as concessionárias de serviços públicos do País".
Assim, embora as Constituições Federais, desde a de 1824, ainda no Império, e a de
1891, na República, garantissem autonomia tributária aos municípios - um direito mantido até hoje -, havia uma legislação especial - na verdade
especialíssima - conferindo à Cia. Docas a isenção não apenas de tributos municipais, como também de estaduais e federais. A sentença concluía
garantindo à concessionária, acima de qualquer dúvida jurídica, o não pagamento de impostos. A Prefeitura teve, inclusive, que pagar as custas desse
processo.
Novo decênio - Os governos do general Clóvis Bandeira Brasil e do prefeito
Antônio Manoel de Carvalho, de 1969 a 1979, foram caracterizados por mudanças que chegaram a alimentar um certo otimismo. Instalava-se aqui a
intervenção, portanto o exercício do poder delegado da Revolução de 1964, intimamente vinculado ao Governo Federal, e começava também a mudar a
sistemática tributária nacional. Desaparecia a antiga figura do Imposto de Indústrias e Profissões, surgia a do Imposto Sobre Serviços de Qualquer
Natureza (ISS).
O interventor federal chegou, na época, a anunciar com grande otimismo que se
pretendia, com grandes chances, a tributação da concessionária do porto. Como? Através do ISS. A Cia. Docas vinha sendo cercada por novas
interferências - o Departamento Nacional de Portos e Vias Navegáveis - DNPVN -, a Coordenadoria dos Serviços Portuários de Santos - Coseps -, e,
posteriormente, a Portobrás. Supunha-se que, esvaziada em grande parte a autonomia da concessionária, agora sob maior controle de Estado, poderia
vingar a tributação municipal.
Bandeira Brasil fracassou, de nada valeram ao Município as alegadas conexões em
Brasília. Antônio Manoel de Carvalho foi à mesma luta, com idêntico resultado. Chega a ser curioso o parecer da Procuradoria Geral da Fazenda
Nacional, datado de 30 de junho de 1976, que reconhecia textualmente o seguinte: "A competência do Município de Santos, para instituir e lançar o
tributo, está claramente estabelecida no artigo 24, II, da Carta Magna, e no artigo 8º do decreto-lei nº. 406/68. As limitações, como é curial, são
as impostas pela Constituição Federal e legislação complementar, particularmente as previstas no artigo 19, parágrafo 2º, da Emenda Constitucional
nº 1/69 e no decreto-lei nº 834/69".
Embora reconhecendo a competência, o parecer concluía pelo indeferimento da pretensão
do Município: "De ordem do presidente da República, e por solicitação da douta Consultoria Geral da República; esta Procuradoria Geral emitiu
parecer prévio, contrário ao pleito formulado".
O prefeito Paulo Gomes Barbosa entrou na mesma batalha com uma circunstância a seu
favor: o término da concessão da Cia. Docas e a fase de transição à Codesp, caracterizada pelo desaparecimento do chamado "ato jurídico perfeito"
que por décadas beneficiou a Cia. Docas. Mas o secretário Luís Antônio de Oliveira Ribeiro, ao remexer todo o longo e volumoso processo arquivado na
Prefeitura, diz: "Nós usamos de uma estratégia no sentido de não ficarmos esperando a constituição da Codesp. Não poderíamos tributar uma empresa
que, há meses, quando iniciamos as gestões e preparamos toda a documentação, ainda nem existia. Nós fomos à Portobrás, já sabendo que ela teria o
capital majoritário, da Codesp, e foi lá que iniciamos o nosso processo. Se nós conseguimos o que tantos tentaram, isso valoriza a nossa luta".
Uma advertência - Como a Oposição vê a questão tributária do porto? "O Antônio
Manoel de Carvalho também era delegado da Revolução e foi enganado. Ele chegou a anunciar festivamente, chamando os vereadores, que tinha conseguido
a tributação do porto, e no que é que deu?". Essa é a resposta de Esmeraldo Tarquínio, presidente da comissão executiva do PMDB de Santos, que
observa o desenrolar dos acontecimentos com cautela.
De fato, quando prefeito, Carvalho chegou até mesmo a incluir no orçamento municipal a
receita de Cr$ 40 milhões em ISS sobre o porto. Uma receita que nunca entrou nos cofres municipais. Barbosa lançou uma estimativa de Cr$ 120
milhões, mas não a incluiu no orçamento para 1981. Assim, se o dinheiro entrar, será uma receita extra-orçamentária, para a qual não existe, ainda,
a contrapartida da despesa.
Tarquínio acha que, em pelo menos duas oportunidades, a tributação do porto já poderia
ter sido concedida. "Em 1935, quando foi alterado o contrato da concessionária, e depois da Revolução de 1964, que teve todo o poder na mão para
fazer o que queria, mas não fez o que devia, porque o movimento de 1964 foi utilizado pelo poder econômico para manter os seus privilégios".
Além de lembrar que "o princípio da competência tributária dos municípios já existia
na Constituição imperial de 1824, foi mantido na primeira Constituição da República em 1891, e nas posteriores, mas prevaleceram os interesses",
Tarquínio lançou uma advertência: "Não devemos jamais esquecer que estão em pleno vigor a lei federal 4.860, de 26 de novembro de 1965, e o
decreto-lei 855, de 11 de setembro de 1869". A referida lei considera como área do porto as faixas contínua e descontínua das instalações
portuárias, tanto na parte terrestre quanto na marítima. "Isso é o mesmo que entregar a Cidade à concessionária do porto, seja a Cia. Docas de
Santos ou a Codesp", ressalta Tarquínio. Para ele, continua vigorando o perigo de que a concessionária invada a competência e a autoridade
municipal. "Na verdade, eles têm metade da sede do nosso Município nas mãos".
O decreto, ainda na opinião de Tarquínio, é uma ameaça que continuará pesando sobre as
cabeças dos trabalhadores portuários: "Os empregados de concessionárias de serviços públicos absorvidos por outras empresas, como é o caso da
Codesp, constituirão quadro especial, e os empregos nesse quadro, segundo consta do decreto, poderão ser extintos, à medida em que se vagarem os
cargos e funções". Assim, de acordo com o ponto de vista do líder da Oposição, enquanto vigorar o decreto, os trabalhadores do porto estarão
sujeitos a mudanças imprevistas, a critério dos que estiverem exercendo o poder de decisão na Codesp. |
Conseguida em Brasília a tributação, o retorno do prefeito nomeado Paulo
Gomes Barbosa a Santos foi triunfal (embora aviltado por "mesquinharias e infantilidades", conforme nota da Oposição, que condenou o aproveitamento
político dessa vitória pelo partido político do Governo, e se recusou a participar das festividades).
Também surgiam as primeiras dúvidas sobre a efetividade da cobrança e o momento em que ela
começaria de fato (na verdade, só bem mais tarde o dinheiro do porto começou a pingar nos cofres da Prefeitura), como registrou A Tribuna, na
edição de sábado, 1º de novembro de 1980:
A euforia começou na entrada da cidade, continuou na Rua 15, com faixa e rojões,
e chegou às escadarias do Paço. No salão nobre, discursos e abraços
Fotos publicadas com a matéria
Tributação registra dimensões políticas
Rojões, confetes, faixas de saudação e regozijo, e
batucada. Houve isso tudo, ontem à tarde, no regresso triunfal do prefeito Paulo Gomes Barbosa. Ele foi esperado pelos secretários, no Saboó, e
desfilou a pé desde a confluência das ruas XV de Novembro e do Comércio até o Paço, onde se consumou o último ato comemorativo da tributação da Cia.
Docas do Estado de São Paulo - Codesp.
Barbosa veio de Brasília juntamente com o deputado federal Athié Jorge Coury, parou em
São Paulo para trazer a Santos o secretário dos Negócios Metropolitanos do Estado, Sílvio Fernandes Lopes, e assim caracterizou, também, que a festa
era da Cidade e do PDS.
O prefeito disse que aproveitou a audiência que teve com o presidente Figueiredo e com
o ministro-chefe da Casa Civil, Golbery do Couto e Silva, para renovar o pedido de autonomia política para Santos. "Estou
seguro de que a autonomia virá, sem dúvida alguma, e que o nosso PDS será forte nas eleições de 1982, pois nós pretendemos ser vitoriosos", declarou
Barbosa.
Acolhida - Dezenas de faixas já estavam instaladas no Centro, desde a manhã de
ontem, preparadas para dar um clima festivo ao retorno do prefeito, enquanto em sua mesa de trabalho acumulavam-se telegramas manifestando-lhe
cumprimentos, em nome da Associação Comercial de Santos, Sindicato dos Armazéns Gerais, Lions Clube, União Cívica Feminina, Escola de Samba União
Imperial, e de importantes sindicatos, como o dos Estivadores, dos Consertadores de Carga e dos Condutores Autônomos. Esses sindicatos também
subscreveram faixas, o secretariado e as diretorias da Prodesan, CSTC e Cohab organizaram-se para receber o prefeito à entrada da Cidade,
providenciaram-se dezenas de caixas de fortes rojões. Mas a Assessoria de Comunicações da Prefeitura veiculou o esclarecimento de que nada disso
tinha sido premeditado por Barbosa, e que resultou apenas da iniciativa de seus amigos e colaboradores.
Barbosa parou no Saboó, quando Athié Jorge Coury e Sílvio Fernandes Lopes desceram
para os primeiros cumprimentos, estabelecida a liderança trina do PDS: Athié continuou atuando prioritariamente na área federal, Sílvio lidera o
âmbito do Estado, e Barbosa lidera o partido a nível municipal. Após o cortejo, ainda de automóvel, até a Rua XV de Novembro, todos desceram para
uma caminhada, sob aplausos, rojões e confetes, até o Paço. Lá, o salão nobre já estava lotado para a solenidade em que o prefeito anunciaria
oficialmente a conquista tributária do Município.
Saudação - Coube a Candinha Ribeiro de Mendonça proferir a saudação ao
prefeito, em nome da comunidade. "Magnífica conquista, a tributação do porto, com os recursos orçamentários daí resultantes. Inegável que é fruto de
sua iniciativa pessoal, espelhando fielmente a incansabilidade de vossa excelência, seus esforços e notória dedicação prol de nossa gente", disse
ela. Depois acrescentou: "O nome de vossa excelência é apontado como o grande vitorioso dessa causa, que, transcendendo os limites do Município, se
projeta marcantemente em âmbito nacional. Salientemos, contudo, que o problema crucial desse tributo afligiu sempre as administrações anteriores,
que também muito se empenharam". Ela louvou o "espírito público" e a "tenacidade" do prefeito.
Barbosa agradeceu as referências a ele dirigidas, também reconhecendo as lutas
desenvolvidas, com o objetivo de tributar o porto nas administrações passadas, e disse que a conquista pertence "a todos os trabalhadores, é uma
vitória dos carentes e dos mais pobres, dos sindicatos, da nossa imprensa, enfim da comunidade". Em especial, o prefeito mencionou agradecimentos
por editoriais de A Tribuna, defendendo a mesma causa, e disse que o último deles inclusive foi legado ao presidente Figueiredo e aos
ministros federais, "servindo de respaldo à nossa reivindicação".
Ele agradeceu ao governador Paulo Maluf, a Sílvio Fernandes Lopes, "que também não
mediu esforços para que pudéssemos tributar a Codesp", e a Athié Jorge Coury, "esse monstro sagrado, que há tantos anos vem ajudando a nossa
cidade".
Athié, por sua vez, qualificou a conquista como "um grande desabafo, um desabafo
irreversível comandado pelo prefeito Paulo Gomes Barbosa", enquanto Sílvio Resumiu assim a vitória: "A tributação do porto significa a realização de
muitas obras e serviços com o dinheiro que será arrecadado pela Prefeitura; na verdade, a conquista dessa tributação já é, por si mesma, uma grande
obra".
Pontos a serem esclarecidos
Como tributar os impostos Predial e Territorial de bens da União e que fazem parte do
complexo portuário de Santos? A princípio, esta questão está sem resposta. Mas, poderá ser resolvida até quarta-feira, quando o ministro dos
Transportes, Eliseu Resende, divulgar seu parecer de 82 itens a respeito de todo o maquinismo que envolve a transferência definitiva dos bens da
Companhia Docas de Santos para a Companhia Docas do Estado de São Paulo - Codesp -, por meio da Portobrás, representante da União.
A questão foi levantada a partir da publicação, ontem, do decreto ministerial que
deixa, sob a guarda, responsabilidade e gestão da Codesp, os bens, imóveis e móveis da União e afetados ao Porto de Santos. Tanto o prefeito Paulo
Gomes Barbosa como seu secretário jurídico, Luiz Antônio de Oliveira Ribeiro, deixaram também no ar a questão, até que tudo seja esclarecido nos
itens do ato ministerial, "a ser divulgado até quarta-feira".
A dúvida surge no instante em que bens da União não são tributáveis. E leva a outra
questão: de que forma, então, se poderia incluir na tributação os impostos Predial e Territorial de bens que pertencem à União, e que não foram
ainda transferidos oficialmente à nova empresa portuária, a Codesp?
Tanto o prefeito como o secretário jurídico afirmam que tudo está previsto no parecer
ministerial, mas, como o parecer não saiu do gabinete do ministro dos Transportes, a questão fica no ar.
A receita dos impostos Predial e Territorial, na verdade, só poderá ser levantada a
partir do momento em que se faça um levantamento dos bens da CDS e da União no Porto de Santos, passando-os à Codesp. E isso só deverá ocorrer no
próximo ano, segundo informações do consultor jurídico, Raimundo Mesquita.
O consultor revelou também que o Imposto Sobre Serviços - ISS - foi autorizado pelo
ministro apenas para os serviços de capatazia, não sendo tributáveis, portanto, os serviços acessórios. Há, por isso, uma defasagem na previsão de
recolhimento do ISS, estimado em Cr$ 120 milhões (ou 5 por cento sobre o movimento dos serviços prestados), o que poderá baixar a estimativa
inicial. Também no caso da tributação do Predial, do Territorial e de outras taxas (que tiveram estimativas de Cr$ 30 milhões), poderá haver
defasagem, principalmente se a União continuar na posse de áreas que, por lei, não poderão ser tributadas pelo Município.
Sobre isso, o secretário das Finanças, Adilson Bulo, justifica:
"Estamos ainda trabalhando sobre estimativas. A tributação de Cr$ 150 milhões anuais já anunciada é uma estimativa. Mas, acredito que possamos
recolher pelo menos 90 por cento desse total. Para isso, entretanto, vamos esperar que a Codesp ganhe personalidade jurídica para, então, termos
acesso aos livros de balancete e trabalhar sobre cálculos mais reais".
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