Foto: Nirley Sena, publicada com a matéria
PATRIMÔNIO
Reforma expõe preciosidades da Capela de São João Bosco
Restauração, que é realizada pela Santa Casa, devolve as características
Tatiana Lopes
Da Reportagem
Por detrás dos portões da Escola Estadual Escolástica
Rosa, na Ponta da Praia, existem algumas preciosidades escondidas. Uma delas é a Capela de São João Bosco, construída em 1939 para atender os alunos
internos do colégio e que há quase 30 anos está desativada. A igreja, de propriedade da Santa Casa da Misericórdia de Santos, está sendo restaurada
pela instituição, mas ainda não tem data definida para ser reinaugurada.
Segundo o arquiteto Fernando Gregório de Oliveira Pereira, coordenador da restauração,
a obra está em fase de prospecção, estágio que serve para descobrir os materiais usados na construção do imóvel.
"A cor de algumas paredes da capela - verde-oliva com estampas douradas - foi
descoberta quando retiramos os quadros para restaurá-los".
Para deixar a igreja como era no início, o arquiteto está se baseando em fotos da
época, depoimentos de pessoas e testemunhos (provas concretas como pedaços das peças originais encontradas no local): "A nossa preocupação é deixar
a capela o mais original possível".
O piso da igreja ainda permanece o mesmo da época da construção. Em ladrilho
hidráulico, forma mosaicos em preto e branco. No entanto, uma parte foi prejudicada por infiltrações e teve que ser arrancada.
"Nesse espaço, deixamos o piso em concreto. Como esse ladrilho não existe mais para
vender, se fôssemos mandar fazer ficaria uma fortuna".
Descaracterização - Ao longo dos anos, a capela foi descaracterizada. O local
sofreu várias intervenções a partir da década de 50. "Para chegarmos à cor original da parede próxima ao altar, tivemos que raspar oito camadas de
tinta".
Pereira conta que a descaracterização aconteceu porque a igreja serviu de laboratório
para os alunos do curso de edificações, que realizaram pinturas no local.
"O brasão da Congregação Mariana, que fica na parede da capela, será recuperado. O
escudo do brasão, que originalmente era azul, recebeu tinta bege e a coroa, que era dourada, foi pintada de branco".
Segundo o arquiteto, o altar, as portas e os bancos da igreja foram feitos de
jacarandá pelos próprios alunos, nas oficinas de marcenaria da escola.
"As peças de madeira estão bem conservadas. Apenas as molduras de alguns quadros foram
afetadas por cupins. Um deles representa a passagem bíblica do filho pródigo".
Para dividir a nave do presbitério existe um arco de gesso, com símbolos eucarísticos,
todo na cor marfim.
Outra peça da capela que será restaurada é o brasão usado no 1º Congresso Eucarístico,
de 1941. Confeccionado em cimento e gesso, o objeto será restaurado e voltará para o local original da igreja, em cima do coro.
As imagens - A imagem de Dom Bosco, em tamanho natural, ao lado de São Domingos
Savio, que foi aluno do padroeiro da capela, está sendo restaurada.
As imagens de Nossa Senhora das Dores e do Sagrado Coração de Jesus, ambas esculpidas
em madeira, também estão sendo recuperadas por Leonardo Branco. Os objetos de metal estão sendo restaurados em São Paulo. Três quadros da Via Sacra
precisaram ser recompostos.
"Só iremos colocar na igreja as peças originais. As imagens de Nossa Senhora Aparecida
e de São José, como vieram depois, não serão usadas no altar quando a capela for reinaugurada".
Raridades - No local existem algumas raridades, como o livro Missal
Tridentino em latim, da época em que os padres rezavam a missa de costas, e a pedra Dara, peça de mármore que era encaixada no altar e que
contém relíquia de um mártir da igreja. Antes do Vaticano II a missa só podia ser celebrada com ela.
Arquiteto Fernando Gregório está usando fotos em seu trabalho
Foto: Nirley Sena, publicada com a matéria
Padre que cuidava do local lamenta a longa desativação
Durante 25 anos, de 1950 a 1975, a Capela de São João Bosco ficou aos cuidados do
Padre Paulo Hourneaux de Moura.
Hoje, aos 77 anos, "bem vividos e sofridos", como ele mesmo descreve, lembra com
carinho do período em que morou na escola e lamenta que a capela tenha ficado tanto tempo desativada. "Eu sofri muito quando vi aquilo ruir".
Padre Paulo dava auxílio espiritual e material aos meninos pobres que moravam na
escola.
"Aquela capela foi construída para atender os alunos internos. Em uma época, chegou a
ter mais de 100 alunos", conta o padre que, além de celebrar missas, dava aula de Educação Moral e Cívica e de Estudos dos Problemas Brasileiros (EPB).
Segundo ele, o trabalho maior realizado na capela foi junto aos internos. "Todos os
dias, às 6 horas da manhã, tocava marchas populares e patrióticas para os alunos acordarem. Às 7 horas, depois da higiene pessoal matinal, os
meninos faziam oração da manhã na capela".
O padre diz que sempre após as preces escolhia histórias com lições de vida para
contar aos estudantes. "Foi lá que eu aprendi a lidar com os jovens, a ter paciência e a brigar pelos direitos deles. Sinto muita saudade da época.
Aquilo me ensinou a viver".
Durante o dia, padre Paulo era como um pai para os alunos. "Eu os ensinava como se
portar à mesa, fazer a higiene e se vestir".
No Natal, celebrava missas para os garotos. "Nessa época, eles iam às ruas para
convidar a população a participar da cerimônia".
Além dos alunos, dos professores e dos funcionários do colégio, a comunidade também
freqüentava a capela. Quando foi inaugurada, era a única igreja no bairro da Ponta da Praia.
Nome de Maria - Em dezembro, quando completar 50 anos de sacerdócio, padre
Paulo fará uma homenagem à Nossa Senhora. Irá incluir o nome de Maria ao seu. "Ficará Paulo Maria Hourneaux de Moura".
Desativada há quase 30 anos, a capela não é muito conhecida
Foto: Nirley Sena, publicada com a matéria
Edificação estava prevista no testamento de João Octávio
Uma capela para atender os meninos internos da Escolástica Rosa estava prevista no
testamento de João Octávio dos Santos, idealizador da escola. Além da igreja, o documento também previa a celebração de missas aos domingos e na 1ª
sexta-feira de cada mês.
Morto em agosto de 1900, aos 70 anos, João Octávio foi um bem-sucedido comerciante
santista. Ele era filho bastardo de Escolástica Rosa, uma escrava negra, que trabalhava na casa do Conselheiro João Octávio Nébias. Apesar de não
existirem provas, dizem que João Octávio era filho do Conselheiro Nébias.
Em seu testamento, datado de 12 de dezembro de 1899, ele deixou uma área de 7 mil
metros quadrados - entre as avenidas Bartolomeu de Gusmão e Epitácio, onde foi construído o Instituto Dona Escolástica Rosa, hoje escola estadual.
No local, conforme o testamento, deveria ser construído um instituto destinado à
educação intelectual e profissional de meninos pobres.
Após ser concluída e montada a escola, todos os seus outros bens - ele tinha cerca de
75 imóveis espalhados pela Cidade ligados à Santa Casa de Santos - ficariam constituindo o patrimônio do instituto. Todos os rendimentos deveriam
ser aplicados na conservação e custeio do local.
Documento estipulava missas todos os domingos
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Restos mortais - Os restos mortais de João Octávio dos Santos, assim como
documentos da época em que ele morreu, estão depositados embaixo de uma estátua feita em sua homenagem, no interior da escola.
O economista Jair Carneiro, que é o caseiro da escola, conta que teve uma experiência
curiosa com monumento, há cerca de seis anos: "A pedra que serve de proteção para a estátua caiu e os ossos ficaram expostos".
Jair Carneiro revela detalhe envolvendo o busto do
idealizador
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Ex-aluno guardou livro que estava no lixo
Dono de uma memória impecável, o historiador e professor Paulo Henrique Mortari Justo,
vice-diretor de uma escola estadual em Cubatão, lembra com detalhes da época em que estudou no Escolástica Rosa, nas décadas de 70 e 80.
Mortari fez o ginásio industrial e foi aluno do curso de metalurgia. Ele conta que
todos os sábados freqüentava as missas celebradas pelo padre Paulo Hourneaux de Moura, responsável pela capela.
"Aqui, durante um ano, eu tive aulas de catecismo. Também foi nessa capela que recebi
a minha primeira comunhão e fui crismado", conta o historiador, que ainda guarda um porta-retrato com uma fotografia da cerimônia de sua primeira
comunhão, aos 12 anos de idade.
Sentado em um banco no pátio do colégio, e segurando nas mãos um livro raro, de 1904,
com fotos e a história da escola, ele fala como conseguiu um exemplar: "Encontrei essa relíquia no lixo, quando eu estudava aqui. Na época, era
presidente do centro cívico e resolvi guardá-lo comigo. Nem a biblioteca tem esse volume".
Outra lembrança forte que tem da capela é de um dos seus professores, que teve um
enfarto na porta da igreja: "Ele estava se deslocando de uma sala para outra, durante o intervalo. Parou na porta da capela, se sentiu mal e caiu
morto".
Imagem de Dom Bosco faz parte do acervo do templo
religioso
Foto: Nirley Sena, publicada com a matéria
Santo é padroeiro do Ensino Técnico e de outros cursos
A capela foi uma das primeiras dedicadas a São João Bosco, conhecido popularmente por
Dom Bosco. Isso porque ele foi canonizado em 1934 e a capela foi construída em 1939.
Nascido na Itália, em 16 de agosto de 1815, foi ordenado sacerdote em 1841.
Dom Bosco foi declarado o padroeiro do Ensino Técnico e dos cursos profissionalizantes
e se tornou um dos santos que mais atraem a simpatia das pessoas, especialmente dos jovens.
Desde pequeno, liderava um grupo de colegas, pois era dotado de muita inteligência,
vontade, memória e agilidade física nos jogos. Também foi de pequeno que descobriu a sua vocação para a educação dos jovens, principalmente dos
pobres e abandonados.
Era considerado um homem sorridente e amável, que tratava da mesma maneira os pobres e
os ricos. Ele morreu em 31 de janeiro de 1888.
Mortari se lembra do catecismo
Foto: Nirley Sena, publicada com a matéria
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